Nota prévia: este artigo vem substituir dois outros dedicados à Bênção das Pastas de Lisboa e Porto, os quais ficam, agora, incorporados neste novo texto.
A Benção das Pastas é, de há largos anos a esta parte, um dos momentos altos dos festejos das Queimas das Fitas (também denominadas de Semana Académica) um pouco por todo o país.
Trata-se de uma cerimónia religiosa inicialmente promovida e destinada a finalistas católicos a quem, com o passar do tempo, a simbologia e prestígio do acto, se foram associando os demais estudantes finalistas, fossem, ou não, crentes.
Tem-se a ideia errada de ser a Benção das Pastas uma cerimónia praxística ou costume da Praxe, quando não o é, nem nunca foi sequer.
A verdade é que a solenidade desse evento cedo cativou os estudantes, mormente a sua maior ou menor afinidade com o catolicismo, a sua maior ou menor fé, a sua relação mais ou menos próxima com a Igreja.
Mas não foi esse lado mais religioso que despertou o interesse de muitos dos estudantes que elevaram este acto a costume e tradição académica, mas, sim, o rito de consagração, em primeiro lugar, e, depois, a bênção, propriamente dita, dentro da pompa e solenidade que, nos festejos da Queima, não existia, de facto, para assinalar o fim dos estudos – algo que nem a entrega de diplomas conseguia oferecer.
Foi, por isso, com naturalidade, que uma cada vez maior adesão se foi registando, tendo, como resposta, por parte da Igreja e associações de finalistas católicos (entidades promotoras e organizadoras), uma abertura “ecuménica” que possibilitou, com o passar dos anos, que fosse o momento especialmente acarinhado pela academia e transformado num dos pontos altos (e o de maior solenidade) dos festejos e tradições académicas.
Com efeito, a Benção das Pastas, continuando a ser uma cerimónia religiosa católica, abre-se paulatinamente a toda a academia, a todos finalistas (crentes convictos, ocasionais ou mesmo não crentes) onde os menos dados à religiosidade sentem, contudo, ser importante participar pelo simbolismo que tal acto adquirira, já, no seio da academia.
COIMBRA
O primeiro registo de tal cerimónia remonta ao ano de 1930, em Coimbra, como disso nos dá conta Alberto Lamy:
“Na capela da Universidade efectuavam-se a Consagração dos Quintanistas ao Sagrado Coração de Jesus (pela 1ª vez, na Sé Velha, a 25 de Maio de 1930, em cerimónia promovida pelos estudantes do CADC) e a Bênção das Pastas.
Havia missa celebrada pelo Bispo-Conde, com presença do reitor e de muitos professores.
Ante o Santíssimo exposto, um dos quintanistas, em nome dos colegas presentes, lia a fórmula de consagração.
Os quintanistas apresentavam as pastas ao Bispo-Conde que dava a bênção geral, começando depois a desfilar perante ele, ajoelhando-se a seus pés. Logo que o quintanista recebia a bênção, deixava o seu nome no Livro de Ouro das consagrações que estava no centro da Capela e se guardava no CADC.
Finalmente, o Bispo-Conde dava a Bênção do Santíssimo.
Terminadas as cerimónias, os quintanistas, com as individualidades presentes, tiravam a fotografia da praxe na escadaria central da Via Latina.
“A Bênção das Pastas é, para o estudante católico, a cerimónia mais solene do seu curso académico. Na hora da partida, depois de váriso anos de trabalho a preparar o dia de amanhã, os finalistas abeiram-se do altar, numa manifestação viril e espontânea de fé, para consagrar a Deus a sua vida e receber dele uma bênção especial para a Pasta em cujas fitas se escrevem os nomes mais queridos[1]”. [2]
O N&M, fiel ao seu propósito, procurou algo que documentalmente reforçasse o que o insigne investigador acima mencionava na sua obra, tendo descoberto o seguinte artigo, precisamente a dar conta da 1ª Bênção das Pastas em Coimbra (porventura a 1ª em Portugal).
