Novo ano lectivo a começar e o regresso às aulas do ensino superior é, naturalmente, marcado pela recepção aos novos alunos do ensino superior, vulgo caloiros.
Hoje, mais que nunca, as praxes estão envoltas sob um manto de suspeição e de rejeição social alargado, em virtude do cíclico número de incidentes ligados ao gozo do caloiro e - há que o dizer - das tristes figuras que nos entram olhos adentro quer presencialmente quer na sua divulgação no youtube, por exemplo.
O caso do Meco foi como que a gota de água e pretexto que levantou uma onda de indignação nacional contra as praxes.
O discurso é extremado de parte a parte, quer dos que são contra essas práticas (onde se distinguem os que, como eu, são antes contra os abusos e idiotices, e aqueles que simplesmente são contra tudo) e os que são a favor.
E como falo para praxistas, vamos então analisar e pegar de frente a coisa, no seguimento de um outro artigo onde já tinha abordado o assunto (na época, sobre o caso do Meco – ver AQUI).
NEGAÇÃO, DESCULPABILIZAÇÃO E RELATIVIZAÇÃO
O discurso costumeiro, e corriqueiro (mais que batido), é que nem todos os abusos são Praxe.
Lamentavelmente, os abusos são praxes, ou seja são cometidos nesse âmbito e ao abrigo da Praxe. Mesmo quando saem da esfera do permitido ou do que seria natural nas actividades de recepção ao caloiro, são sempre cometidos como sendo praxe, protagonizados por praxistas no exercício da sua autoridade praxística.

Outra queixa que faz parte do discurso dos praxistas, em jeito de vitimização pueril, é que os meios de comunicação social só mostram os casos maus e os maus exemplos.
Acusam-se os jornalistas de serem parciais e fica-se indignado, qual madona ofendida. E fica-se revoltado, quando até em novelas as praxes são caricaturadas.
Pena que essa revolta e indignação não seja para com o que motiva tais caricaturas, sensacionalismos e, por vezes, parciais exageros. Pena que a ofensa sentida não seja para com quem protagoniza os exemplos de más práticas que depois são capa de jornais e telejornais: os praxistas.
Pena que essa revolta e indignação não seja para com o que motiva tais caricaturas, sensacionalismos e, por vezes, parciais exageros. Pena que a ofensa sentida não seja para com quem protagoniza os exemplos de más práticas que depois são capa de jornais e telejornais: os praxistas.
Não tenho conhecimento de ser capa de jornal um incidente nas praxes inventado por um jornalista ou canal de televisão. Por isso não venham com o argumento do código deontológico, quando não existe o mínimo de deontologia nas praxes.
O que eles, jornalistas, trazem a lume é o que de facto ocorre.
Mas são excepções, dirão muitos.
Se o são, de tantas que são essas excepções que não podemos falar em casos isolados, até porque muito do que ocorre até nem chega a ser notícia (mas que acontece, infelizmente – e sabe-se em surdina). E não fosse a lógica da carneirada, e muitos cobardes silêncios, e teríamos um cenário bem mais real e assustador daquilo que ocorre nas praxes.
Por isso, vir-se depois clamar "mas aquilo não é Praxe" de nada vale. Pode não o ser, mas é feito em seu nome (e, para muitos, "aquilo" é Praxe, a praxe que conhecem e em que depositam a sua fé vivencial, a praxe que praticam e em que acreditam).
Dizer que este ou aquele abuso não é Praxe, como forma de resolver as coisas, não resolve coisa nenhuma, soando antes a um "isso não é connosco" (quando é). Não basta dizer "não é Praxe", continuando a conviver com isso como se fosse algo que se passa na Nova Zelândia e não nos afecta a todos (ou quando se passa ao nosso lado).
Por isso, vir-se depois clamar "mas aquilo não é Praxe" de nada vale. Pode não o ser, mas é feito em seu nome (e, para muitos, "aquilo" é Praxe, a praxe que conhecem e em que depositam a sua fé vivencial, a praxe que praticam e em que acreditam).
Dizer que este ou aquele abuso não é Praxe, como forma de resolver as coisas, não resolve coisa nenhuma, soando antes a um "isso não é connosco" (quando é). Não basta dizer "não é Praxe", continuando a conviver com isso como se fosse algo que se passa na Nova Zelândia e não nos afecta a todos (ou quando se passa ao nosso lado).
As pessoas esquecem-se que um mau exemplo tem mais impacto que 10 boas práticas e actividades.
E, inexplicavelmente, ao invés de começarem por atacar o mal pela raíz, preferem fazer bandeira do que fazem bem, deixando que os maus exemplos continuem a minar e a ser cabeça de cartaz.
Ao invés de atacarem e resolverem os casos maus, preferem manifestarem-se a dizerem que a Praxe é fixe, muitas vezes com uma argumentação que ainda piora a imagem do estudante e da Praxe.
Como pode ser fixe, quando os próprios praxistas ignoram ou menorizam os abusos, tratando-os, a todos, como excepções e casos isolados?
CÓDIGOS - DE REPOSITÓRIOS
A SUPOSITÓRIOS DA PRAXE.
Que credibilidade pode existir na Praxe, quando os códigos de praxe, de norte a sul do país (e ilhas) preconizam hediondas determinações, proibições e castigos?

Que opinião se pode esperar ao ler um código de praxe (que é um documento público, publicado para um vasto conjunto de alunos) que literalmente determina obrigatoriedades sob pena se sanção, que proíbe caloiros de trajar ou, até, pasme-se prevê proibir (ou mesmo queimar) o traje a algum aluno em “infracção”?
Que esperar, quando um código não prevê sequer protecções para os caloiros ou tacitamente os trata mal no próprio documento ou, ainda, regulamentando práticas que, objectivamente, atentam à dignidade da pessoa, à sua liberdade e integridade?
Como querem que se diga bem da Praxe, quando os caloiros são obrigados a serem praxados, sob pena de lhes ser vedado o acesso às demais actividades académicas (algo que de Praxe e Tradição nada tem)?
E que dizer, quando temos códigos que promovem o crime, como quando afirmam, preto no branco, por exemplo, que a colher de café (que alguns pateticamente metem na gravata – coisa que de Praxe e Tradição nada tem) tem de ser roubada?
E já para não falar dos atropelos à Tradição e das invenções sobre definição de Praxe, sobre origem e porquê do traje, "anti-praxe", insígnias, pasta e fitas de finalista, emblemas e pins, grito académico, trupes, lavar a capa, nºs ímpares, entre muitas outras invenções (encontram, neste blogue, várias análises a códigos - a última é, até, em artigo anterior a este).
E já para não falar dos atropelos à Tradição e das invenções sobre definição de Praxe, sobre origem e porquê do traje, "anti-praxe", insígnias, pasta e fitas de finalista, emblemas e pins, grito académico, trupes, lavar a capa, nºs ímpares, entre muitas outras invenções (encontram, neste blogue, várias análises a códigos - a última é, até, em artigo anterior a este).
Não, meus caros, enquanto as boas práticas não passarem por, precisamente, eliminar as más; enquanto o cerne da actividade dos organismos não for limpar os respectivos códigos de todas as idiotices e invenções que possuem, nada se endireitará.
E acreditem: é dos códigos que derivam parte dos problemas (códigos esses que são imaginados/revistos por pessoas, usualmente, incompetentes na matéria).
PRAXIS SEM PRAXE
Enquanto continuar a haver praxes que metem o uso desbragado do insulto e do palavrão (recordemos os patéticos despiques entre cursos, com os caloiros a servirem de “soldados” a mando dos doutores), jogos declaradamente de cariz sexual, humilhações sem nexo, embriaguez (a começar pela exposição pública de alunos trajados a tristes figuras ligadas a álcool, como o rally das tascas – que nada tem de Praxe, aliás) ou comportamentos pouco dignos, continuarão a haver filmes (como o Praxis) e reportagens que porão a nu essa realidade (que existe e em quantidade), por culpa exclusiva de quem não sabe ser nem estar.
Depois, ainda, a questão dos "Kits de caloiro", vendidos como que obrigatórios/essenciais, para participação nas actividades, e cujo o lucro chega a ser 4 vezes maior, por kit, do que aquilo que de facto custou. Uma forma ilegal de fazer dinheiro (verdadeiro mercado negro) e a roçar a extorsão.
Depois, ainda, a questão dos "Kits de caloiro", vendidos como que obrigatórios/essenciais, para participação nas actividades, e cujo o lucro chega a ser 4 vezes maior, por kit, do que aquilo que de facto custou. Uma forma ilegal de fazer dinheiro (verdadeiro mercado negro) e a roçar a extorsão.

Querem defender a Praxe e mostrar que ela é boa, útil e com sentido?
Então deixem os vosso burgos e as vossas “tra(d)ições” e procure-se saber e (re)aprender.
Haja coragem para sair do bairrismo bacôco do “as nossas tradições”, pare-se de fazer propaganda enganosa e de vestir o papel de honrosas excepções e comece-se por atacar o mal pela raíz, denunciando e resolvendo os abusos e más práticas.
Se a grau de educação é o que mede o nosso grau de civilização, então se pretendemos uma Praxe com altos padrões de qualidade, tem tudo de passar pelo saber, pelo conhecimento (a Praxe e Tradições também se estudam, sabiam?).
E porque a ignorância é presunçosa, torna-se a raíz de todos os males, daí a necessidade de trocar o agir pelo pensar, o fazer pelo saber fazer (e o porquê de tal).
Não são os de fora que perigam a Praxe, são os de dentro que são quem fornece a lenha com que tantos pretendem queimar a Praxe.
Não são os jornalistas e comentadores que prejudicam a Praxe, mas quem dá aos jornalistas e comentadores assunto para falar mal dela, quem lhe oferece, de mão beijada, milhares e milhares de maus exemplos com que se entreter.
PRAXE EM GROUPIES
Depois, obviamente, caem no ridículo todos quanto acenam cartazes, abanam capas e fazem meetings para dizer que a Praxe é fixe, quando a sua acção não passa disso, quando não passa de publicar fotos de praxes fixes nas redes sociais, criarem “groupies” no FB, para se escudarem mutuamente, ou vestirem o papel de madonas ofendidas porque a sociedade critica as praxes.
Assim não se vai lá, de tantos tiros dados no próprio pé, das figuras tristes a que se submetem alguns ao abrir a boca para os micros, em troco de 5 segundos de fama, acabando por ou não dizer coisa nenhuma ou só dizer disparate[1]s.
A defesa da Praxe faz-se apontando para dentro, porque é dentro dela que residem os problemas. E quando vejo códigos pejados de castigos e sanções previstos para caloiros, pergunto-me se a larga maioria não deveria tratar antes de os dedicar a quem abusa em nome da Praxe, procurando antes a caça ao mau praxista do que aos caloiros.
Aliás, parte do problema reside precisamente em códigos ditos “da Praxe” e que são, antes, “da prache”.
A defesa da Praxe é lutar contra o que nela impera de mau: ignorância, a falta de civismo e educação.
Não pode o marido que bate na mulher dizer que a culpa do mau ambiente familiar é porque os vizinhos o denunciam e lhe vão bater à porta, sempre que arreia na mulher.
Promover a informação e formação (acima referimos os debates, palestras...), mais do que andar a praxar a torto e a direito, produz melhores resultados, porque uma boa prática resulta de indivíduos bem formados e informados.
Na defesa da Praxe e das Tradições, comecemos por recuperar o que de facto é Tradição e polvilhemos tudo isso do devido bom-senso, civismo e dignidade que nos deve merecer não apenas o outro, mas nós próprios (porque, trajados, somos uma representação genérica da Praxe e do estudante) e, em última instância, a própria cultura e património académicos.
[1] Bastaria recordar o programa Prós e Contras onde parece que o casting feito aos participantes consistiu em meter lá gente que sobre Praxe nada sabia senão dizer disparates, a começar pelos que lá estavam em defesa da Praxe. O mesmo dizer dos entrevistados nas manifs pró-praxe.
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