sábado, 25 de outubro de 2014

Praxe - semente de democracia, igualitarismo e meritocracia



Na maré de disparates que se têm dito no debate actual sobre a Praxe Académica, impõe-se uma reflexão mais ou menos séria sobre os princípios sobre os quais assenta a Praxe.

Importa fazer desde já uma ressalva. Na presente reflexão,  entraremos em linha de conta apenas com a noção de Praxe Académica tal como foi cristalizada pela vivência académica em Coimbra, tendo sido posteriormente transmitida ao Porto e, em certa medida, a Lisboa (até aos anos 1930), a partir da formação de institutos e escolas de ensino médio e superior nestas duas cidades.

É o que designaremos, para efeitos da presente reflexão, por "praxe de matriz coimbrã" ou simplesmente "Praxe".



No presente artigo, "Praxe" será sempre usada no sentido de "conjunto de normas que regulamentam as relações entre estudantes" - nunca "gozo ao caloiro" ou "sanção".

CRÍTICAS À PRAXE

A crítica à Praxe assenta essencialmente no seguinte:

  • a Praxe promove a desigualdade entre os estudantes;
  • a Praxe assenta numa hierarquia rígida que privilegia o número de matrículas (a burrice) em detrimento do mérito;
  • a Praxe promove a violência e a coacção.


Com muita pena, teremos de concordar que assim tem sido.

Para sermos isentos, temos de admitir que o discurso e a prática dos praxistas autorizam estas observações.


Lamentavelmente, a maioria dos críticos e um número demasiadamente grande de praxistas estão convencidos de que assim é, ignorando quer os contextos históricos e sociais, quer a evolução e os mecanismos de consolidação e cristalização de práticas quotidianas em tradições. Não só ignoram como desprezam olimpicamente qualquer reflexão sobre o passado.


Quando abordamos a Praxe, é importante fugir das definições de dicionários e pseudo-dicionários, e analisar não só o conteúdo dos códigos de Praxe, mas, e acima de tudo, os relatos de antigos estudantes (como o Palito Métrico, o In Illo Tempore ou O Livro do Doutor Assis).

É igualmente importante ter em conta a massa humana que nos tempos mais recuados frequentava a Universidade. É preciso ter ainda em conta o ordenamento jurídico nacional até pelo menos meados do século XIX.

Comecemos por este último ponto.

Até às grandes reformas jurídicas promovidas pelo Liberalismo vintista, com Mouzinho da Silveira à cabeça, ao longo do chamado Antigo Regime, havia leis diferenciadas, de acordo com o estatuto social (ou Estado) a que os cidadãos pertenciam. Eram os chamados "foros". Podemos afirmar, sem risco de estarmos muito errados, que havia uma lei para ricos e outra para pobres. Se nos nossos dias existe essa percepção, em tempos passados era uma realidade.

A população universitária era constituída essencialmente por aqueles que tivessem posses para pagar as propinas: filhos de nobres, filhos de mercadores ricos ou filhos de lavradores abastados, para além de membros das ordens religiosas e militares.

Encontravam-se, assim, reunidos num mesmo espaço jovens oriundos de diferentes Estados ou Ordens sociais: Clero, Nobreza e Povo, cada qual sujeito a (ou usufruindo de) foros especiais.

Na rígida hierarquia social vigente, os diferentes elementos teriam de tratar-se de acordo com fórmulas extremamente elaboradas - de "Vossa Senhoria" a "tu", de acordo com o "degrau social" em que se encontrassem.


Os regulamentos universitários encontraram formas de esbatimento destas diferenças. Uma delas foi a introdução de um uniforme académico, que acabou por ter uma dupla função: por um lado, distinguir os universitários face à população em geral, permitindo a identificação dos que usufruíam do Foro Académico; esta intenção teve um outro efeito: produzir uma igualdade a nível horizontal, entre os estudantes, uma vez que as diferenças de nascimento e condição não se faziam sentir por via da forma de vestir.


Para além dos regulamentos institucionais e paralelamente a estes, os estudantes desenvolveram eles mesmos formas de nivelamento entre si.


Ao chegar à universidade, o estudante era "Novato", não o filho do sr. Conde ou o sobrinho do pároco. No 2.º ano, era um pé-de-banco; no 3.º, um candeeiro - e por aí adiante.



Sujeitos à mesma lei comum, os estudantes desenvolveram e vivenciaram, muito antes da lei civil, o princípio democrático da isonomia: a igualdade perante a lei.



