terça-feira, 25 de abril de 2017

Notas à "matemática praxeira" - estar bem trajado.


Para evitar, volta e meia, estar a responder o mesmo a vários mails que são endereçados ao N&M a perguntar o mesmo, vamos aqui abordar a questão dessa coisa de andarem, alguns, a gastar energias com a contagem de peças de roupa do traje, ou se está afastado X distância da capa, com o intuito de determinar se um estudante está trajado ou se está em Praxe.
 
Vamos lá ver.
 
"Existe muita picuinhice quanto a esse assunto (por parte de quem, ridiculamente, se foca obsessivamente em contar peças de roupa ou a andar com uma fita métrica a medir distâncias entre a capa e o portador).
O traje identifica o estudante como tal. Salvo se for num café onde os "garçons" vestem calça preta e camisa branca e andam de bandeja e bloco de notas, um estudante, mesmo depois de tirar várias peças, continua facilmente identificável como tal (até porque não anda de bandeja e bloco de notas a perguntar às pessoas o que vão tomar), até porque duvido que o resto do traje esteja em casa.
Além disso, se é fora do ambiente académico ou de um momento formal, nem sequer importa à Praxe, nem ninguém em nada a ver com isso.
Não é, pois, uma questão de quantas peças se tiraram.
Se é num ambiente académico, só alguém muito tapadinho irá confundir o estudante em causa com um pedreiro."[1]
 
Porque falamos do uniforme estudantil, peguemos noutro uniforme, cuja etiqueta e regras de uso, e o próprio contexto, são bem mais apertados.
Um militar que saiu da caserna, para ir beber um copo, ou apanhar o autocarro para ir a casa, não está obrigado a vestir com o mesmo rigor que quando está numa parada ou em funções onde se exige estar a rigor uniformizado. Desabotoa o botão, tira o casaco, se estiver a incomodar; tira a boina e mete-a nas alças do ombro ....... e não deixou de ser soldado, não deixou de andar na tropa e muito menos deixou de estar sob alçada do regulamento militar.
 
É importante pensar simples, sem "complicómetros",  sem excesso de zelo praxístico, especialmente quando isso não tem sustento algum na tradição académica.
Dizem-se muitas coisas, escrevem-se muitas parvoíces em códigos de praxe (que nem dignos para papel higiénico são) e, pior ainda: seguem-se e assumem-se normas inventadas por zarolhos e seguidas dogmaticamente por cegos e amputados intelectuais.
Importa saber distinguir dois âmbitos: quando é imperativo estar trajado a rigor e quando tal não é obrigação.
Não estar sem o casaco ou sem a capa não significa não estar trajado. Nem sequer significa estar mal trajado, quando não é exigido trajar a rigor.
 
"Destrajado é estar sem traje. Não se está destrajado porque se tirou a batina ou a capa (ou mesmo o colete que é facultativo) ou porque o botão da camisa foi desabotoado e laçada a gravata. Não se está é trajado a rigor."[2]
 
O aluno que deixou a sua capa em cima das costas da cadeira, que tirou a batina porque estava calor ...........continua trajado, continua identificável enquanto aluno, continua sob alçada da Praxe, sendo que se considera que não está em condições de participar convenientemente em determinado acto onde seja próprio trajar a rigor. O facto de não estar trajado a rigor, secundum praxis, também o impede de certas prerrogativas (poder exercer gozo ao caloiro, por exemplo).
Estar mal trajado é, portanto, algo diferente de estar sem traje (destrajado). Não vamos é entrar em minudências milimétricas que, acima de tudo, entram na área de um pueril ridículo.
 
"Está-se mal trajado, quando é suposto, num evento formal, estar trajado a rigor e não se está.
O moço que está na esplanada, em colete, não está mal trajado.
A moça que colocou a capa nas costas da cadeira e foi à casa de banho não está mal trajada.
O moço que dobrou as mangas da camisa, porque está um calor infernal, não está mal trajado.
São apenas exemplos do uso do traje em momento informal. Num evento académico formal, nenhuma dessas situações, naturalmente, deve ocorrer, quando o protocolo manda que se esteja trajado secundum praxis."[3]
 
Um médico cirurgião precisa, obrigatoriamente, de usar determinada indumentária para poder operar, caso contrário não entra na sala de operações, mas não deixa de ser médico cirurgião por causa disso, nem de estar dentro do âmbito médico.
Não passa pela cabeça de ninguém que, na hora de pausa, tenha de continuar de máscara para tomar um café, e muito menos de luvas e bata operatória para almoçar. E não é por almoçar sem tudo isso que deixou de ser cirurgião ou de fazer parte do corpo médico, de poder entrar no hospital ou sequer possa assistir alguém que tenha um mal estar.
 
"As descrições do traje académico - refiro-me à capa e batina - que li até hoje limitam-se a elencar as peças que dele fazem parte.
Nunca, em nenhuma, li que são para andar vestidas. Em bom rigor, nós é que depreendemos que sim.
 
Também nunca li que fossem para andar apertadas, pelo que, em bom rigor, posso andar de batina aberta, colete e camisa abertos, gravata enrolada ao pescoço, no pulso, à cintura, braguilha aberta ou até mesmo com as meias por fora dos sapatos ou com estes pendurados nas orelhas.
Mais uma vez, nós é que depreendemos que cada coisa deverá ser usada como normalmente devem ser usadas peças de roupa semelhantes.
Esta visão radical - que não defendo, de todo - leva-nos para já a uma primeira conclusão: o traje académico é constituído por peças de roupa. E é como tal que devem ser usadas.
Independentemente de qualquer outro considerando, são as normas gerais de vestuário que prevalecem - normas de bom-senso, etiqueta e "moral" social.
O que se pode fazer com umas, pode-se fazer com as outras.
Um fato é constituído por calças e casaco do mesmo tecido e com o mesmo padrão. Usa-se camisa de colarinhos e gravata (normalmente - e para simplificar).
Vou trabalhar. Tiro o casaco para me ser confortável. Chego ao local de trabalho, saio do carro, pego no casaco dobrando-o sobre o braço porque está calor. Como não costumo usar fato no trabalho, os meus colegas começam na tanga: Ó Eduardo, vais à madrinha? Então hoje vieste de fatinho e tudo?
Como? Então eu levo o casaco dobrado sobre o braço e as pessoas dizem que eu vou de fato? Por que dirão uma coisa dessas?...
O fato não é só fato quando está completamente vestido, pois não? O mesmo acontece com o traje.
 