![]() |
(Gazeta de Coimbra, Ano 19º, Nº 2496, de 27 Maio 1930, p.2) |
Igualmente interessante é perceber que, nos primórdios desse acto solene, existia claramente uma separação entre esta cerimónia e demais festejos da Queima, sendo a participação restrita a estudantes católicos, a maioria deles ligados e inscritos nas várias associações do género (algumas delas com uma intervenção social e associativa, peso e prestígio, ao nível da associações académicas).
“Festa dos Quintanistas
Os quintanistas católicos celebraram a sua festa de consagração ao S.C. de Jesus, fotografando-se em seguida.
Os quintanistas não católicos também se fotografaram em grupo”.[3]
Ao que tudo indica, a abertura à comunidade em geral fica definitivamente reforçada a partir dos anos 60, em razão dos ventos de mudança que sopram do Concílio Vaticano II[4], passando a Bênção das Pastas a ser aceite e considerada como uma cerimónia integrante da tradição estudantil, a par com as demais, a qual, por exemplo no Porto, já era comumente aceite como acto que iniciava a própria Queima, como o atestam os títulos de O Comércio do Porto de 1953 e 1955 respectivamente:
"Com a benção das pastas e um sarau para proclamação dos vencedores dos «Jogos Florais» começaram ontem as festas da «Queima das Fitas» dos estudantes universitários do Porto " (1953-05-04)
"Com a benção das pastas e um sarau artístico para distribuição dos prémios dos «Jogos Florais», iniciaram-se ontem as festas da «Queima das Fitas» dos estudantes universitários desta cidade"(1955-05-09)
"Acrescento às considerações do autor do artigo que, no tempo de Gonçalo dos Reis Torgal - 1959 - a cerimónia ainda estava, de facto, fora das festas da Queima. Nesse ano, diz ele que a Benção foi a 4 de Maio e o programa da Queima começou uns 10 dias depois."
![]() |
Benção das Pastas em Coimbra (Sé Nova) na actualidade. |
LISBOA
No que concerne a Lisboa, António Nunes (2013) diz-nos que a 1ª ocorrência de uma Missa de Finalistas teve lugar em Lisboa, em 1926 - o que significaria que a tradição da Bênção das Patas teria origem na capital, mas não conseguimos, até agora, uma foto de tal ou quaisquer documentos que o comprovem, nem mesmo registos anteriores a 1933.
Parece-nos, pois, que o cliché que a seguir apresentamos será o primeiro documento fotográfico sobre a Benção das Pastas na capital, a qual se realizou em 1933 (na Igreja dos Mártires), para os "quintanistas católicos de direito e medicina", precisamente o mesmo ano em que existe a 1ª referência a esta cerimónia no Porto.
Na falta de mais dados, apenas podemos colocar a bênção das pastas em Lisboa como tendo iniciado em 1933.
Na falta de mais dados, apenas podemos colocar a bênção das pastas em Lisboa como tendo iniciado em 1933.
![]() |
(Ilustração, 8º Ano, Nº 6 (174), de 16 Março 1933, p.10 - Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Segue-se um segundo cliché, datado de 1934, com os quintanistas de Direito.
![]() |
(Ilustração, 9º Ano, Nº 198 , de 16 Março de 1934, p.33 - Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Na foto de 1936, que abaixo apresentamos (esta, tirada no interior da Igreja), a respectiva legenda já não especifica os cursos envolvidos (porventura porque já os teria congregado a todos), mas apenas que os estudantes são católicos. De notar o número considerável de mulheres que, embora não envergando traje, se apresentam de pasta e fitas.
![]() |
(Ilustração, 11º Ano, Nº 251 , de 01 Junho de 1936, p.26 - Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
![]() |
Benção das Pastas em Lisboa (Terreiro do Paço) na actualidade (com o então Cardeal Patriarca, D. José Policarpo) |
PORTO
Depois de abençoadas as pastas, estas foram entregues aos alunos pelos lentes da Universidade.
