quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Notas Burlescas (Defecaram na Praxe, a culpa é da D. Júlia)

Uma estória, em jeito de parábola, e no seguimento do artigo anterior, dedicado à defesa (séria) da Praxe.
Um texto que retoma a idieia vicentina de "Ridendo Castigat Mores".

Para bom entendedor.......





No Bairro da Tradição, encontra-se o edifício da Praxe, com várias dezenas de condóminos e suas famílias.
Dois elevadores servem o prédio e tudo parece correr naturalmente, naquele pacato bairro.
O problema é que nas escadas do prédio têm aparecido coisas bizarras e mal cheirosas.
Com efeito, parece que alguns condóminos mais aflitos ou "sonâmbulos" têm feito do vão (e degraus) das escadas o seu sanitário, mas como são raramente usadas, a coisa tem passado algo despercebida (ou pelo menos tem sido ignorada, pois obrigaria a incómodos, desde logo limpar ou denunciar os vizinhos - quando todos querem "boa vizinhança").
 
No outro dia, a D. Júlia, que é a funcionária do CTT que distribui o correio, teve de entrar para entregar uma encomenda no 10º andar. Como é claustrofóbica, utilizou a escadas para cumprir a sua tarefa.
 
Qual não foi o seu espanto, quando, ali-acolá, num ou noutro ponto mais escuro, descobriu aquelas “alheiras”. Tinha-lhe cheirado a algo “esquisito”, mal abrira a porta de acesso à escadaria, mas nunca imaginara que ali faria tais descobertas.
 
D. Júlia, há que o dizer, é uma grande quadrilheira e faz do mexerico a sua segunda especialidade, logo a seguir à confecção de tartes de maçã.
Claro está que, em poucos dias, toda a vizinhança sabia do caso, tornando-se alvo de chacota até nas reuniões da paróquia, do clube de caça e pesca ou no supermercado. E não se fizeram esperar as piadinhas do costume aos moradores do edifício.
 
Tal alvoroço pôs em pé de guerra o prédio em causa e foi marcada assembleia geral de condóminos.
 
Olhando para a acta lavrada dessa reunião foi possível perceber que:
 
Muitos condóminos pretendiam processar a D. Júlia por difamação.
Outros, por sua vez, diziam que as poias eram rareadas, só num ou noutro sítio, e que, comparando com a larga maioria dos degraus e patamares limpos, não havia razão para alarme.
Um ou outro, mais afoito, reclamava que, como quase todos usavam elevador, isso não prejudicava ninguém e que o problema era tão só dos condóminos que não cumpriam a tarefa de limpar também as escadas (ficando-se apenas pela porta de entrada, elevadores e patamares dos elevadores).
Muitos também diziam que nunca lhes tinha cheirado mal a eles, pelo que não percebiam que cheirasse mal aos de fora.
 
A culpada de tudo isso, pelos vistos, era da D. Júlia ou de quem quer que fosse de visita ao prédio e usasse as escadas.
 
Defecaram nas escadas do prédio da Praxe, mas, e segundo a acta da reunião, apenas 2 ou 3 condóminos discordaram, mostrando-se, isso sim, indignados por haver moradores a cagar nas escadas.
Só esses 2 ou 3 é que não percebiam como podia, a  tantos, não lhes fazer diferença aquele cenário (e a imagem que isso dava do prédio e moradores), e como já nem o cheiro era incomodativo (um odor apenas disfarçado, enquanto as portas de acesso às escadas se mantivessem fechadas).
Só esses 2 ou 3 moradores pretendiam descobrir quem “obrava” no seu prédio, porque as escadas, afinal, eram parte dele.
 
Foram vozes logo abafadas pelos demais condóminos.
Aquilo era um caso isolado; não eram assim tantos “coisos” e o cheiro, esse, tratava-se com um desodorizante ambi-pur adequado. Não era hora de divisões, mas de se unirem contra quem falava mal do prédio.
 
Importava era tratar da D. Júlia, conhecida língua de víbora que estava a exagerar, que preferia ver as 5 ou 6 poias sem olhar aos milhares de degraus limpos.
E tudo porque, em tempos, a D. Júlia tinha contado numa reunião da tupperware que, no prédio, as pessoas acumulavam os sacos lixo à porta de casa, para só ao fim de 2 ou 3 sacos o irem colocar nos caixotes defronte ao prédio. Ela, afinal, é que perseguia o prédio que já tinha má fama por causa dela.
A D. Júlia é que era a culpada de tudo e da má imagem do prédio, mesmo se era verdade que várias pessoas no bairro já sabiam (e comentava à boca pequena) da falta de higiene que por lá se registava.
 