Se estou no adro à espera de que o casamento comece e estou com o casaco seguro ao ombro por um dedo e atirado para as costas, ninguém repara. Entro na Igreja, visto o casaco e assisto à cerimónia de casaco abotoado quando me levanto e desabotoado quando me sento. É o que manda a etiqueta.
O mesmo se aplica ao traje. Nas aulas, numa sessão solene, num exame, num funeral, numa serenata, num cortejo... a solenidade pede-me o mesmo que a um fato normalóide. No café, em casa a estudar, a passear pela rua, a coisa é mais descontraída.
 
Não estamos bem trajados ou mal trajados em absoluto. Estamos bem ou mal trajados para cada situação específica.
 
Se bastasse ter todas as peças do traje vestidas para se estar bem trajado, então se eu fosse para a serenata de capa pelo ombro estaria bem trajado. Mas não: estaria mal trajado... para a serenata. Se fosse de capa traçada para um funeral, estaria mal trajado... para um funeral. O mesmo se fosse para uma aula ou falasse com um professor de capa pelos ombros sem dobras.
 
Ora, e como se vê, "a ocasião faz a trajação" como diz o velho ditado que acabei de inventar."[4]
 
Alguns aspectos a ter em conta, ligados, de certa forma, à noção de trajar secundum praxis.
 
 
TRAJE LIMPO, PINS, COLHERES......
 
Mal trajado estará, por exemplo, quem anda com dezenas de pins na lapela, desde logo pelo aspecto carnavalesco que o seu traje, assim, dá. E, neste caso, seja em contexto formal ou informal, está inadequadamente trajado.
Sobre o uso devido de pins, é ler AQUI.
 
Mal trajado estará, por exemplo, quem usa colher de café na gravata (ver AQUI) ou pendericalhos em madeira e afins (que as lojas de artigos académicos impuseram nas barbas da inércia e incompetência das academias). Nesse caso específico, está mal trajado seja em que ocasião for.
 
"Mal trajado", entre aspas, está quem se apresenta num evento formal com o seu traje sujo, mal cuidado, sem aprumo.
Ter o traje limpo é prerrogativa demasiado esquecida nos códigos, quando é das normas mais importantes ligadas historicamente ao traje académico (e a qualquer uniforme corporativo).
Quando ainda lemos, em tantos códigos, ou pessoas a dizer isso à boca cheia, que a capa não se lava, estamos quem precisa de limpeza intelectual (sobre isso, ler AQUI).
 
USO DA CAPA
 
Estar mal trajado pode passar, desde logo, pelo uso incorrecto da capa.
São dezenas e dezenas os códigos que temos por aí a dizer barbaridades, quanto ao uso da capa.
Como acima foi possível ler, quando citámos o Eduardo Coelho, usar a capa pelo ombro durante uma monumental Serenata é trajar mal, porque, nessa ocasião, ela deve usar-se traçada.
Traçar a capa num momento solene (funeral, por exemplo) é trajar mal.
Ou seja, existem formas apropriadas, no que ao uso da capa diz respeito, que, não sendo observadas, colocam o indivíduo no grupo de pessoas que não estão a trajar apropriadamente, não estão a seguir a etiqueta/protocolo estipulado para esta ou aquela ocasião.
Sobre o uso correcto da capa, cliquem AQUI.
 
 
DISTÂNCIA DA CAPA
 
Muito implicam com essa questão, sem se perceber sequer porquê. Chegam ao supremo disparate de legislar isso em códigos (os tais que, queimados, eram um favor que faziam).
Nada há na tradição académica que imponha que um aluno não pode estar afastado da sua capa mais que X distância. Repetimos: nada!
 
"Cada qual é livre de deixar a sua capa onde bem quiser e à distância que lhe der na gana. Não sendo em momentos em que é preciso trajar a rigor, ninguém tem nada a ver com isso.
Mas lá está: arrisca-se a que alguém lha leve (mesmo se devem ser pontuais os roubos de capa). Mas isso é problema de quem assim opta e que depois terá de comprar outra."[5]
 
Claro está que, num momento formal, ela é imprescindível, porque parte do uniforme, tal como a gravata ou os sapatos.

Muitos códigos impõe a distância mínima da capa, esquecendo que isso entra, por exemplo, em conflito com 2 momentos incontornáveis da Tradição Académica: o estudante finalista desfila trajado sem capa e pode participar do Baile de Gala, dançando sem capa. Cai, logo aí, por terra, essa coisa das distâncias.
Papismos é que não, quando, ainda por cima, nada há que sustente imposição de distâncias mínimas. Réguas, metros e fitas métricas não são, que se saiba, insígnias de Praxe. O único objecto que, quando muito, tem historicidade para medições é o palito (e não é para esta parvoíce sequer).
Quem legislou e inventou isso das distâncias mínimas devia ser rapado, deixando-lhe cabelo a distância mínima.
 
N.º DE PEÇAS E N.º ÍMPAR
 
Começa a enfadar essa obsessão pelos números ímpares.
Uma obsessão cuja estupidez tem o seu clímax naqueles que escrevem datas onde evitam o número par (tipo escreverem 2014 sob a forma ridícula de 2013+1). Deixem lá os números ímpares, porque isso de Praxe nada tem (ver AQUI).
Não creio ser necessário discorrer mais sobre essa coisa de mínimo ímpar de peças do traje.
 
 
COLETE E MANGAS DE CAMISA
 
Porque também relacionado, dizer brevemente o seguinte: o colete é uma peça de roupa facultativa. Nenhum estudante é obrigado a usá-lo.
 
As mangas da camisa são para estar desdobradas, em momentos formais. Anda por aí (no Porto[6], nomeadamente) a moda de andar sempre com as mangas da camisa dobradas numa interpretação equivocada e sem nexo de que não se podem ver brancos.
Trajar correctamente, num momento formal, implica ter a camisa abotoada nos punhos. E podem os punhos ver-se.
 
BOTÕES APERTADOS
 
De nada vale evocar normas de etiqueta que, segundo modas, vão dizendo que não se aperta o último botão do colete ou do casaco, ou que só se perta este ou aquele.
Dos botões do colete (o último nomeadamente), já vamos falar deles.
Em  momento formal, e porque o traje é um uniforme (e não um mero fato que se leva para uma reunião importante, casório ou quejandos), os botões existentes são para estar apertados.
Mas, neste caso específico, convém evitar ortodoxias. Uma batina totalmente apertada exige-se numa cerimónia fúnebre. Num outro momento, pode apenas exigir-se que a casaca esteja fechada, sem que isso signifique estar toda abotoada.
O que não pode suceder é impor, nomeadamente por razões sem nexo (em memória disto ou daquilo), que se deixa obrigatoriamente desabotoado este ou aquele botão.
 
 
ÓCULOS DE SOL e CHAPÉUS
 
Já nas décadas de 50 e 60 se viam estudantes trajados de óculos de sol. Nada há, na tradição académica, que o impeça.
O que a etiqueta e as boas maneiras, mandam é que se use de forma pertinente. Estamos na rua e está sol, nada que impeça o seu uso.
A escolha de um par que não destoe do uniforme académico parece-me escusado aqui sublinhar.
Estar mal trajado é, por exemplo, dentro de um edifício, andar com os óculos postos (e, em alguns casos, sobre a cabeça).
Falar com uma entidade, de óculos postos, também se considera pouco educado, mas isso já entra na etiqueta social genérica. E usar óculos de sol quando não há sol que o justifique é, acima de tudo, palermice e comportamento de quem não tem noção.
Não está sol nenhum e a pessoa usa por mania, não está a trajar secundum praxis.
 
O mesmo se aplica àqueles trajes de que faz parte um chapéu. Usar dentro de um edifício é inadequado e falta de educação (e, em Praxe, civismo e educação são, também, regras fundamentais). O propósito do chapéu é proteger a cabeça das intempéries ou do sol. E isso é válido tanto para o contexto académico como para outro qualquer.

 

 

CONCLUINDO

 
Não podemos entrar nesse enviesamento intelectual de andar a contar números de peças de roupa para determinar se alguém está, ou não, trajado.
Devemos, isso sim, saber determinar se, para cada ocasião, a pessoa está trajada conforme é suposto.
Um estudante sem esta ou aquela peça, enquanto for possível identificá-lo como tal (e aqui o contexto diz muito também) por aquilo que veste, está enquadrado e identificável como estudante.
Não é, portanto, uma questão de peças que faltam que colocam o estudante fora do âmbito da Praxe. O que a Praxe determina é que para a cosião X ou o evento Y é preciso trajar daquela forma definida. Se o estudante não está conforme, secundum praxis, em determinado momento formal (cuja etiqueta e protocolo definem como deve apresentar-se trajado) considera-se que não está a cumprir, impossibilitado de participar devida e condignamente.
E, em certos casos, e precisamente porque está sob alçada da Praxe, pode, em certos casos, incorrer em sanção de unhas, por exemplo.
Fora desses momentos formais, ande, pois, o estudante à vontade, com a gravata laça, o botão desapertado, a batina e capa nas costas da cadeira, as mangas arregaçada...........que ninguém tem nada a ver com isso, conquanto não seja motivo de dolo para a corporação académica.
 
Importa terminar, ainda assim, com o seguinte: esteja trajado a rigor ou em momento informal, o facto de usar traje académico obriga-o ao respeito e cuidado que deve ter para com o facto de aquele uniforme representar o foro académico. É a imagem do estudante que está sempre em causa, pelo que deve assistir ao uso do traje o devido civismo, brio e respeito pela sua circunstância, pela cultura de que faz parte (e trajado representa genericamente), para além da sua própria imagem como pessoa e cidadão.
U exercício sadio da cidadania académica passa por saber ser e estar, de modo a dignificar e valorizar, sempre, a cultura estudantil, a instituição em que se insere e o próprio património histórico que constitui o traje académico[7].

 



[1] J.Pierre Silva, in Tradições Académicas & Praxe (Facebook), 02 de Novembro de 2016.
[2] idem.
[3] idem.
[4] Eduardo Coelho, in Tradições Académicas & Praxe (Facebook), 02 de Novembro de 2016.
[5] J.Pierre Silva, in Tradições Académicas & Praxe (Facebook), 02 de Novembro de 2016.
[6] Pelos lados da FDUP, por exemplo.
[7]Especialmente o Traje Nacional, parte do conjunto patrimonial reconhecido pela UNESCO.


Notas de Vídeo sobre o que é Praxe (2016)





Uma entrevista originalmente publicada em 2 vídeos, no youtube, em que uma aluna entrevistada, uma jovem aluna da FADEUP, pretende explicar em que consiste e se traduz a praxe - e escrevemos "praxe" com letra minúscula, porque, pelas palavras da entrevistada, a mesma não parece saber muito bem o que é Praxe e o que são praxes (gozo ao caloiro), e confunde-se completamente com o termo "praxar".
 

 
Visto o vídeo, retemos o seguinte:
 
 
"(- O que é a Praxe?)
Essa é a mítica pergunta que toda a gente faz e para a qual não há uma resposta que seja uma ciência exacta."
 