Assim, em épocas de profundas desigualdades, os estudantes cultivaram e mantiveram uma tradição democrática e - no contexto do Antigo Regime - revolucionária.

Na "micro-sociedade" académica, todos eram iguais perante essa lei. O estudante era sujeito, por assim dizer, a um "banho" de democracia e igualdade pelo menos durante o tempo que frequentava Coimbra. Assim se compreende que a Praxe só tenha validade dentro dos limites da cidade (tal como previsto no Código da Praxe de Coimbra e no Projecto de Código da Praxe Académica do Porto de 1983): havia a consciência de que as regras aplicáveis no meio universitário eram diferentes das que se aplicavam fora.

É, portanto, falso que, na sua essência e origem, a Praxe seja anti-democrática e promova desigualdades. Muito pelo contrário. As práticas e costumes que estão na base daquilo a que actualmente se dá o nome de Praxe foram precursores na aplicação do princípio da isonomia, que, criado na democracia ateniense e enunciado pelos teóricos da Revolução Francesa, haveria de demorar mais de um século a entrar na ordem jurídica portuguesa. Repare-se, por exemplo, na atitude provocatóriados antigos estudantes ao darem o nome de "república" - em tempos de monarquia - às suas casa comuns.

É um facto que a Praxe impõe uma hierarquia rígida entre os estudantes: os do 2.º ano têm mais direitos que os do 1.º; os do 3.º mais direitos do que os do 2.º - e por aí adiante. Além disso, quem tem mais matrículas tem um grau mais alto na hierarquia.

Os detractores da Praxe dizem que esta hierarquização promove os que menos estudam - os "mais burros", portanto.

Têm, de certa forma, razão - e mais uma vez foram os praxistas quem lhes deu razão.





No entanto, estão redondamente enganados - eles e quem lhes deu razão.

Nas últimas décadas, assistiu-se à valorização do número de matrículas como critério absoluto e que se sobrepõe a qualquer outro na "mobilidade social" académica.

Na verdade, os "direitos" em Praxe vão-se conquistando à medida que se progride no curso, não com a simples acumulação de matrículas. Este critério só serve de factor de desempate e critério de precedência entre estudantes que se encontram no mesmo ano curricular.

Segundo a Praxe, só se atinge o grau de Veterano quando se usou o grelo. Isto significa que se passou de metade do curso. Por mais matrículas que tenha, um aluno a quem não tenha sido imposto o grelo não pode ser veterano. E mesmo que um aluno grelado seja veterano, não está acima de um aluno fitado que o não seja - por exemplo, num tribunal de Praxe.

O número de matrículas não é, por si só, um "mérito": acima disto está o progresso escolar do aluno.

É falso, por isso, que a Praxe promova a incompetência e a burrice.  A Praxe é, na sua essência, meritocrática.

O abuso de certas "habilidades" (como a dos veteranos por mérito académico) perverteu a lógica do sistema. De facto - e contra a própria história e tradição - a prática actual acaba por promover a incompetência, a repressão e a subordinação acriterial.

Os costumes que se vieram a condensar em "Praxe Académica", têm, por isso, fundamento em valores de democraticidade, igualitarismo e meritocracia.


Lamentavelmente, aquilo a que actualmentese assiste em muitos casos constitui uma inversão dos valores basilares: uma hierarquia imposta e mantida em nome de uma ignorância e prepotência gratuitas, ao arrepio da própria tradição que tantas vezes - e até com boas intenções - se pretende defender.

Notas ao conceito de Praxista


Alunos grelados da UC, em 1950
Foto do acervo de Rui Pato
Há já algum tempo que me assaltava esta questão da noção de “praxista”, fruto de uma enorme confusão de conceitos e definições, de competências e direitos que iam baralhando de tal modo as coisas, a ponto de se confundir a estrada da Beira com a beira da estrada (ou rabo com as calças, como diz o povo).
E tal é assunto tanto mais pertinente que, a determinada altura, parecemos todos estar a falar idiomas diferentes ou estarmos literalmente numa aceso debate de uma tertúlia de cegos-surdos.
Naturalmente, este artigo vem no seguimento de outro (ver AQUI), dedicado à compreensão do conceito erróneo atribuído aos designados “anti-praxe” (que convirá ler, para não se perder o fio à meada).
O termo “praxista” é hoje frugal componente do menu da gíria estudantil, utilizado para identificar um conjunto, nem sempre bem objectivo e inequívoco, de estudantes possuidores de determinadas premissas, protagonistas de determinadas condutas ou detentores de determinado estatuto, conferidos pela praxe.
 