Estranhamente, dessa acta, nada sobre limpar “aquilo”, nem mesmo contratando uma empresa de limpeza.
Já “limpar o sebo” à cusca da D. Júlia, isso, sim, era imperativo e foi votada a marcação de uma reunião extraordinária e uma comissão para a liderar e apresentar medidas.

 
EPÍLOGO

Têm chegado várias queixas (a maioria anónimas) à delegação dos CTT a acusar a D. Júlia de distribuir mal o correio, de se atrasar ou de ir ao café beber a bica em hora de expediente.

Na sede da associação cultural, durante os jogos de bridge ou nos ateliers de lavores, diz-se em surdina que D. Júlia bebe e tem um amante.

Nas paredes defronte à igreja, alguém escreveu que a D. Júlia era uma vaca.

Chegou a haver uma vigília, com vela e tudo, à porta do prédio, por parte dos condóminos e famílias. Foi tudo filmado pelo filho da D. Deolinda, que trabalha na loja de informática, que o colocou de imediato no FB e youtube.


No pacato prédio da nossa história, pouco ou nada mudou.
Bem, na verdade, chegou ontem uma remessa de 10 caixotes de ambientadores Air Quick e vários estão a ser colocados nas escadas.
Junto aos extintores existe também um dispensador automático de máscaras para, em  "casos de incêndio", proteger da inalação de "fumos".

Sabe-se, pelo Sr. Gervásio (que substitui nos CTT a D. Júlia, agora de baixa), que 2 ou 3  condóminos limparam os patamares das escadas do seu andar e os degraus imediatamente circundantes, mas a larga maioria não.

Na porta do rés-do-chão, que dá acesso às escadas, foi colocado um letreiro com o aviso de que as escadas estavam fora de serviço e que os elevadores eram óptimos, mais práticos e modernos, usando, até, sistema anti-poeiras e anti-ácaros, para evitar alergias.
Nos elevadores existe um dispensador de toalhetes perfumados (bónus pela compra da remessa de ambientadores).
 


 

 

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Notas à origem da Cartola, Bengala, Laço e Roseta dos Finalistas






Estava em falta um artigo que explorasse a questão da origem daquilo que muitos designam, por brincadeira (mesmo se não é propriamente a terminologia adequada), como sendo “insígnias de finalista”.
Cartola, bengala, laço e roseta são adereços incorporados ao traje que servem para sinalizar o fim dos estudos, nada mais que isso. Não são expressões de Praxe ou de praxista, apenas e só do finalista, seja ele praxista ou não, pelo que a questão que alguns ignorantes levantam do "merecimento" não tem qualquer lógica, pois que o merecimento resulta do percurso e sucesso escolar do aluno enquanto estudante.
O que a Praxe define é que o finalista desfile trajado no cortejo (como aliás o deveriam fazer todos os alunos), usando cartola, laço, bengala e roseta e.....sem capa (o finalista). Esse  éo figurino que caracteriza  finalista no Cortejo (já na Missa de Benção das Pastas, apenas se apresenta trajado a rigor e com a sua pasta de 8 fitas).
Mas voltemos ao assunto.
A adopção deste tipo de adereços ocorre, mais uma vez, como tantas outras adopções, de forma natural e espontânea, com base em peças que eram usadas noutros contextos, embora familiares e, muitas vezes, já incorporadas no quotidiano dos estudantes.
Recordemos, antes de mais, que a laicização do uniforme académico, e as suas conhecidas variantes (como é o caso da Escola Agrícola de Coimbra), seguiam, de perto, os cânones da etiqueta vestimentária em moda na época (a que se somavam as normas de etiqueta. próprias a uniformes corporativos). 
Grupo de alunos (em cima) e professores(em baixo) do Instiuto de Agronomia e Veterinária de Lisboa,
 Ilustração Portugueza, II Ano, Nº 75,
de 10 de Abril de 1905, p.357 (Hemeroteca Municipal de Lisboa).

Com efeito, e a título de exemplo, confirmando o paradigma laico-burguês, docentes e discentes do curso superior de letras e do Instituto de Agronomia e Veterinária entrariam no século XX de labita preta e cartola, costume de certa forma prolongado após a respectiva integração nas universidades fundadas em Lisboa após 1910 (Nunes, 2013).

Nestas duas imagens (acima e abaixo) que retratam estudantes, podemos ver o uso generalizado
do chapéu de coco na toilette masculina dos que estão à futrica.

Sobre o incidente que leva à Greve Académica de 1907,
Ilustração Portugueza, III Volume, Nº 55, de 11 Março de 1907, p.294e 296
(Hemeroteca Municipal de Lisboa).


Dado que o uso de chapéu de coco e cartola eram associados a uma certa ideia de estatuto ou de toilette mais solene (pese embora o chapéu de coco ser usual na indumentária civil dos estudantes), é natural que, a determinada altura, se parodiasse tal, com o tais adereços a prefigurarem a ascensão, tida como certa, a um estatuto mais elevado.


Cartola e Bengala

A tradição da cartola iniciou-se em Coimbra, com o curso do V Ano Médico de 1931/32, de que faziam parte estudantes que se tornariam célebres na boémia e vida académica de Coimbra, como é o caso de Castelão de Almeida (fundador do periódico "Ponney") ou de Henrique Pereira da Mota (de cognome “Pantaleão”), ambos repúblicos da Real República Ribatejana.

Segundo Reis Torgal[1] a novidade não terá acontecido imediatamente no cortejo da Queima de 1932, mas, sim, no decorrer de um jantar de curso que teve lugar no mês seguinte à Queima em que todos se terão apresentado de chapéu de coco ou de chapéu alto, de bengala e fumando charuto, numa clara uma alusão à entrada futura numa vida profissional prestigiada.

Tal é-nos igualmente confirmado no relato constante no libreto dedicado à história da Queima das Fitas, editado em 1999 pelo Diário de Coimbra:

“Embora na integrasse a programação da “Queima das Fitas” de 1932, já que o acontecimento se verificou em Junho e não por alturas das festas, foi neste ano que nasceu a “praxe” do uso da cartola e da bengala que, de futuro, os finalistas da Universidade passaram a usar em todas as Queimas das Fitas. Os quintanistas de Medicina que ficaram conhecidos pelo nome de “Curso dos Cocos”, e ao qual pertencia o célebre “Pantaleão” (Dr. Henrique Pereira da Mota), fez a sua primeira “Reunião de Curso” logo no mês seguinte, tendo-se apresentado todos de chapéu de coco ou de chapéu alto, de bengala e fumando charuto.Esta praxe que se enraizou, significa a entrada na “vida activa”. Foi este “Curso do Pantaleão” que teve também a ideia da “Venda da Pasta”.[2]


O artigo que a seguir apresentamos, confere com a nossa pesquisa, complementando-a:


in revista Rua Larga, nº 30, de 01 de Agosto de 1959, pp.320-321


Rapidamente alastra tal “novidade” que, pela sua graça, simplicidade e simbolismo, se foi cristalizando:

 “Na segunda metadade da década de 1940 é apropriada e tradicionalizada pelos estudantes da Universidade do Porto. Como traje de fantasia que era, usavam-se pijamas, casacas, vestidos e outras peças de roupa não combinadas. A cartola era de estrutura manufacturada, em cartão forrado de papel de lustro na cor científica do curso. Lapelas de cetim, papillon e bengala eram também na cor do curso.
Por vezes aparecia uma flor na botoeira (que não era a roseta de seda que foi criada pelos estudantes da Universidade do Porto a partir das insígnias das comendas de Estado). A cartola conimbricense tinha aba plana, de tipo saturno, copa de ilharga alta e chegava a ser muito altarrona e forrada de preto caso o seu portador fosse veterano. O charuto vistoso, tradicionalmente ofertado por caloiro-afilhado, e a garrafa de espumante, compunham a toilete dandy do quintanista que se despedia lacrimogéneo.[3]

Porto - Queima das Fitas em 1949


Diz-nos, ainda, Alberto Sousa Lamy, reforçando o já avançado:

“O Curso do V Ano Médico de 1931-1932, o curso do Dr. Henrique Pereira Mota (Pantaleão), o curso dos cocos, foi introdutor do uso das cartolas nas festas da Queima das Fitas.
Pela praxe, os cartolados podem trazer apenas batinas, cujas bandas devem ser de cetim da cor da Faculdade a que pertecem e as abas arredondadas dobrando a pregando as duas extremidades inferiores, dando um aspecto de fraque.
Os quintanistas, que só usam as cartolas e bengalas na Queima das Fitas, seguem a pé no cortejo, dado que os carros são para os novos fitados.”[4]

Actualmente,

a cartola de fantasia usada em Coimbra desde 1979 é do tipo portuense, conforme modelo fabricado em série desde a década de 1950 , de ilharga baixa e forrada de cetim, ao arrepio do tipo conimbricense, artesanal, de ilharga alta e forrado de papel de lustro”[5]


Queima das Fitas, Coimbra,
Bilhete Postal, 1951
Como podemos ver, após a introdução dos já citados adereços carnavalescos, o traje adapta-se para servir já não apenas de uniforme estudantil, mas também de fantasia, com o figurino a ganhar contornos de snobismo jocoso, com o ligeiro dobrar das carcelas da batina e cozendo uma fita estreita da cor da faculdade ao longo da calça, de maneira a que a batina passasse a imitar um fraque.

Já o uso de bengala parece ultrapassar o mero uso figurativo do cortejo, chegando a ser usada como  para mimosear os caloiros, no acto da sua emancipação (como a vara que se usa para conduzir os animais), como refere Sofia Rosário, citando Sousa Ribeiro, a propósito das festas de 27 de Maio e das tradicionais latadas (que marcavam o fim das aulas: “Festa das Latas”) que:

“Os caloiros aparelhados a uma lata convenientemente ligada por um arame, compareceram no Largo da Feira ao princípio da tarde[6]. Levados para a porta férrea, eles partem numa carreira vertiginosa pela rua larga até ao Largo Miguel Bombarda. Durante esse trajecto, os doutores, munidos de bengalas, batem nas latas [se, ao bater na lata do caloiro, esta se despregasse, era o portador punido pelo finalista].”[7].

Queima das Fitas do Porto,1958,
Acervo de João de Castelo Branco,
in blogue "Memoria recente e antiga".
Revista dos Antigos Alunos da UP, a propósito do
 Centenário da Universidade do Porto, 2011
(disponível AQUI)
O Laço

O Laço/papillon é um adereço do vestuário que traduz, na etiqueta, uma ideia de maior solenidade, usado em dias de gala ou eventos cerimoniosos, que podemos observar noas maestros durante um concerto, no uso de smoking, etc.,
O laço é, aliás, contemplado na indumentária académica (traje académico) como alternativa à própria gravata, usando-se de cor preta.
Durante o cortejo, embora também no baile de gala, é usual os finalistas trocarem a gravata preta do seu traje por um laço da cor da faculdade (da mesma cor que a cartola, bengala e roseta), não sendo incomum, forrar as lapelas com cetim da mesma cor.
O figurino que o conjunto cartola, bengala e laço pretende representar, como dissemos, é a da imagem projectada no futuro do alcançar de um determinado estatuto traduzido pela "toilette" cerimoniosa.
O laço usa-se quer nos rapazes quer nas raparigas. Caso não o usem, deve manter-se a gravata.
 
A Roseta
 
A roseta, usada pelos finalistas (rapazes e raparigas), e feita em seda/cetim, parece-nos ser a representação de uma medalha, uma condecoração " de brincadeira", criada, ao que tudo indica, na academia portuense, em substituição da inicial flor na botoeira.

Roseta por se inspirar, possivelmente, na "Imperial Ordem da Rosa" que é (era) uma ordem honorífica brasileira, criada em 1891 pelo imperador D. Pedro I, em desenho idealizado por Jean-Baptiste Debret, inspirado, segundo consta, nos motivos de rosas que ornavam o vestido da Rainha D. Amélia ao desembarcar no Rio de Janeiro.

A Medalha é (era) discernida tanto a militares como a civis, nacionais e/ou estrangeiros, por serviços prestados à nação.

Esta será a origem da roseta que, no imaginário académico, e dentro do espírito da Queima (como adereço carnavalesco), representará, jocosamente, como que uma "Medalha de Mérito Académico", distinguindo quem chegou ao fim do percurso estudantil e saiu vitorioso.
Colecção "Costumes Académicos", Coimbra,
Bilhete Postal, 1965

Imposição insígnias de Farmácia, no Porto, em 1966
(Arquivo da UP)


Curso de Medicina na Queima das Fitas do Porto em 1971
(Foto cedida ao Arquivo da UP por Mário Abílio Silva Bravo)



Muito rapidamente estes adereços festivos são adoptados nos liceus, onde também já existia a tradição de assinalar festivamente o fim do ano lectivo.




Liceu de Santarém, ca. 1957
Acervo de José Varzeano

Liceu de Santarém, ca. 1957
Acervo de José Varzeano

Mais recentemente, tal aparecerá também em outras geografias escolares, nomeadamente nas festividades dos pequenos finalistas dos infantários ou da primária, quer na adopção das cartolas em uso em Portugal, quer na versão anglo-saxónica que os muitos filmes americanos ajudaram a disseminar.
Só não se percebe como é que, pelos lados da Universidade do Minho, o tricórnio usado no quotidiano é carnavalizado nos finalistas que o usam às cores, como se fosse uma cartola. Claramente, alguém não percebeu patavina do sentido da cartola. E quando não se sabe, é usual a parvoíce meter-se a inventar.


Finalistas da Universidade de Oregon

Finlalistas de jardim de infância, com capas pelso ombros, cartola e bengala.

Questão contudo pertinente será saber até que ponto o “Cap Graduation” (capelo de formatura, de feição quadrangular), que deriva dos antigos barretes renascentistas que são bem nossos conhecidos na versão dos galeros/capelos eclesiásticos, não terá, de certo modo, influenciado a adopção da cartola como chapelaria iconográfica  do finalista, até por lhe ser bem anterior, como chapéu usado nas cerimónias académicas, fazendo parte da indumentária formal e protocolar do acto.
Fica a questão.






PRAXIS

O que a tradição contempla, secundum praxis é que:

- O finalista, rapaz ou rapariga, irá trajado, mas sem capa, usando cartola, bengala, laço/papillon e roseta da cor do curso, forrando, se também assim o desejar, as carcelas/lapelas do traje com cetim, também da cor do curso.
- O finalista pode, contudo, apresentar-se sem capa e batina, podendo na mesma usar cartola, bengala, laço e roseta.





[1] TORGAL, Reis – Boémia da Saudade, Coimbra, Edição do Autor, 2003
[2] Queima das Fitas, os 100 anos do Centenário da Sebenta, 1899-1999. Edição do Diário de Coimbra, 1999, p. 103.
[3] Frederic P. Marjay - Coimbra. A cidade universitária e a sua região. Lisboa: Bertrand Editora, 1959, p. 39
[4] LAMY, Alberto Sousa – A Academia de Coimbra, 1537-1990. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª Edição, 1990, p. 676.
[5] NUNES, António Manuel – Entidade(s) e moda, Percursos contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses. Bubok, 2013, p.122
[6]Recordemos que a emancipação dos caloiros ocorria após a tourada e outros mimos a que eram sujeitos no Largo da Feira.
[7] ROSÁRIO, Sofia – Coimbra, O Tempo da História. Coimbra, Dept.º gráfico da AAC, 1989. P.82

terça-feira, 25 de abril de 2017

Notas a trapos velhos na Praxe - pseudo Veteranos "ad aeternum"


Dux com 20 matrículas, personagens trintonas, quarentonas e sexagenários autênticos ainda à frente dos destinos dos organismos de Praxe ou com assento nos mesmos é algo parece corrente na actualidade (e de há vários anos a esta parte) que nos deveria, a todos, revoltar.
Não existe, na história da Praxe e dos organismos de praxe, qualquer registo de veteranos ou líderes com números tão avultados de matrículas como os que se registam desde os anos 90 em diante.
Se, num passado já distante (que ainda hoje parece surtir influência) se criticavam os alunos bons, chamando-lhes, na gíria estudantil de "ursos", tal não significava que fosse próprio e bem visto um aluno arrastar-se anos e anos sem fim para tirar um curso.
Por que razão andam esses senhores na Universidade a parasitar, literalmente, uma vivência que é exclusiva e própria de jovens estudantes a sério?
Não estamos aqui a condenar quem chumbou meia dúzia de anos, mas há limites. E há limites especialmente quando se trata de pessoas que já nem estudam de facto, porque trabalham, mas cujo o único acto oficial que operam na instituição de ensino é matricular-se.
A cultura estudantil tem uma idade própria para ser vivida, porque tudo tem um tempo.


RUGAS DE JUVENTUDE OU MIRRADOS PELA SECURA INTELECTUAL?

Nada mais ridículo que um velho (em praxe, um jovem com mais de 30 anos é certamente um "velho)  ter comportamentos infantis ou ainda andar a brincar aos jovens, quando isso implica, necessariamente, que esteja a tirar e ocupar o lugar e uma experiência de vida a quem é jovem, a quem é moço. Falo, naturalmente, dos estudantes de faz de conta.
Se for com o pretexto que os jovens não saberão governar-se e tratar bem das coisas que herdaram, estamos perante um paradoxo e uma incoerência, e uma enorme presunção, pois esses velhos que se arrastam na Praxe foram também jovens e vieram tomar o lugar dos que, entretanto, passaram a idade e terminaram a sua frequência normal.

Se for por "amor à camisola", apenas expressam que são pessoas claramente desequilibradas que, apesar da idade, ainda não cresceram nem maturaram. Não poucas vezes, contudo, a isso se alia igualmente uma outra falha psíquica que é a do ego e da necessidade de terem um qualquer cargo ou poleiro para se sentirem alguém. Para todos os efeitos, estamos a falar em falta de maturidade e de dois dedos de testa.

Veteranos "Ad Aeternum" não existem, nem são Praxe, são, isso sim, pessoa ad aeternum caloiros de espírito.

Pessoas que inventam matrículas e subterfúgios para se manterem matriculados só para "inglês ver", não sendo, de facto, estudantes (condição que designa aquele que estuda e frequenta as aulas), não passam de parasitas que vivem para tronos e enchem a Tradição de pestilenta gangrena.

A Praxe tem sofrido, e muito, com esta falta de renovação geracional e o fosso enorme que se cava entre figuras de cabelos brancos e jovens estudantes que podiam ser seus filhos e, até, em alguns casos, seus netos.
Também é facto que essa falta de renovação, promovida por pessoas que se eternizam nos organismos, quase sempre às custas de matrículas fantasma (muitos já trabalham, mas mantém a inscrição para poderem continuar "em jogo"; e outros nem isso) ou de invenções legislativas, feitas por encomenda (legislando em causa própria), na criação de conceitos veterânicos que dão assento e poder a antigos alunos numa cultura que só devia permitir alunos, de facto.
Nada menos prestigiante do que ter como referência, até na Praxe, supostos alunos (muitos deles de "faz de conta") que são um hino à incompetência e à burrice, incapazes de sequer concluir um curso, mesmo após 2 ou mais décadas a cursar a universidade. Vergonhoso (aliás, note-se que, em Braga, o líder da Praxe foi, há uns anos, retirado do protocolo académico, precisamente por o reitor julgar inapropriado que uma figura académica, como um Dux, "Papa", neste caso - e nem o nome sequer ajuda, fosse exemplo pela sua falta de estudo e por chumbar anos a fio).
E se ainda essas pessoas, pelo menos fossem competentes em assuntos de Praxe e Tradição Académica, mas não: mostram-se tão ineptos e tapados nestas matérias como incapazes de concluir uma qualquer licenciatura.
Em bom português, estamos perante nada menos que parasitas e inúteis.

Um trintão ou quarentão (e até os há com mais de 60) a fazer parte de um organismo de Praxe não apenas é contranatura, mas é passar um atestado de menoridade, desconfiança e incompetência a todas as gerações de estudantes que por eles passam, sem lhes dar possibilidade de exercerem plenamente a sua cidadania académica, vetados que ficam a meros cordeiros que ordeiramente servem para passar lustro ao ego dos "veteranos", serem como que um contingente obediente ao serviço do comodismo desses senis dinossáurios.
Mas mais: este actual estado de coisas tem sido igualmente acompanhado de uma verdadeira letargia, num "deixa andar" de pessoas incapazes de se renovar, também não renovam a Praxe, antes a mantendo refém dos seus caprichos, não apresentando nenhum progresso e intervenção para melhorar seja o que seja, desde logo os códigos pelos quais (des)governam e criam situações, no limite, anti-Praxe.
Não fazem nem deixam fazer, portanto.
Não defendem a Praxe, porque continuam a mantê-la com os mesmos erros em que eles próprios foram induzidos ou criaram.  
Vivem num regime autocrático e ditatorial e, na maioria das vezes, destilando incompetência total e absoluta ao permitirem quer a permanência de erros quer invenções absurdas, para contentarem o povo e garantir os seus poleiros e regalias.


MUDANÇA DE PARADIGMA



Se, tradicionalmente, e desde o código da UC de 1957, o Dux apenas cessa funções quando conclui o curso, tal se devia a algo muito simples: os Dux pouco tempo ficavam no exercício de funções, pois entretanto formavam-se.

Não se entende que, com os actuais exemplos de velhos sentados no poleiro quais galinhas chocas, numa época de democracia, ainda se permita este tipo de regime absoluto, em jeito de monarquia de segunda.

Há muito que os códigos, também nesse ponto, deveriam ter sido revistos, limitando os mandatos de um Dux e dos elementos de um organismo de Praxe, pois as pessoas devem estar ao serviço e não as funções ao serviço das suas conveniências.

Ninguém é insubstituível, nomeadamente na Praxe e ninguém faz falta se nem sequer permite que essa falta se faça sentir.

Já não é aceitável, no actual quadro social e evolucional, que continuem no cargo pessoas que mostram não apenas falta de senso e de decência, mas enorme falta de sentido de oportunidade. A Praxe sempre foi acompanhando as normas de civilidade de cada época. A actual configuração e enquadramento das funções de Dux e papel do organismo de praxe, acaba por contrastar dolosamente com tal.

"CADA QUAL NO SEU LUGAR, NUNCA MAL SE HÁ-DE ACHAR".


O papel dos antigos estudantes mais envolvidos no seu tempo, dos antigos líderes, dos que sentiram e viveram intensamente a academia, deveria ser aquele que também nós aqui nos prestamos fazer: aconselhar, fazer reparo, com base em algo mais do que mera experiência.
Se concedemos que, enquanto estudantes, os praxistas estão pouco vocacionados para estudarem e investigarem as suas tradições, sendo por isso suficientemente críticos e conhecedores para distinguirem as coisas, quão precioso seria para a Praxe e organismos de Praxe que os seus antigos protagonistas o fossem a municiar os mais jovens com o seu trabalho de procura de fundamentos e (re)descoberta das tradições genuínas.
Aliás, só assim, e com o devido distanciamento e isenção é que é possível fazer a autocrítica e análise, de modo a poder, com propriedade, dizer aos mais novos: "Não vão por aí que nós fomos e fomos mal".
 
Claro está que isso só é possível a que exige de si algum rigor e excelência intelectual e moral e tem idoneidade para tal.
Na verdade, a boa parte desses indivíduos diríamos que o melhor era mesmo ofuscarem-se e remeterem-se a um silêncio definitivo.
É preciso dar oportunidade aos jovens de também fazerem caminho, de errarem e aprenderem com os erros. Isso é o curso normal da vida. Ver eternizadas velhas figuras que continuam a errar como se nada tivessem aprendido é que releva de uma escatológica incoerência.


ACORDAI!

Mas enquanto os estudantes aceitarem esta situação, apenas podemos dizer que têm o que merecem, já que se acham bem representados e governados assim.
Quando os estudantes disserem "basta" e exigirem serem governados interpares,  ignorando estes organismos que mais parecem lares estalinistas de terceira idade, então sim será possível dar à Praxe a oportunidade de se renovar nela própria, de se (re)descobrir e de se libertar das correntes que a prendem aos conceitos, muitas vezes, distorcidos implementados ad hoc por esses senhores
Quando tal suceder, certamente que os estudantes não deixarão de procurar aviso e ajuda dos mais velhos para o devido conselho e esclarecimento, pois é esse o papel dos mais velhos: partilhar o seu conhecimento e experiência e não viver a vida dos mais jovens, como se eles não fossem capazes de o fazer.
Necessariamente, a mudança geracional implica sempre o risco do erro, pois a juventude é menos ponderada, contudo faz parte do processo de crescimento e maturação (errar, aprender com os erros...), sempre foi assim, e certamente que os erros próprios da juventude não poderão ser mais graves que os actuais erros resultantes da falta de senso que esses senhores mais velhos demonstram e operam.
Todos fomos jovens, saibamos agora ser adultos.

Notas ao Centenário da Sebenta, 1899


CENTENÁRIO DA SEBENTA

COIMBRA, 1899


Muito se tem falado do centenário da Sebenta e de supostamente ser a inspiração da Queima das Fitas, coisa que é falso.

 Para explicarmos sucintamente o que foi, com toda a reverência citamos ipsis verbis o que sobre isso disse, melhor que ninguém, António M. Nunes no seu blogue Virtual Memories, juntando-lhe diversas imagens e artigos resultantes da nossa investigação:

Centenário da Sebenta, Bilhete Postal Ilustrado, 1899

 
"O que foi: festa burlesca concebida e realizada por um grupo de estudantes das faculdades de Direito e Teologia da Universidade de Coimbra no mês de abril de 1899. O programa foi pensado como uma crítica parodial aos centenários cívicos que vinham a ser realizados em Lisboa e no Porto desde 1880. O tema das festividades foi a sebenta, folha litografada com os textos das lições teóricas dadas pelos lentes da Faculdade de Direito, intrumento de ensino então considerado aberração pedagógica, sinónimo de obscurantismo e dogmatismo.

 
 
Centenário da Sebenta - Revista Brasil Portugal, Anno I, n.º 8 de 16 de Maio de 1899, pp. 12-13
 
 
 
Data de realização: 28, 29 e 30 de abril de 1899

 
Comissão central: Alexandre de Albuquerque, Veridiano Gonçalves, Alberto Costa, João Eloy, D. Vicente da Câmara (Filho), Luís José da Mota (tesoureiro)
Presidente da Comissão central: Alexandre de Albuquerque
Papel desempenhado pelo Conselho de Veteranos: escreveu e publicou a Carta de Alforria dos caloiros [apenas e só no âmbito dos três dias de festas. A emancipação dos caloiros só ocorreu a 24.5.1899 por alturas da Festa das Latas e Queima das Fitas]
Souvenirs e material kitsh: cartaz promocional, pelo estudante Álvaro Viana de Lemos; selos miniatura; medalhinhas; bilhetes postais, pratos cerâmicos para o banquete; relíquias (mocho de Minerva); registos "devocionais" para os chapéus dos romeiros

 
 Diário Illustrado, 28.º Anno, N.º 9354, de 29 de Março de 1899, p.2

Programa oficial:

 
Programa do Sarau Comemorativo do Centenário da Sebenta, 29 de Abril de 1899
(Acervo de J.Pierre Silva, publicado sob autorização expressa para o N&M)

 
 
 
6.ª feira, 28 de abril de 1899

 manhã: abertura oficial com a proclamação da Carta Régia de D. Dinis (paródia ao bando e pregão usual nas festas portuguesas e espanholas)
17.00h: receção oficial aos grupos de romeiros chegados ao largo da Portagem acompanhados de grupos de gaiteiros (grupos de estudantes mascarados e travestidos)
20.00h: alvorada musical.