  • Não pode ser ciência exacta, para quem não estudou nada do assunto e faz do "ouvi dizer" a sua bibliografia. A definição de Praxe existe. O entendimento disso depende do grau de empenhamento colocado em perceber o assunto.
 
"A praxe é uma forma de estarmos na vida, por exemplo."
 
  • Infelizmente, há muita gente mal resolvida que faz da praxe uma "estranha forma de vida".
 
"Quase toda a gente define a praxe como uma forma de nos integrarmos na faculdade. Não é. Felizmente é uma consequência de algo muito maior, muito mais acima do que a integração."
 
  • Que algo muito maior? Que algo mais acima? A pobre entrevistadora parece não perceber (apesar de assentir que sim), e nós também não.
 
"A praxe é um conjunto de regras em que as pessoas que estão na praxe aceitam estar sob essas regras; aceitam viver, aceitam defender a praxe segundo aquelas regras."
 
  • Até começa bem, mas depois atira para o pé com o "defender a praxe". Lá está: não basta ouvir dizer umas coisas, porque no meio se perdem dados importantes.
        Muita confusão. Muita.
 
"Isso que vocês (no Brasil) chamam o trote, parece-me a mim aquilo que nós chamamos de gozo ao caloiro, que é diferente do praxar em si, é diferente da praxe. O gozo ao caloiro está inserido na praxe. Fazemo-lo, mas não é a praxe. Não estamos a praxar propriamente, quando fazemos o gozo ao caloiro."
 
  • A partir daqui perdeu-se o fio à meada. É a confusão total. Fácil perceber o quanto a formação importa. Para esta moça, há gozo ao caloiro (que não é praxe), há praxar e há praxe. Assustador!
 
"Quando nós traçamos a capa, estamos a praxar."
 
  • Já vivi muitos anos. Esta nunca tinha ouvido! Estou profundamente estupefacto!

 
"A praxe em si (...) é um conjunto de regras, de tradições, de história em que toda a gente aceita defender aquilo, reger-se sob aquilo."

 

  • Mais uma definição, mais uma argolada, mais confusão.


 

"Quando eu estou em praxe e quero ter a certeza de que a mensagem passa, eu digo:
- vais olhar para mim."

 
  • Ou seja, a moça, que até tem uma vaga ideia de que mandar caloiros olhar para o chão não tem fundamento, fica-se por dizer que, quando quer que um caloiro apanhe o que ela está a dizer, nesse momento, manda-o olhar para ela. E quando não é o caso, consente que ele fique a olhar para o chão? Não o diz.
  • No que concerne à reflexão sobre não haver um código de praxe, transversal em termos nacionais, não se sai muito mal, mas a argumentação é mal explorada.
 
 
     
"Para mim, pessoalmente, costumo dizer que a praxe é bom-senso, respeito e hierarquia."

 
  • O problema está logo no início: a Praxe não assenta numa visão ou interpretação pessoal. A definição de Praxe jamais pode assentar em "para mim a Praxe é".
 
"Antes de ser caloiro" há mais nomes (designações) que também existem"
 
  • Não sabia que na hierarquia da Praxe havia nomes de hierarquia atribuídos a quem ainda não é sequer aluno universitário. Salvo em Coimbra, no que se refere aos alunos de liceu (e que desapareceu da prática corrente desde 1970), nada há.
 
  • Quanto às denominações, em função de haver cursos com mais ou menos anos, é uma confusão de incoerências.
 
"O veterano é aquele que já terminou o curso, que já não veste o traje, simplesmente usa a capa"
 
  • Uma verdadeira aberração. Veterano, na Praxe, é quem tem mais matrículas do que as necessárias para terminar o curso.  É um estudante!!!! Quem já é formado não está na Praxe nem tem hierarquia de veterano. Veterano não usa só capa. Isso só o antigo estudante!!!!
  • No que toca aos números ímpares, a aluna da FADEUP tem uma posição correcta face aos factos, mas falha num ponto essencial: não sabe explicar por que razão acha que é mito. Está à espera que alguém lhe explique o fundamento de evitar números pares (e pode esperar sentada, pois não existem), quando ali se exigia que explicasse precisamente a falácia de tal.
 


 


CONCLUSÃO

 
Mais um vídeo que induz em erro, que passa mensagens e conceitos errados, apesar da entrevistada ser bem intencionada e se perceber que lhe chegou aos ouvidos algumas coisas correctas que aqui temos explicado ao longo de anos.


Mas lá está: não basta ouvir.

E quando é suposto (como nesta caso, numa entrevista - publicada urbi et orbi) explicarmos, é de bom tom estar preparado, estudar a lição, documentarmo-nos, evitando especialmente o "para mim" ou o "acho que".

 

Notas às Origens das Insígnias Pessoais e Pasta da Praxe


Insígnias Pessoais
(Grelo, Fitas, Semente e Nabiça)
e Pasta(s)




Porque muitas vezes solicitado, para esclarecer as origens e porquês das insígnias pessoais, e porque nenhum artigo se tinha aqui escrito exclusivamente sobre o assunto, aqui deixamos as explicações.
As insígnias pessoais são original e tradicionalmente duas: grelo e fitas, directa e intimamente ligadas aos festejos da Queima das Fitas[1], sendo o seu ponto mais alto (e que dão, aliás, o nome a esses festejos - primitivamente designados de festa do ponto ou de final de ano/curso).
 
Apesar de se designar por Queima das Fitas, o que na verdade se queima não são as fitas de finalista ,mas a fitinha comprida, conhecida por "grelo", que, após ser retirado da pasta e queimado, dá lugar ao desfraldar das fitas largas por parte dos futuros finalistas (novos fitados).
 
 
Nota: As insígnias pessoais nada têm a ver com o n.º de matrículas do aluno. As insígnias assinalam apenas o percurso escolar do estudante, indicando o ano em que se encontra, apenas e só.
 
 
 
O GRELO - A(s) Fita(s) que se queima(m)
 
É, portanto, o "Grelo" que está na origem de tudo. Um "grelo" que era originalmente uma grande fita (ou mais do que uma, porventura) que servia para atar os livros escolares.
 
Os estudantes tanto atavam os livros com vários atadilhos como o faziam com uma única fita (como quem ata um embrulho).

Os alunos dos mais diversos anos,  traziam os seus livros, sebentas e folhas atados com uma fita comprida que era enrolada em forma de cruz em volta dos cadernos e cujas pontas rematavam em laço.

 
O "Grelo" que hoje conhecemos é uma fita de 3,5cm de largura e 200 cm de comprimento, circundando a pasta e terminando em laço.

Não sabemos, contudo, por que razão se definiu um determinado comprimento para o grelo, mas ter-se-á chegado a uma convenção que intuísse qual seria o tamanho mais aproximado para atar os livro e ainda sobrar fita para servir de pega (e pôr às costas ou servir de alça).

Nota: É costume indicar-se, pela Praxe, que o laço pode ter no máximo 3 nós, não se podendo desfazer ao ser puxado. Na verdade, nada há anterior ao código da UC de 1957 que o sustente. Os alunos faziam os laços a gosto e como fosse mais prático.
Só efectivamente a partir da década de 1980 é que esse normativo (artigos 259 e 260) do n.º de nós, e de não se poder desfazer quando puxado, passa a ser observado. Nos anos 60, mesmo após publicação do Código da Praxe da UC, ninguém ligava patavina a esse documento (para a larga maioria era até desconhecido). Com efeito, estes, e outros, normativos, não faziam parte do usos e costumes tradicionais (como sucedeu com a cor das meias do traje feminino - ver AQUI).

 
 
"Comecemos pelas Fitas que, primitivamente, num incerto ontem - sabe-se lá se ainda medievalesco - , não mais seriam que os atilhos com que os estudantes, sem qualquer limitação de ano (pelo menos não há, ou não conheço, nenhum documento que marque qualquer praxe nesse sentido) atavam os livros de uso escolar. (...) Quando os estudos eram dados por terminados, último ano da universidade, as fitas deixavam de ter préstimo e num simbólico adeus, por se acabar, as Fitas passaram a ser queimadas, como poderiam ter sido pontapeadas, lançadas ao Mondego ou de qualquer outra forma largadas (como também se dizia no meu tempo: - largou as Fitas = acabou o curso). Julgo que a incineração fiteira pode ter algo a ver com a mitologia da Fénix, simbolizando um futuro renascer do saber, que os livros preservados continham." [2]



 
O 3.º ano de Direito de 1890-91.
António Nunes, A Alma Mater Conimbrigensis na Fotografia Antiga, Coimbra
- Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, 1990, n.º 26
 
Como se verifica nesta citação, as fitas que se queimavam eram as tais que serviam para atar as sebentas, cadernos e livros num pacote, exorcizando, ao serem queimadas, as agruras dos estudos. Não deixamos de salientar a referência ao facto que esses atadilhos (em torno de uma qualquer pasta primitiva - embora a larga maioria atasse os livros num molho só, sem mais nada) não eram apanágio de apenas alguns estudantes, mas de todos.
 
O que sabemos é que esse acto de queimar as fitas/atadilhos remonta primitivamente a inícios do séc. XIX, embora as festas de fim de ano sejam bem anteriores.
 
"Documentalmente, encontram-se lhe referências [à queima], e o uso do termo, desde pelo menos a segunda metade do séc. XIX, mas dentro do tal espírito "pré-histórico", podem vir pelo menos de quinhentos, data em que seguramente (como vimos) sabemos que se realizavam touradas e latadas, que a Festa de fim de Ano e Curso (e é essa a fundamental nota caracterizadora da Queima das Fitas) se encontram intimamente associadas e muito provavelmente desde a primeira metade de oitocentos, dado que o uso de Fitas Largas de quintanista, acto quase imanente ao largar do "grelo" (outra nota que define a Festa da Queima) em pastas de luxo, está comprovado, pelo menos desde 1834, de quando se sabe existir uma dessa pastas.[3]"[4]
 

 
"Com a origem nas festas do ponto, a Queima das Fitas começou a alicerçar-se como Centenário da Sebenta (Abril de 1899) e, especialmente, com o Enterro do Grau (1905).
Os alunos do IV Ano de Direito começaram a queimar as fitas que usavam para atar os livros, pelo que a festa tradicional da Academia ficou conhecida por Queima das Fitas, embora na realidade o que se queima não são as fitas, mas o grelo."[5]
 
 
Revista Brasil-Portugal n.º 8, de 16.5.1899
 
 
O Nome "GRELO"
 
Em 1903, deu-se a famigerada "revolta do grelo", com epicentro no mercado D. Pedro V, em Coimbra, em que as vendedeiras ambulantes se revoltaram contra uma licença, designada "imposto do selo", que começou a ser exigida nos dias 8, 9 e 10 de Março.
O mercado D. Pedro V em início do séc. XX
Fonte: mediático.com.pt
Não era propriamente uma nova licença, mas uma nova forma de cobrança.
 
A grande onda de descontentamento popular teve lugar a 11 e 12 de Março, com ocorrência de violentos choques com as forças da ordem, em que se registaram dois mortos e numerosos feridos.
 
Este descontentamento alastra a outros grupos de operários e empregados de comércio, passando por caixeiros e lojistas, e envolvendo uma parte da Academia, cuja universidade e liceu são encerrados pelas autoridades[6]. Rapidamente se politiza a revolta como uma manifestação antimonárquica, ouvindo-se gritos a favor da república.
 