Decidimos analisar a significância sob 3 prismas - e, bviamente que entendemos que por praxista se concebe, à partida aquele que está na/em Praxe[1]:
 
a) Praxista - aquele que foi praxado.
b) Praxista - aquele que praxa.
c) Praxista - aquele que respeita e cumpre a Praxe (a lei).
 
·         Olhemos ao caso A:
 
Se nos tornamos praxistas pelo simples facto de termos sido praxados, perguntamos que graça espiritual foi concedida ao caloiro que, por ter sido praxado, se tornou praxista.
Dizemos tal, porque em muitos meios se afirma que não é praxista quem não foi praxado. Por isso, se foi praxado, consequentemente é praxista.
Mas quem foi praxado teve alguma epifania ou viveu algum momento pentecostal para ficar a saber de Praxe e, tal os apóstolos reunidos no cenáculo, sair a anunciar a praxe, a conseguir evangelizar praxisticamente os “pagãos”?
É que, em muitos meios, se diz que só quem foi praxado compreende, entende e está em condições de estar na praxe, de praxar, de trajar, de participar na Tradição......ser praxista,
Colocamos, obviamente, fortes reservas a tal entendimento. Aliás, é mais "conversa da treta produzida por praxistas da treta".
Por outro lado, que dizer daquele que, tendo sido praxado, opta por não praxar nenhum caloiro, ou mesmo não participar senão anonima e pontualmente nas celebrações, marcando apenas presença?
 
Certamente que quem assim fizer não será tido como “praxista” de facto, comparativamente com aqueles verdadeiramente “praxistas dos 7 costados”, mas uma espécie de “praxista não-praticante” (que é o mesmo que alguém afirmar-se futebolista, mas não jogar à bola, apenas ir assistir aos jogos).
É isso?
Mas ainda se levanta outra questão, nomeadamente no que concerne a caloiros:

se os caloiros são praxados, é porque “aderiram” à Praxe (e aqui incluímos, naturalmente, as “praxes”), logo têm de estar na/em Praxe, mesmo se a quase totalidade é praxado antes sequer de conhecer as regras do jogo (o código) para poder optar.
É exercício algo complexo o de conceber que alguém adere àquilo que, no fundo, desconhece e que os demais aceitem quem nem as regras sabe, de facto.


As praxes tornam-se, assim, uma espécie de 2 em 1: o acto de praxar não apenas cumpre a função de gozo, mas serve de curso milagroso que permite uma integração plena do aluno que nesse momento aprende tudo o que há para saber para estar na/em Praxe. Milagre, ouviríamos, então, clamar!
 
Pois, mas o facto é que aquilo que caloiros fazem, isso sim, é o papel de praxados, que é diferente daqueles que fazem o papel de praxadores. São ambos praxistas?
E quem opta por não ser praxador, é também praxista?
 
·         Atentemos, agora, para a opção B:
 
Se é praxista aquele que praxa, perguntamos, então, se ser praxista é ser capaz de berrar, dar ordens e mandar fazer X ou Y.
É que se for esse o caso, naturalmente que não é preciso ter sido praxado para conseguir fazer tudo isso, mas apenas vestir o papel de sargento e/ou ter ideias criativas para inventar gozos para o caloiro (e quanto a um vasto leque de “brincadeiras” que conhecemos como mais usuais nas praxes, nada como copiar o que os escuteiros, os jogos tradicionais ou os grupos de jovens em acampamentos e campos de férias não façam já com enorme mestria).

Em alguns casos, basta igualmente deixar livre expressão a exageros, à boçalidade ou mesmo à falta de civismo (aliás, parece tal ser assim a modos que "operações especiais" da praxe).
Tanto é assim que para aprender nem sempre é preciso propriamente experienciar, principalmente com a facilidade em sair-se de casa e assistir a “praxes” ou ficar comodamente a ver as publicações que surgem aos milhares na net.
Só que praxar caloiros é sazonal. A recepção e ritos de iniciação apenas ocorrem (ou devem ocorrer, segundo a Tradição), nos primeiros dias/semanas de aulas. E nos demais eventos e datas expressivas do calendário académico em que não há praxes com caloiros, como é ser-se praxista (quando não se está a praxar)?
 E como tratamos os muitos praxistas (que foram praxados e praxam) que cometem abusos ou exageros?
Designamo-los apenas por “maus praxistas”?
 
Se esses “maus praxistas” são “consentidos”, não haverá lugar a que, nessa designação possam igualmente entrar os que nunca foram praxados?
Qual o pior resultado: um praxista (que foi praxado) que comete abusos ou aquele estudante que nunca foi praxado?
Qual preferimos: o praxista que exagera e protagoniza erros ou aquele estudante que, embora não tenha sido praxado, decide praxar sem cometer exageros e sem desrespeitar ninguém?
Então ao prevaricador continuamos a tratar por praxista (mesmo que “mau”) e ao segundo designamos de “anti-praxe”?

E será assim tão lesivo que quem não tenha sido praxado pretenda participar da Tradição, conquanto o faça bem e segundo as regras? Prejudica alguém a não se  o ego daqueles que se acham eleitos praxísticos?

Não é objectivo de todos que todo e qualquer estudante traje e cumpra devidamente o que está estipulado para os actos académicos, ou o objectivo centra-se apenas em castigar e gozar e, depois, já o que cada um faz pouco importa?
Um estudante que nunca tenha sido praxado, e até nem praxe, que se comporte com qualidade e rigor na sua vida académica lesa quem?

Ser praxista adquire-se por merecimento ou por mérito? É que são coisas distintas. E como se processa tal avaliação e valoração (ocorre-nos a ridícula questão das avaliações praxísticas, que em algumas casas ridiculamente se fazem -ver AQUI).
Afonso Lopes Vieira em Caloiro, 1894
Merecimento é entendido nos meios praxísticos como aquele que sofreu nas praxes e, só por isso, merece poder praxar.
Mérito, contudo é aquilo que distingue a pessoa que é capaz de fazer bem as coisas, independentemente daquilo que passou nas praxes ou nem sequer passou.

O mérito está bem presente na Tradição, precisamente porque as insígnias pessoais (que muitos acham que são condecorações pelo praxismo de cada um) existem não em função de matrículas ou participação em praxes (nem de maior ou menor praxismo), mas do ano frequentado (e o percurso que o estudante vai fazendo nos estudos).
Pois é. Desculpem a decepção, mas as coisas são assim, secundum praxis.
Isto faz lembrar um pouco aquela questão os alunos indignados que se esfarfelaram o ano inteiro para conseguir bons resultados, não faltando a nenhuma aula, fazendo todos os trabalhos, tendo sebentas exemplares…..e depois vem um tipo que nunca pôs lá os pés, mas estudou para o exame e tira melhor nota. E toda a gente acha injusto, mesmo se ele demonstrou que foi mais capaz, sem precisar de passar pelo mesmo, porque há muitas estradas para ir dar a Roma.
 
·         Tratemos agora da opção C:
 
Praxista sendo aquele que observa e cumpre a Praxe, ou seja a lei académica; lei académica essa que é a transposição  da Tradição (parte dela, convém sublinhar, pois nem toda a Tradição Académica está sob alçada da Praxe[2]) num “formato legislativo”.
Ora se a Praxe decorre daquilo que lhe dá legitimidade, ou seja a Tradição, desde logo dizer que a Praxe não determina, nem pode determinar.que deva haver um qualquer regime de precedência que não o do mérito escolar, ou seja, não determina que é preciso ter sido praxado para ser-se praxista.
 Então o que é ser-se Praxista, de facto?
 
Tomemos o seguinte exemplo: um aluno que nunca foi praxado, decide, no ano seguinte praxar.
Para o fazer apenas basta que respeite o que está consagrado: saber os limites impostos pela Praxe (lei académica) para que o acto de praxar seja regular.

Deverá saber que existem regras que determinam quando o pode fazer e em que moldes (quem pode mobilizar, o que não é de todo permitido fazer,  por exemplo); saber que existem protecções; saber que deve estar trajado secundum praxis e, naturalmente, obedecer a essas determinações (sem esquecer o respeito pela integridade do indivíduo, usar de linguagem apropriada, ter uma conduta digna, etc.).

Do mesmo modo que um caloiro deve, antes de ser praxado, conhecer as regras do jogo, conhecer a lei académica, a Tradição.

Quase estaríamos tentados em dizer que isso se resume a conhecer o código (muitas academias não o fornecem ou permitem acesso aos caloiros antecipadamente), contudo, olhando ao conteúdo de muitos códigos, o preferível é dizermos que devem, antes de mais, assegurar a preservação dos seus direitos civis (que um código decente não legisla contra os direitos civis).
 Assim, praxista é aquele que, mesmo não tendo sido praxado, observa e espeita a lei quando pretende participar da Tradição Académica.
- Praxista é aquele que, mesmo não tendo sido praxado, veste correctamente o traje; é aquele que segue o que está determinado, por exemplo, quanto à forma de usar insígnias; é aquele que faz silêncio na Serenata Monumental, usando o seu traje conforme a ocasião exige; é aquele que sabe que numa igreja ou acto solene usa a capa descaída pelos ombros; é aquele que conhece e respeita a hierarquia, quando aceita essa forma de enquadramento……………
 - Praxista, de facto, meus caros leitores, é o exercício da cidadania académica no que toca a um conjunto de regras que norteiam a etiqueta, o protocolo e as regras sociais convencionadas para o conjunto estrito de actos e manifestações que pertencem à Tradição Académica.
- Praxista é aquele que respeita a Tradição sempre que nela participa e enquadra, porque aquele que praxa é “praxador” e quem é alvo de praxes é “praxado”, mas ambos são praxistas.
 
Do mesmo modo, somos cidadãos de um país porque nele nascemos (ou pedimos naturalização após X anos de vivermos nele) e não porque fomos sujeitos a uma qualquer recruta ou curso de cidadania (e não é mais cidadão quem foi á tropa do que quem não foi, só para deixar este exemplo).
Temos o direito a votar quando atingimos uma determinada idade, e não em razão de termos tirado um curso de ciências políticas (ou mesmo pelo simples facto de sabermos ler e escrever – embora no passado, o sufrágio fosse discriminatório nesse sentido).
 
Podemos candidatar-nos para cargos políticos em razão de termos determinada idade (além de outros atributos e qualidades pessoais), e não exclusivamente por termos militado numa “Jota” qualquer (aliás o problema da praxe é até similar ao que temos na política: somos governados por pessoas oriundas de aparelhos partidário, maioritariamente incompetentes).
 
São algumas comparações algo rudimentares, bem sei, mas servem apenas de leitmotiv ao processo que urge de reflectir e fazer uma analepse às fontes da genuina Tradição e ao necessário bom-senso que deveria presidir a estas questões praxísticas.
Existirá, igualmente, um outro empréstimo ao significado: o de ser a favor da Praxe.
Refutamos tal porque nos parece que apenas promove mais confusão, tendo em conta que uma coisa é ser a favor da Praxe (como expressão do usos e costumes codificados) e outra é ser a favor das praxes (gozo ao caloiro).
Pensarão alguns incautos que se trata da mesma coisa, mais nada mais falso, pois é plausível ser a favor da Tradição Académica (nomeadamente aquela que está na esfera da Praxe) e ser-se contra as praxes (que são apenas uma parte - não essencial - dos usos e costumes estudantis).

Aliás, se há algo que nos parece claro é que ser anti-praxeS não equivale a ser contra a Praxe ou contra a Tradição Académica, pelo que praxista não é propriamente antónimo de "anti-praxe".
Uma nota mais:pode qualquer um ser praxista sendo anti-praxeS[3], ou seja, não concordando com quaisquer actos que impliquem gozo com caloiros, tal como se pode ser adepto de um clube, sem que isso implique concordar em ser-se contra outro clube, indo para os estádios insultar os adversários.
 

[1] Partimos sempre da ideia de que todos eles estão na/em Praxe (seja qual for, depois, o entendimento que o “estar em/na” possa ter – ver AQUI).
[2] E tão pouco Tradição Académica e Praxe significam, de facto, o mesmo. O exemplo das tunas estudantis (que são uma expressão de tradição académica) é disso cabal prova, pois elas não são Praxe, tal como o não são os grupos de fado, o próprio fado, os coros académicos, etc.
[3] Como já o referimos neste blogue, no artigo dedicado aos “anti-praxe”, ser anti-praxe não tem sido, por parte dos próprios caloiros, assumido como ser contra a Tradição, mas apenas contra o ser-se praxado ou contra as praxes (gozo ao caloiro), apesar dos organismos de Praxe imporem outro entendimento.

Notas na Defesa da Praxe.


Novo ano lectivo a começar e o regresso às aulas do ensino superior é, naturalmente, marcado pela recepção aos novos alunos do ensino superior, vulgo caloiros.
Hoje, mais que nunca, as praxes estão envoltas sob um manto de suspeição e de rejeição social alargado, em virtude do cíclico número de incidentes ligados ao gozo do caloiro e - há que o dizer - das tristes figuras que nos entram olhos adentro quer presencialmente quer na sua divulgação no youtube, por exemplo.
O caso do Meco foi como que a gota de água e pretexto que levantou uma onda de indignação nacional contra as praxes.
O discurso é extremado de parte a parte, quer dos que são contra essas práticas (onde se distinguem os que, como eu, são antes contra os abusos e idiotices, e aqueles que simplesmente são contra tudo) e os que são a favor.
 O pior dos discursos continua, contudo, do lado dos praxistas, até porque a isso somam uma prática nem sempre condizente com o que apregoam.
E como falo para praxistas, vamos então analisar e pegar de frente a coisa, no seguimento de um outro artigo onde já tinha abordado o assunto (na época, sobre o caso do Meco – ver AQUI).
 
 
 
NEGAÇÃO, DESCULPABILIZAÇÃO E RELATIVIZAÇÃO
 
 
O discurso costumeiro, e corriqueiro (mais que batido), é que nem todos os abusos são Praxe.
Lamentavelmente, os abusos são praxes, ou seja são cometidos nesse âmbito e ao abrigo da Praxe. Mesmo quando saem da esfera do permitido ou do que seria natural nas actividades de recepção ao caloiro, são sempre cometidos como sendo praxe, protagonizados por praxistas no exercício da sua autoridade praxística.
Não ponhamos panos quentes onde o que é preciso é assumir as coisas – porque só assim se pode fazer algo para inverter o estado de coisas e mudar mentalidades.
Outra queixa que faz parte do discurso dos praxistas, em jeito de vitimização pueril, é que os meios de comunicação social só mostram os casos maus e os maus exemplos.
Acusam-se os jornalistas de serem parciais e fica-se indignado, qual madona ofendida. E fica-se revoltado, quando até em novelas as praxes são caricaturadas.
Pena que essa revolta e indignação não seja para com o que motiva tais caricaturas, sensacionalismos e, por vezes, parciais exageros. Pena que a ofensa sentida não seja para com quem protagoniza os exemplos de más práticas que depois são capa de jornais e telejornais: os praxistas.
 
Meus caros, os jornalistas e demais meios de difusão informativa noticiam precisamente aquilo que lhe é oferecido pelos praxistas.
Não tenho conhecimento de ser capa de jornal um incidente nas praxes inventado por um jornalista ou canal de televisão. Por isso não venham com o argumento do código deontológico, quando não existe o mínimo de deontologia nas praxes.
O que eles, jornalistas, trazem a lume é o que de facto ocorre.
Mas são excepções, dirão muitos.
Se o são, de tantas que são essas excepções que não podemos falar em casos isolados, até porque muito do que ocorre até nem chega a ser notícia (mas que acontece, infelizmente – e sabe-se em surdina). E não fosse a lógica da carneirada, e muitos cobardes silêncios, e teríamos um cenário bem mais real e assustador daquilo que ocorre nas praxes.

Por isso, vir-se depois clamar "mas aquilo não é Praxe" de nada vale. Pode não o ser, mas é feito em seu nome (e, para muitos, "aquilo" é Praxe, a praxe que conhecem e em que depositam a sua fé vivencial, a praxe que praticam e em que acreditam).
Dizer que este ou aquele abuso não é Praxe, como forma de resolver as coisas, não resolve coisa nenhuma, soando antes a um "isso não é connosco" (quando é). Não basta dizer "não é Praxe", continuando a conviver com isso como se fosse algo que se passa na Nova Zelândia e não nos afecta a todos (ou quando se passa ao nosso lado).
 
 
As pessoas esquecem-se que um mau exemplo tem mais impacto que 10 boas práticas e actividades.
E, inexplicavelmente, ao invés de começarem por atacar o mal pela raíz, preferem fazer bandeira do que fazem bem, deixando que os maus exemplos continuem a minar e a ser cabeça de cartaz.
Ao invés de atacarem e resolverem os casos maus, preferem manifestarem-se a dizerem que a Praxe é fixe, muitas vezes com uma argumentação que ainda piora a imagem do estudante e da Praxe.
Como pode ser fixe, quando os próprios praxistas ignoram ou menorizam os abusos, tratando-os, a todos, como excepções e casos isolados?

 
 
CÓDIGOS - DE REPOSITÓRIOS
A SUPOSITÓRIOS DA PRAXE.
 

Que credibilidade pode existir na Praxe, quando os códigos de praxe, de norte a sul do país (e ilhas) preconizam hediondas determinações, proibições e castigos?

Que opinião se pode esperar ao ler um código de praxe (que é um documento público, publicado para um vasto conjunto de alunos) que literalmente determina obrigatoriedades sob pena se sanção, que proíbe caloiros de trajar ou, até, pasme-se prevê proibir (ou mesmo queimar) o traje a algum aluno em “infracção”?
 
 
Que esperar, quando um código não prevê sequer protecções para os caloiros ou tacitamente os trata mal no próprio documento ou, ainda, regulamentando práticas que, objectivamente, atentam à dignidade da pessoa, à sua liberdade e integridade?
 
 
Como querem que se diga bem da Praxe, quando os caloiros são obrigados a serem praxados, sob pena de lhes ser vedado o acesso às demais actividades académicas (algo que de Praxe e Tradição nada tem)?
 
 
E que dizer, quando temos códigos que promovem o crime, como quando afirmam, preto no branco, por exemplo, que a colher de café (que alguns pateticamente metem na gravata – coisa que de Praxe e Tradição nada tem) tem de ser roubada?

E já para não falar dos atropelos à Tradição e das invenções sobre definição de Praxe, sobre origem e porquê do traje, "anti-praxe",  insígnias, pasta e fitas de finalista, emblemas e pins, grito académico, trupes, lavar a capa, nºs ímpares, entre muitas outras invenções (encontram, neste blogue, várias análises a códigos - a última é, até, em artigo anterior a este).

Não, meus caros, enquanto as boas práticas não passarem por, precisamente, eliminar as más; enquanto o cerne da actividade dos organismos não for limpar os respectivos códigos de todas as idiotices e invenções que possuem, nada se endireitará.
E acreditem: é dos códigos que derivam parte dos problemas (códigos esses que são imaginados/revistos por pessoas, usualmente, incompetentes na matéria).
 
 
 
PRAXIS SEM PRAXE


 
Enquanto continuar a haver praxes que metem o uso desbragado do insulto e do palavrão (recordemos os patéticos despiques entre cursos, com os caloiros a servirem de “soldados” a mando dos doutores), jogos declaradamente de cariz sexual, humilhações sem nexo, embriaguez (a começar pela exposição pública de alunos trajados a tristes figuras ligadas a álcool, como o rally das tascas – que nada tem de Praxe, aliás) ou comportamentos pouco dignos, continuarão a haver filmes (como o Praxis) e reportagens que porão a nu essa realidade (que existe e em quantidade), por culpa exclusiva de quem não sabe ser nem estar.

Depois, ainda, a questão dos "Kits de caloiro", vendidos como que obrigatórios/essenciais, para participação nas actividades, e cujo o lucro chega a ser 4 vezes maior, por kit, do que aquilo que de facto custou. Uma forma ilegal de fazer dinheiro (verdadeiro mercado negro) e a roçar a extorsão.
 
Tapar o sol com a peneira, clamar que a Praxe é fantástica e ignorar o que de mal é feito, tenderá antes a agudizar o problema e a contribuir para uma imagem das Tradições e da Praxe cada vez mais pobre e contrária ao que devia ser.
 
Enquanto a aposta não for na informação e formação (faltam debates, palestras, colóquios, tertúlias, com gente que perceba do assunto, para ajudar a esclarecer com base em factos), a começar pelos praxistas, enquanto se continuar a assobiar para o lado, como se as excepções sejam apenas isso, o caminho que as coisas tomarão não irá beneficiar seja quem for.
 
 
 
MUDANÇA DE PARADIGMA

 
Querem defender a Praxe e mostrar que ela é boa, útil e com sentido?
Então deixem os vosso burgos e as vossas “tra(d)ições” e procure-se saber e (re)aprender.

Haja coragem para sair do bairrismo bacôco do “as nossas tradições”, pare-se de fazer propaganda enganosa e de vestir o papel de honrosas excepções e comece-se por atacar o mal pela raíz, denunciando e resolvendo os abusos e más práticas.
 
Se a grau de educação é o que mede o nosso grau de civilização, então se pretendemos uma Praxe com altos padrões de qualidade, tem tudo de passar pelo saber, pelo conhecimento (a Praxe e Tradições também se estudam, sabiam?).
 
Um praxista bem informado, será um praxista melhor formado e capaz de saber distinguir o que é Tradição daquilo que é a invenção.

E porque a ignorância é presunçosa, torna-se a raíz de todos os males, daí a necessidade de trocar o agir pelo pensar, o fazer pelo saber fazer (e o porquê de tal).

Não são os de fora que perigam a Praxe, são os de dentro que são quem fornece a lenha com que tantos pretendem queimar a Praxe.
Não são os jornalistas e comentadores que prejudicam a Praxe, mas quem dá aos jornalistas e comentadores assunto para falar mal dela, quem lhe oferece, de mão beijada, milhares e milhares de maus exemplos com que se entreter.

 
PRAXE EM GROUPIES
 
Depois, obviamente, caem no ridículo todos quanto acenam cartazes, abanam capas e fazem meetings para dizer que a Praxe é fixe, quando a sua acção não passa disso, quando não passa de publicar fotos de praxes fixes nas redes sociais, criarem “groupies” no FB, para se escudarem mutuamente, ou vestirem o papel de madonas ofendidas porque a sociedade critica as praxes.
Assim não se vai lá, de tantos tiros dados no próprio pé, das figuras tristes a que se submetem alguns ao abrir a boca para os micros, em troco de 5 segundos de fama, acabando por ou não dizer coisa nenhuma ou só dizer disparate[1]s.
 
 
 
 NA DEFESA DA PRAXE
 
A defesa da Praxe faz-se apontando para dentro, porque é dentro dela que residem os problemas. E quando vejo códigos pejados de castigos e sanções previstos para caloiros, pergunto-me se a larga maioria não deveria tratar antes de os dedicar a quem abusa em nome da Praxe, procurando antes a caça ao mau praxista do que aos caloiros.
Aliás, parte do problema reside precisamente em códigos ditos “da Praxe” e que são, antes, “da prache”.

A defesa da Praxe é lutar contra o que nela impera de mau: ignorância, a falta de civismo e educação.
Não pode o doente acusar o diagnóstico, ou o médico que diagnosticou, da doença que padece.
Não pode o marido que bate na mulher dizer que a culpa do mau ambiente familiar é porque os vizinhos o denunciam e lhe vão bater à porta, sempre que arreia na mulher.
 
Rever códigos, estabelecer limites e fazer uma real supervisão dos praxistas durante as actividades do caloiro são as primeiras medidas a tomar em defesa da Praxe.

Promover a informação e formação (acima referimos os debates, palestras...), mais do que andar a praxar a torto e a direito, produz melhores resultados, porque uma boa prática resulta de indivíduos bem formados e informados.

Na defesa da Praxe e das Tradições, comecemos por recuperar o que de facto é Tradição e polvilhemos tudo isso do devido bom-senso, civismo e dignidade que nos deve merecer não apenas o outro, mas nós próprios (porque, trajados, somos uma representação genérica da Praxe e do estudante) e, em última instância, a própria cultura e património académicos.



[1] Bastaria recordar o programa Prós e Contras onde parece que o casting feito aos participantes consistiu em meter lá gente que sobre Praxe nada sabia senão dizer disparates, a começar pelos que lá estavam em defesa da Praxe. O  mesmo dizer dos entrevistados nas manifs pró-praxe.

Notas de indignação para com o gozo ao caso do Meco

Lamentável e a merecer indignação.
 
Estes jovens deveriam ser severamente punidos - eles e quem assistiu ímpávido e sereno e/ou incntivou a fazerem aquilo.
 
Mais uma forma de denegrir a imagem do estudante perante a opinião pública e quem preza os valores do civismo e educação.
´de uma falta de sensibilidade e respeito que naturalmente revolta qualquer um com 2 dedos de testa.
 
Não se trata de humor negro, como alguns alegarão, em patética defesa.
Negro é o âmago desta gente.
 
Passou-se, pelos vistos, na ESTG em Leiria. Mas parece que também em Coimbra se cometeram excessos com a situação do Meco também a ser alvo de chacota e gozo.

Vergonhoso.



A ver, igualmente, o seguinte vídeo:

http://www.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fportugalglorioso.blogspot.pt%2F2014%2F10%2Fluis-pedro-nunes-passa-se-e-arrasa.html&h=wAQG2i5Nc

Pondo de lado o excesso do comentador, a verdade é que a reacção generalizada vai na mesma linha: as pessoas estão fartas de casos de praxe, e não há maneira de se ver louz ao fundo do túnel; pelo menso enquanto os praxistas não perceberem que a culpa é apenas sua, pois são estes repetidos episódios praxísticos que alimentam toda esta celeuma.