 
Sábado, 29 de abril de 1899

 
10.30h: cerimónia de mudança dos nomes das ruas da Alta
11.00h: visita às tascas da Alta, casas de prego (=penhores) e sebentarias (tipografias que imprimiam sebentas)
12.00h: Banquete aos delegados das "câmaras municipais" no largo da Feira
13.00h: inauguração do busto de Alois Senefelder, inventor da litografia (busto de sebo, colocado sobre um plinto de madeira no largo Marquês de Pombal)
16.00h: condecoração de Maria Marrafa, distribuidora de sebentas pelas portas, e do sebenteiro Manuel das Barbas
17.00h: "Revista naval" (parada fluvial no Mondego com 30 embarcações)
20.30h: Sarau de gala no teatro circo (Avenida)

 
Domingo, 30 de abril de 1899

 
10.00h: Sessão solene no teatro circo presidida pelo conde de Burnay (banqueiro muito caricaturado por Bordalo Pinheiro. Número anulado)
14.00h: Cortejo de viaturas alegóricas decoradas pelos principais caricaturistas da época, Manuel Bordalo Pinheiro, Celso Hermínio, Jorge Cid, Jorge Colaço. Integrou carros do Liceu de Coimbra e da Escola de Agricultura
16:00h: inaguração do monumento à Sebenta
20.00h: baile no restaurante José Guilherme, serenata pelo Orfeon, arraial com danças e iluminações

 
 
Centenário da Sebenta, 1899
(Acervo de J.Pierre Silva, publicado sob autorização expressa para o N&M)
 
 
O Centenário da Sebenta substituiu a Queima das Fitas? Não. O Centenário foi uma festa organizada antes do fim do ano escolar, em abril, e contou com a participação de estudantes de várias faculdades.

As festas de encerramento do ano escolar tinham lugar em finais de maio/inícios de junho, eram organizadas pelos quartanistas, tiveram lugar nesse mesmo ano e continuaram nos anos seguintes.

Que festejos académicos de fim do ano ocorreram em 1899?

Realizaram-se as tradicionais latadas, cortejo-charivari muito antigo, que ficou conhecido por Festa do Ponto, Festa das Latas, Arruaça das Latas. Foram impressos pelos menos dois cartazes em verso em finais de maio de 1899: "O programma das latadas", sem data, claramente da 3.ª semana de maio; o "Programma das latadas, extraordinário, pyramidal, estupendo, massante e solidificante programma das latadas decretado no dia 24 de maio de 1899 por ordem da mui nobre, ínclita e tradicional Dona Praxe", que custava 20 réis.

 
Colecção de postais editados para o Centenário da Sebenta, 1899

E realizaram-se, com enorme probabilidade, os números da Queima da Fitas dos quartanistas grelados de Direito e de Teologia, já então considerados tradicionais, o cortejo, a garraiada, a queima das fitas, o enterro das cinzas, a mijaria à Porta Férrea e a emancipação dos caloiros. Escrevo probabilidade porque seria necessário aprofundar o assunto nos jornais da época.


Capa de prospecto de quatro folhas impressas, contendo o programa
do Centenário da Sebenta . (Acervo de João Baeta)




O Centenário da Sebenta é a origem da Queima das Fitas? Não. A Queima das Fitas, enquanto festa dos quartanistas de Direito e de Teologia, já existia em 1899.

 
VIEIRA, Afonso Lopes – AUTO DA SEBENTA. Typ. França Amado, Coimbra, 1899.
 
 
 Ainda assim, alguns dos números do programa do Centenário da Sebenta vieram a ser incorporados na Queima das Fitas? Sim, mas apenas em parte, e não com a importância que se lhe tem querido atribuir. A estrutura da Queima das Fitas contemporânea, por contraposição às festas académicas arcaicas, é a mesma que se praticava nos programas oficiais da casa real por ocasião dos recebimentos de visitantes, esponsais, casamentos, aclamações e batizados."[1]


Publicamos mais alguns documentos que evocam, posteriormente, o Centenário da Sebenta:


Relembrando o Centenário da Sebenta, 1902


30º aniversário do  Centenário da Sebenta - Bilhete Postal, 1929


Revista Rua Larga, Edição comemorativa dos 60 anos do Centenário da Sebenta, de 30 de Abril de 1959
Medalha da Queima das Fitas de 1999, evocando os 100 anos passados sobre o Centenário da Sebenta.





[1] NUNES, António Manuel - [em linha] Blogue Virtual Memories em artigo de 20 de Agosto de 2012.