Desse evento forja-se uma cumplicidade entre estudantes e vendedeiras de hortaliças que passa a ser celebrada, todos os anos, ao som de bombos e foguetes, com os estudantes a irem ao mercado comprar um nabo de rama farfalhuda e que se metia na pasta (que servia de incubadora do "grelo").
Tudo aponta, portanto, para que a fitinha estreita e comprida, a que hoje chamamos "Grelo", encontre essa designação como evocação à dita revolta de 1903, tese, aliás, confirmada por Reis Torgal[7] e que encontramos igualmente no seguinte excerto:
 
"[o grelo] Creio ser reminiscência de um molho de brócolos que floresceu de uma greve hortaliceira em 1902 ou 1903. (...) As hortaliças da Praça murcharam e desapareceram feitas esterco, aparecendo então o Grelo, símbolo heráldico da reivindicação, gritante búzio de sardinheiro contra as truculências da Câmara.(...)  A Porta Férrea foi ultrapassada pelas hortaliças, os Gerais e as aulas invadidas...(...) O Grelo era já um pendão erguido, acompanhado pelas capa negras dos estudantes..."[8]



Postal dos anos 1980.
 É costume, na latada dos caloiros, os doutores ir ao mercado buscar o nabo, que dão a trincar aos caloiros, e receberem, na imposição de insígnias, o "Grelo".



 
A QUEIMA (praxis)
 
Como vimos, são originalmente a(s) fita(s), que atavam os livros, que se queimava(m), e que conhecemos pro "grelo".
O "Grelo", que, colocado em torno da pasta (a lembrar os atadilhos de antanho) é, depois, retirado para desparecer numa pira incandescente, durante os festejos de fim de ano. 

Nada melhor do que passarmos os olhos atentos pelos seguintes excertos:
 
"Depois queimavam-se as fitas.
"Muito naturalmente, clarissimamente, consiste esta simples e antiga operação em fazer de tais fitas uma espécie de fogueira, no mesmo lugar onde se deu a tourada.
Nada mais simples.
E, ardidas as fitas, reduzidas a cinzas, era ainda há pouco tempo costume serem estas pelo caloiro transportadas, num gorro, até à Porta Férrea. onde ficavam enterradas. Para esse fim, tinha ainda o caloiro que aí abrir uma cova, na qual o mais novo ou o mais velho dos candeeiros despejava o conteúdo do gorro.
Era o enterramento das cinzas.
A esta cerimónia, a que também todo o curso assistia, para o que vinha reunido do largo da Feira com o caloiro adiante de si, seguia-se o remate da festa, a nota final, a última homenagem, qual era urinarem os candeeiros, todos a um tempo, em cima da cova de cinzas!
Daí vem o dizer-se, em linguagem picaresca, a respeito de qualquer bacharel pela Universidade de Coimbra, e isto para dar a entender isso mesmo que ele é, que esse sujeito urinou à Porta Férrea.
Hoje, porém, como o patim de tal porta se encontra muito bem asfaltado, não podemos, por isso, enterrarem-se lá as cinzas, são estas aos quatro ventos lançadas do alto da torre da Universidade."[9]
 
O lançamento de fitas presas por um balão registou-se unicamente no ano de 1902.
Fonte: Blogue Penedo d@ Saudade.
 
" As fitas estreitas de algodão foram, também, deitadas ao Mondego ou oferecidas aos astros atadas a um balão de papel que era lançado do Largo do Museu.[acto que parece só ter sucedido por uma vez, em 1902]"[10]
 
"A Queima do Grelo, das fitas estreitas, pelos quartanistas, realizava-se no Largo da Feira.
Pelas Praxes Académicas de Coimbra (1925), no Largo da Feira, num altar, copiosamente ornamentado, erguia-se um bacio (penico) cheio de brasas, dentro do qual todo o quartanista, cada um per si, lançava o grelo, que as chamas consumiam. Depois, o padrinho - um quintanista - abraçava o afilhado, ao mesmo tempo que lhe colocava a pasta de luxo sobre a cabeça.
A Queima das Fitas é apenas uma das cerimónias dos festejos académicos. Todavia, é a mais importante, e de tal modo que deu o nome àquelas.
Na realidade o que se queima não são as fitas, mas sim o grelo. A cerimónia consiste nisto: no dia 27 de Maio dirigem-se os grelados para o Largo da Feira, onde está armada a tribuna, tendo ao centro um bacio onde ardem algumas brasas. É lá que o grelado se dirige para queimar o grelo, que ficará dividido em 3 partes: uma para o próprio, outra para a noiva (se a tiver) e uma terceira par ao afilhado, um terceiranista que vai buscar o grelo. Feito isto dirige-se ao seu padrinho, de quem receberá a pasta com fitas"[11]
 
"Em Maio de 1950, dado que o pavimento do Largo da Feira não permitia que aí fosse efectuada a queima, esta foi transferida para o Largo do Museu."[12]
 
A queima das fitas, ca. anos 1920
 
"Pela tarde, organiza-se um vistoso cortejo que, antes de partir em direcção à Baixa, vai ao Largo da Feita levar os quartanistas, para este ali queimarem o grelo e trazerem as suas novas fitas.
Esta cerimónia realiza-se num pavilhão previamente construído e ali, dentro de um bacio intimo, colocado num pedestal, os quartanistas queimam as fitas estreitas - o grelo - e recebem das mãos dos padrinhos quintanistas, as fitas largas e vistosas, pedaços da cor do sangue, do oiro, da neve e do céu!"[13]
 
"1903 - Os quartanistas de Medicina formaram um cortejo no Largo do Museu que se dirigiu ao Pátio da Universidade, indo à frente a Filarmónica dos Bombeiros.
Depois de cumprimentaram os quartanistas de Direito, voltaram ao Museu, ataram as fitas num balão que foi lançado ao ar, perseguido por foguetes [apenas há registo disso, de prender fitas a um balão, em 1902]."[14]
 
"(...) Queima das Fitas, festividade académica que realça a tradição coimbrã e que culmina com o dia em que os novos fitados queimam o "grelo" (fita estreita em forma de laço com a cor de cada faculdade) substituindo-o pelas fitas largas próprias da sua condição de finalistas."[15]
 
Queima das Fitas alunas de Direito em Coimbra, Ilustração, 8º Ano, Nº 12 (180), de 16 Junho de 1933, p.9
(Hemeroteca Municipal de Lisboa)
 
O SIGNIFICADO DA QUEIMA DO GRELO
 
Por que razão se queimava o "grelo"?
Como já nos foi possível entender, essa queima era uma espécie de "vingança", um exorcizar de todos os maus bocados passados no estudo e nas aulas, já com todas as dificuldades finalmente vencidas, no mesmo pressuposto com que os estudantes via as suas vestes estudantis rasgadas, pondo fim ao jugo do estudo, dos horários, das obrigações escolares e anteviam dias mais risonhos e pacatos da vida profissional.