![]() |
(O Comércio do Porto, de 04 Maio, de 1933, - ref. do Arquivo da UP - AN2-N83-P74) |
Seguem-se mais 2 clichés, também referentes à Bênção das Pastas do Porto; o primeiro de 1938 e o segundo de 1939, recentemente descobertos pelo N&M.
Note-se que o uso da capa e batina ainda não é, aqui, tido como obrigatório, dado que a etiqueta académica não contemplava, ainda, este tipo de cerimonial.
![]() |
(Ilustração, 13º Ano, Nº 298, de 16 Maio de 1938, p.10 - Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
![]() |
(Ilustração, 14º Ano, Nº 322, de 16 Maio de 1939, p.7 - Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
As imagens que se seguem, obtidas no Arquivo Digital da UP, vêm reforçar o que já expusemos, ou seja que a cerimónia da Bênção das Pastas ainda era, de certa forma, algo "à parte", só para alguns, sendo explícitas as referências a "Finalistas Católicos", menções que irão tendencialmente desaparecer, à medida que a cerimónia se abre a toda a academia (e esta a adopta igualmente como o momento mais solene dos festejos de fim de ano).
![]() |
(O Comércio do Porto de 14 de Maio de 1945 - Ref. do Arquivo da UP - AN2-N261-P278) |
![]() |
(O Comércio do Porto, de 7 de Maio de 1951 - Ref. do Arquivo da UP - AN2-N618-P480) |
![]() |
(O Comércio do Porto de 10 de Maio de 1958 - Ref. do Arquivo da UP - AN2-N447-P400) |
![]() |
Benção das Pastas no Porto (Av. dos Aliados, com a Câmara Municipal ao fundo), na actualidade. |
A Benção das Pastas é, actualmente, uma cerimónia que envolve milhares de pessoas, o que obrigou a que, em muitas cidades, a mesma ocorresse fora dos locais de culto, tornando "missa campal".
A esta cerimónia está associada a etiqueta da praxis que determina que o estudante se apresente rigorosamente trajado e com a sua pasta fitada (pasta da praxe com 8 fitas).
Um dos costumes que está igualmente associado a esta cerimónia é a de os pais(ou muitas vezes a “cara metade”) oferecerem ao finalista, no fim da Eucaristia, um aramo de flores, preferencialmente com as cores do curso/faculdade.
Mantém-se a bênção por parte do prelado, mas já não existe a apresentação individual dos finalistas ao bispo (ajoelhando-se para receber a bênção), nem a consagração, tal como não existe o registo (assinatura) dos finalistas em livro próprio (o tal “livro de ouro”).
Com efeito, em virtude da massificação, e tendo em conta, também, uma feição “ecuménica” (muitos vão lá, mas sem fé sequer, apenas e só pela cerimónia – a lembrar alguns casamentos de véu e grinalda), a cerimónia aligeirou-se, continuando, ainda assim, a ter a Eucaristia por centro e cerne do acto.
![]() |
Benção das Pastas em Viseu (largo da Sé) presidida por D. António Marto (actualmente bispo de Leiria-Fátima) |
[1] Estudos. Juklho de 1948, Ano XXVI (facs. VI-VII), nº 268-269, pág. 390-391.
[2] LAMY, Alberto Sousa – A Academia de Coimbra, 1537-1990. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª Edição, 1990, pp. 671-672
[3] SOARES, António José – Saudades de Coimbra, 1917-1933(Tomo III). Almedina. Coimbra, 1985, p. 5 do ano de 1932.
[4] O Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado no dia 25 de Dezembro de 1961, através da bula papal "Humanae salutis", pelo Papa João XXIII, que o inaugurou no dia 11 de outubro de 1962. O Concílio só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário