segunda-feira, 24 de abril de 2017

Notas sobre a origem da cor da Capa e Batina

Porque me foi pedida essa informação, e também porque acabei por perceber que não havia dados sobre o assunto, escreverei breves linhas sobre a razão de ser da cor negra do traje académico.

Antes de responder, farei uns breves considerandos para contextualizar, aproveitando para desfazer o mito do "traje comunista", utopia de uma só classe.
Como muitos saberão, certamente, a "capa e batina" não tem origem nas lobas, sotainas e batinas do clero, mas em vestes burguesas que vieram substituir ou sobrepor-se à "abatina", numa clara tentativa progressista e anti-clerical iniciada na década de 80 do séc. XIX.
Ao contrário do que muitos pensam, e apregoam à boca cheia, a capa e batina, como traje académico, não foi instituída para criar qualquer paridade ou igualdade entre os universitários (entre pobres e abastados). VER AQUI
O argumento de que o traje serve para esbater as diferenças sociais não podia estar mais errado.

Se o traje talar assumia feições de "uniforme" para diferenciar os estudantes das demais classes sociais, para identificar o foro académico que reclamava, para si, o direito de ser uma classe à parte (vincadamente diferenciada da dos artesãos, juristas, comerciantes, médicos, etc.), a Capa e Batina deu seguimento a essa identitária diferenciação, servindo, para identificar o estudante português.
Assim, o traje académico foi a componente visível do estabelecer de uma identidade que se queria demarcada e prontamente identificada, não sendo confundida com nenhuma outra classe, profissão ou mester.

Eis a razão do traje.

Dizer que foi para tornar todos iguais é uma patetice, já que, até à nossa história recente, os que cursavam a universidade vestiam conforme a sua condição (daí haverem panos melhores, mais berloques nuns, cores diferenciadas noutros, etc.), variando inclusive o tipo de traje em certas instituições (Agrária, em Coimbra, que sempre teve traje diferenciado, por exemplo).
E se recuarmos aos modelos anteriores á abatina, então encontramos trajes com outras cores, como o castanho, o cinzento, ou até o branco, conforme a indumentária em vigor nas ordens religiosas e segundo o grau hierárquicos dos clérigos que frequentavam os estudos gerais.

Quando se fala em traje académico que veio tornar todos iguais, isso é tão somente um consequência (recente, até), possível quando o traje se fixou com um padrão definitivo trazido pela produção em linha por parte das fábricas de confecção, pois que é de La Palisse que quando todos trajam igual não haja diferenças, mas isso é descobrir o óbvio.....a posteriori.


E a cor do traje?
Por que razão o preto?

Tem razão de ser a pergunta, porque a resposta não se encontra nos muitos estudos evolutivos do traje ou discertações sobre a origem do mesmo que pululam na net, em sites "especializados" sobre praxe ou traje (eu, pelo menos, nunca encontrei, diga-se).
Fica, aqui, em 1ª mão na Internet (pelo menos), essa explicação, convindo salientar que nem sempre os trajes estudantis foram pretos, convivendo com estes, nomeadamente, os de cor castanha.

Antigamente a "abatina" (de que derivará o termo "batina"), com origem em França e Itália, era usada  por padres e sacerdotes da Igreja Católica para que eles fossem reconhecidos como tais, uma norma que foi abolida (abolição da obrigatoriedade) no Concílio Vaticano II.
A "abatina" era conjunto de capa e túnica (talar) dos abades seculares de França ou de Itália, com vestido de seda negra, capa curta, volta singela e cabeleira pequena.
O preto, que tingia suas vestes, representa o luto, ou seja o desapego do sacerdote pela vida mundana (morrendo para o material, para o mundo "carnal"), para se dedicar a Deus e ao bem comum. Assume carácter simbólico de renúncia e de missão, de entrada num novo estrato social, num novo ministério.

Assim, o preto, que também simboliza, quando brilhante, nobreza, distinção, elegância e masculinidade, acabou por se manter, obviamente, no "paramento académico", não em razão do significado eclesiástico da "abatina", mas pela ideia de dignidade que a cor empresta, para além do cariz pragmático de uma cor que fica bem em qualquer ocasião, além de se sujar menos.
Bastará anuir que a quase totalidade dos que trajam não sabem a razão da cor preta, colando-lhe interpretações várias, muito romanceadas mas imprecisas.

É certo que, romanticamente, poderão muitos doutos emprestar-lhe novas significações e simbologias, como a ideia de noite, de mistério, de fuga, disfarce/camuflagem ou vadiagem, que podem associar-se ao noctívago e boémio estudante ou à arte de "correr la tuna"e .......... correr saias (e/ou fugir de algum pai ou irmão mais "ultrajado"), mas uma coisa são os mitos romanceados e outra são os factos.

Eis, pois, a razão de ser da cor preta nos nossos trajes académicos que, apesar de terem preterido o modelo da "abatina" (um modelo que diferia da dos lentes, que era talar, por ser mais subida) por um modelo laico (na definitiva separação escolar entre Igreja e Estado), mantiveram a cor, emprestando-lhe ou substituindo a significância clerical por uma mais civil, mais assente na etiqueta e no ideário do preto como cor solene, tida como mais em linha com a ideia acima referida de porte formal, de sentido prático (que fica bem em qualquer ocasião), de vantagem em se sujar menos.

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