Nota: Também se conhece o costume, quiçá mais recente (e porventura de fora de Coimbra) de queimar as cábulas nesse mesmo momento (alimentando o fogo com elas), por parte, desta feita, dos finalistas.
O centro da Queima das Fitas é a incineração do grelo. É esse acto que
confere aos festejo o nome que hoje se conhece.
 
"Queimar as fitas [os grelos], só os quartanistas o faziam, simbolizando o atado das sebentas a colocar nas estantes empertigadas, como se fossem bonzos guardadores das torturas da memória, da inteligência e do pensamento.
Era já olhar para trás, queimando e esquecendo pelo menos quatro anos de estudo ou de assistência às aulas.
Era queimando as fitas velhas [ou seja os grelos] que apareciam as novas, sacudindo cortinas de futuro, tal qual como a Fénix renascida na pasta nova de fitas largas, aonde mãos de noiva, mãe ou irmã, pintavam aguarelas de esperanças, águas fortes de ambições, ou bordavam matizes de saudades e amores."[16]
 
 
Da(s) fitinha(s) às Fitas de Finalista e Pastas de Luxo
 
 
Sem delongas, sabemos que, queimado o "grelo" (ou as primitivas fitas/atadilhos), o finalista recebia as fitas largas em pasta de luxo, das mãos do seu padrinho.
A mais antiga pasta de que há conhecimento, datará do ano de 1834, pelo que podemos convir que a tradição das pastas de luxo é de inícios do séc. XIX.
Simplificando: até às primeiras décadas do séc. XX, só os quintanistas usavam pasta - a pasta de luxo. Não existiam, portanto, pastas correntes para ir normalmente às aulas.
Os estudantes transportavam os livros atados com uma ou mais guitas (fitas), os quais podiam, mas não era norma, ficar entre duas talas de cartão ou 2 tábuas muito finas (com o único propósito de proteger os livros[17]), atadas em cruz e com remate em laço.
 
Fonte: Museu Académico de Coimbra.
 
 
ORIGENS DA PASTA DE LUXO E FITAS
 
A Pasta de Luxo e as respectivas 8 Fitas têm origem nas pastas que, primeiramente os lentes, e, depois, os alunos em fim de curso (com posses para tal), utilizavam. Uma forma, também, de vincar o estatuto e importância do portador, face ao restante contingente académico.
 
Capa de caderno de notas de inícios do século XIX.
A. Nunes, in Virtual Memories, 03-09-2009
 
 
"Um dos objectos de prestígio usado por docentes e estudantes do último ano de curso desde o século XVI era a pasta forrada de tecido para transporte e resguardo de documentos/papéis e a capa de cetim, seda ou damasco confeccionada para protecção de livros e cadernos de notas. As pastas e capas podiam ser manualmente pintadas ou bordadas, ostentando as mais luxuosas embutidos em metais preciosos e trabalhos de passamanaria em fio laminado. Nas capas havia sempre um fitilho comprido que servia para marcar as páginas que se estavam a ler ou as folhas de escrita. Nas pastas cosiam-se uns oito fitilhos que eram rematados por nós e laçarotes.
Foram estas pastas que estiveram na origem das pastas de luxo dos quintanistas, um dos poucos objecto de prestígio e ostentação que a cultura estudantil oitocentista valorizou."[18]
 
Imagens de pastas de luxo, constantes no acervo do Museu Académico de Coimbra.
Fonte: M.A.C. e Tripadvisor.
 
 
Fica aqui explicada a origem da pasta e das fitas largas (que inicialmente eram, contudo, um pouco mais estreitas que as que se passaram a usar a partir das primeiras décadas do séc. XX).
Estas pastas consistiam em duas talas de cartão dobradas, fechando com o auxílio de 3 a 4 ordens de pequenas fitinhas de cada lado, ou seja, cada Pasta tinha 6 ou 8 pequenas fitas (mas mais largas que os primitivos atadilhos) que serviam para atar a mesma com nós e laçarotes.
Mais tarde, com a magnificência das Récitas dos Quintanistas, é que se definiram/fixaram as famosas Pastas de Luxo, nas Faculdades de Direito e Teologia, já de Fitas Largas, caídas para fora, presas às telas forradas de rico cetim bordado, veludos com embutidos de prata, ouro e mármore.

Resumindo:

  • As fitas de finalista são uma versão mais larga e nobre das fitinhas que primitivamente serviam para atar/fechar as pastas que lentes, e estudantes com mais posses, usavam para transportar seus livros e cadernos (também existiriam pastas menos onerosas, uma versão mais pobre e simples, mas a regra era atar os livros com uma guita simples).
    Nada a ver, portanto, com o Grelo, propriamente dito, que, por sua vez, era apenas uma fita comprida para atar toscamente os livros.
 
 
AS FITAS de finalista
 
As fitas que os finalistas ostentam são em número de 8, cada uma com 7,5cm de largura e 40cm de comprimento, presas (normalmente pro colchetes) em volta da pasta, 2 por cada lado da mesma.

Essas fitas, são dadas a assinar pelos finalistas, após as férias da Páscoa, aos pais, namorado(a), professores e colegas. Sobre isso já falámos em artigo anterior (ver AQUI).
 
A distribuição das fitas a serem assinadas.
 
