domingo, 24 de abril de 2016

Notas à Capa Suja - Lavar a capa

Estava eu ontem à conversa com a minha afilhada, que me apareceu toda bonita de capa e batina (só agora passou a vestir, porque na sua faculdade  - Lisboa -  dizem que os os caloiros só na noite da Serenata é que trajam pela 1ª vez; prova de que continua a haver muita gente ignorante e que só diz besteiras), quando reparei na sua capa, ainda tão recentemente estreada, já suja com grandes manchas beje-acastanhadas.

Logo lhe disse que devia, na 1ª ocasião, depois da Semana Académica,  tratar de limpar aquilo, a que se seguiu a seguinte conversa (aqui abreviada):

- A capa não se limpa!
- Mas onde ouviste isso? Que parvoíce é essa de não se poder lavar?
- Foi o que me disseram.
- Ah, pois, mas não faz sentido nenhum.
- Mas está no nosso código e diz que nunca se lava a capa!"

Está bom de ver que algo de errado se passa naquela faculdade, e em tantas e tantas outras,  no que toca a coisas tão simples que querem transformar em papismos de meia-tigela.
Para o lixo com códigos que colidem com a Tradição e se arrogam o direito de inventar, deturpar e desvirtuar com base na ignorância, na pequenez intelectual e na falta de dois dedos de testa para pensasr e perguntar, antes de se armarem aos cucos!

Para o lixo com todos eles, com todos esse libelos da treta que conseguem ser mais anti-praxe do que outra coisa qualquer, enganam e induzem em erro os estudantes.
Já neste blogue se demascararam outros mitos (pins, emblemas, colheres de café na gravata, relógios, pasta de praxe, origem do traje, o nº impar, latim macarrónico, o grito FRA, insígnias......) e este é mais um.

Desde quando é Praxe e Tradição não se limpar a capa?
Desde quando é Praxe ou Tradição andar porco e sujo, trajando-se um uniforme (capa e batina ou qualquer outro traje académico)?

Propalam-se muitas patetices, a começar por esse supostos "líderes da praxe", cujos cargos são verdadeiros hinos à ignorância e incompetência, secundados pelos praxeiros em rebanho obediente no seu balir praxístico.
Depois a justificação é "o nosso código diz...", como se um codigozeco inventado à pressão se pudesse sobrepor à Praxe e à Tradição que lhe são anteriores e que são património basilar e transversal para a própria fundamentação de qualquer código de Praxe digno desse nome.
Não percebem que é imperativo haver um precedente e uma justificação na Tradição para validar um código que se arroga, ele próprio, repositório de tradição?

O traje e a capa devem ser limpos, sempre que andrajosos, sempre que sujos. Na capa não se colecciona esterco ou sujidade como se de medalhas se tratassem. A sujidade não é brasão que se cosa à capa e não é marca que digifique seja quem for. Se assim fosse, alguns sem-abrigo seriam Super-Dux.
Quem pensa e diz tais besteiras não é só a capa que devia limpar, mas o cérebro.

Aprumo e limpeza sempre foram exigidos em qualquer uniforme, em qualquer traje, e o Traje Nacional ou Traje Académico não foge à regra.
É uma questão de civismo, educação e excelência.
Aturar maus praxistas é uma coisa, mas que ainda por cima sejam porcos..........

Legislar a dizer que se tem de andar com uma peça de roupa mesmo que imunda é vergonhoso, triste e completamente parvo. Nem parece vindo de estudantes do superior.

Essa "moda" já não é nova, tem alguns anos, sabemo-lo.
Advém da mente de gente que queria, à força toda, (para darem nas vistas) imitar os antigos estudantes que só tinham o seu traje como indumentária diária (quando o porte era obrigatório, ou mesmo depois quando era a pouca roupa que possuíam) e que se rompia e sujava devido ao seu uso intensivo.
Só que o traje não é de porte obrigatório há 100 anos, nem o recurso a quem tem pouca roupa - que hoje é bem caro, até, comprá-lo!!!

E mais: não existem registos de estudantes andrajosos, sujos e com o seu traje/uniforme imundo! Não, não existe, porque era obrigatório, precisamente, o aprumo.
Em lado algum existe referência a não se poder lavar a capa. Só mesmo em codigozeco de meia-tigela.
As capas, e o restante traje também, sofriam com o passar dos anos, e andavam bem rompidos no caso dos mais veteranos, mas não consta que andassem sujas como hoje alguns as deixam (sob pena de nem poderem entrar nas salas de aula). Aliás, não era invulgar alguns estudantes comprarem novas capas ou mesmo calças, batinas ou coletes, a par com sapatos.

Note-se que há quem propositadamente suje a sua capa, a deixe pelo chão, só para lhe dar um ar "veterânico" (a lembrar aqueles filmes onde se amachuca uma folha, se passa por café e outros quejandos, para imitar um papel antigo), naquilo que é um desrespeito total pelo uniforme que envergam, inventando depois essa coisa estapafúrdia que não se limpa a capa porque as nódoas são recordações da vivência académica!
É preciso ter lata e ser muito estúpido para tal argumento, tamanho é o ridículo e absurdo do mesmo.
Quem assim faz, faz triste, patética e ridícula figura, pretendendo obter veterania pelo que aparenta e não pelo que deve ser e saber.

Historicamente, tradicionalmente, fique claro, não há nada que justifique não se limpar o traje e a capa também, muito pelo contrário.

Com efeito, bastaria recordarmos aqui  o Edital da Vice-Reitoria de 22 de Abril de 1839, e depois o Decreto de 25 de Novembro (Regulamento da Polícia Académica) desse mesmo ano, que determinava que quem entrasse nos Gerais e nas salas de aula o fizesse com "vestuário próprio", ou seja envergando o traje académico. Determinava explicitamente o art.º 27º que o traje reservado aos lentes, doutores, professores e estudantes deveria ser limpo e decente.

No entendimento da época, como refere António Nunes [in Identidade(s) e moda, Percursos contemporâneos da capa e batina e da sinsígnias dos conimbricenses. Bubok, 2013, p.73], "limpo e decente" abrangia a higiene corporal e vestimentária.
Assim, o traje e a capa eram limpos/lavados, sempre que se apresentavam demasiado sujos para exprimirem o aprumo que se exigia a um uniforme como era o traje estudantil.

No edital datado de 24 de Abril de 1862, pouco depois do reitor Basílio Pinto ser reconduzido no cargo, ordena-se que "qualquer estudante que for encontrado em público com vestido talar académico, sem ser limpo e decente, como ordena o art.º 27 do Regulamento da Polícia Académica de 25 de Novembro de 1839, será recolhido à casa de detenção académica pelso empregados da Polícia Académica que o encontrarem, ou dele tiverem notícia, dando-me logo parte de assim o terem praticado".

[idem, p. 84]



In "Legislação académica desde o anno de 1851 inclusivamente até ao presente" , editada em 1954 pela UC. Edição Impressa colligida e coordenada por José Maria de Abreu.



Aliás, como podemos esquecer, por exemplo, que o acto de passar em revista o traje  não concerne apenas o correcto porte, mas igualmente o aprumo, a sua limpeza (capa incluída)?

Nota: Como disso damos conta no artigo sobre "Foro Académico", no qual também abordamos a questão da Polícia Académica, é possível perceber que, em finais do séc. XIX, fruto de um crescente descontentamento interno e externo (desde a revolução vintista e guerras liberais que a UC vive tempos conturbados), muitos estudantes que eram contra o traje talar (e reclamavam "modernidade" - que resultaria na transição para a "abatina") se apresentavam propositadamente com os seus trajes em condições lastimáveis ou então com adereçso proibidos pelo regulamento de disciplina em vigor, como forma de provocar as autoridades e atitude reaccionária. Convirá não confundir tal com o romantismo ficcionado dos velhinhos estudantes de trajes puídos pelo uso.


Nota: também me disse essa minha estimada afilhada que só era Pastrana quando inciasse o seu 2º ano na faculdade, revelando que na instituição que ela frequenta andou muita gente a aparvalhar a Praxe, deturpá-la e a espalhar mitos; gente que manda na Praxe lá do quintal deles, mas que destes assuntos não passou ainda de caloiro.

Pastrano é a designação dada ao estudante que deixou de ser caloiro com o início da Queima das Fitas (época que marca a emancipação), até à 2ª matrícula.
É caloiro, mas já pode usar a pasta da praxe.
No palito métrico, "pastrano" é um nome equivalente a "caloiro"/"felpudo"/"loiraça" ou "boroeiro" - expressão injuriosa para designar os novatos. Aliás, o próprio João Fernandes do Palito Métrico é descrito como tendo descido do monte/casal até Coimbra. Termina a aventura a guardar cabras e ir à tábua. mesmo em Espanha, era frequente nos colégios dizerem ao recém-chegado que era filho de lavradores/pastores, etc.
Pastrano deriva de "pastorano" - pastor, daí o significado de "rústico, grosseiro". Cf. http://www.lexico.pt/pastrano/


Como lho disse a ela, digo-o para qualquer outro do género:

-Para o lixo esses codigozinhos da treta. Para o diabo tanta ignorância e estupidez disfarçadas de grandes heranças do passado.
Rasguem-se as páginas desses manuais e deixem apenas o que é TRadição, de facto.
Os códigos ficavam mais magros, mais fáceis de conhecer, transportar e respeitar, por só conterem o essencial, o genuino, o que de facto importa.

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