 
 
 
PASTA "da Praxe "
 
Começamos por esclarecer: diz-se Pasta "da Praxe", no sentido de ser a pasta regulamentada e permitida com o traje, a que é usual e apropriada para usar com o uniforme académico; nada mais que isso; nada a ver com praxes.
 

 
As Pastas de couro ou cabedal, embora menos vistosas, mas bem  mais baratas, generalizam-se na primeira década do séc. XX, introduzidas nomeadamente pelos estudantes militares (e também em voga nos geógrafos, arqueólogos e outros especialistas nos seus trabalhos de campo), contrastando com o luxo ostensivo das pastas dos quintanistas e podendo ser usadas pelos demais estudantes no seu quotidiano, então sim, para transportar sebentas (as de luxo serviam apenas para a festividade de fim de curso).

 Foram um enorme sucesso e, de certa maneira, um verdadeiro avanço "civilizacional", passando de livros atados de forma tosca para um adereço que oferecia não apenas protecção aos manuais, mas conferia uma certa elegância e gabarito ao estudante.
O seu uso generalizado no Porto, nomeadamente a partir de inícios do séc. XX, onde as mesmas eram passadas pelos quintanistas, finalistas, ao quartanistas, na, então, Festa da Pasta[19]; alargou-se a Coimbra e a todo o país, acabando por substituir as próprias pastas de luxo, demasiado caras.
 
Festas da Pasta na UP in  Ilustração, Ano 5º, Nº 108, de 16 Junho de 1930, p.11 (Hemeroteca Municipal de Lisboa)

 
Quando os estudantes perceberam que, mesmo não sendo baratas (mas sempre bem mais em conta que as de luxo), as pastas de couro podia durar o curso inteiro e, para além disso, serem suficientemente dignas e vistosas para ostentar fitas de finalista, passaram a aparecer nas mãos dos finalistas, a par com as de luxo (as quais foram desaparecendo a partir de 1920).
 
 
 


O facto da pasta de couro se ter vulgarizado por todos os anos,  leva-nos a questionar essa ideia de que os caloiros não podem usar pasta, como qualquer outro estudante, sem reservas ou condicionantes.
Aliás, questionamos veementemente essa invenção de que o caloiro não pode usar pasta ou que se tem de usar no braço esticado x ou y, porque nunca foi isso norma tradicional, quando a pasta de couro começou a usar-se indiscriminadamente por todos e desapareceu a pasta de luxo e o exclusivo do uso de pasta para finalistas.
 


 
A Semente e a Nabiça
 
 
Estas duas insígnias, ao que tudo indica, surgem na academia portuense, como resposta à necessidade que os estudantes sentiram de se impor também uma Insígnia nos primeiros anos de curso.
Ao que tudo indica[20], estas insígnias surgiram nos anos 1960. A partir dos anos 1990, outras academias as importam.
 
A semente (là esquerda) e a nabiça (à direita)
 
 
O que as designações prefiguram está intimamente ligado ao contexto histórico da "hortaliça académica", pelo que a "semente" corresponde ao 1.º ano, um pequeno laço pregado à lapela; seguindo-se, no 2.º, a nabiça, um laço maior, também colocado na lapela.

Nota: pessoalmente, creio que teria tido, porventura, mais graça apelidar a "semente" de "Nabo", numa alusão jocosa a quem ainda não sabe nada, porque ainda "verde", criando uma trilogia mais "familiar" (nabo, nabiça, grelo) e fortalecendo a tradição já existente de dar a trincar o nabo aos caloiros.
 
Há quem lhe chame "falsas insígnias", por contraponto às denominadas "reias" (de verdadeiras) insígnias (Grelo e Fitas).
A nabiça.

As fitas do finalista e a semente do primeiranista.
Queima das Fitas, FLUP-UP, 1987 (Acerco de Álvaro Pinto)
 
 
 
 
Cremos que tais epítetos são de evitar. Nem uma são falsas nem as outras são mais verdadeiras. O que se infere é que umas são mais recentes e outras mais antigas ou tradicionais.
Prescrever cognomes discriminatórios (reais Vs falsas) não nos parece adequado, até porque não há colisão entre elas (complementam-se). Pior são as insígnias inventadas do nada, como pompons e quejandos, ou as que são paridas em função de n.º de matrículas e baseadas em praxes,  essas, sim, algo verdadeiramente escusado e sem qualquer fundamento.
 
 
 
 
 
 
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NOTA: quem pretender aceder a mais imagens sobre estes e outros assuntos relativos à vida académica, poderá aceder ao espólio fotográfico que o N&M disponibiliza na sua página de FB, AQUI.


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[1]Em artigo anterior, abordámos a história dessas festividades. Ver AQUI.


[2]Gonçalo Reis Torgal - Coimbra, Boémia e Saudade, Vol. II. Coimbra, 2003, p. 113


[3]Artur Ribeiro - Queima das Fitas - Os 100 anos do Centenário da Sebenta 1899-1999. Coordenação editorial do Diário de Coimbra - colaboração do Museu Académico. Coimbra, 1999, p.17.


[4]Gonçalo Reis Torgal - Coimbra, Boémia e Saudade, Vol. II. Coimbra, 2003, pp. 114-115.


[5]Alberto Sousa Lamy, - A Academia de Coimbra, 1537-1990. 2.ª Edição, Rei dos Livros. Coimbra, 1990, p. 680


[6]"A Academia reuniu, declarou-se incondicionalmente ao lado do povo de Coimbra e organizou uma recolha de fundos para auxiliar as famílias das vítimas. O Governo encerrou a Universidade a 14 de Março e determinou que todos os estudantes não residentes saíssem de Coimbra, mas poucos arredaram pé. As aulas só reabririam a 20 de Abril" (Zé Veloso, in blogue Penedo d@ Saudade, artigode 3 de novembro de 2011).


[7]Gonçalo Reis Torgal - Coimbra, Boémia de Saudade, Vol. II (2003), em nota de rodapé, p. 115.


[8]Serrão de Faria - À Porta Férrea. Portugália Editora. Lisboa, 1946, p.43-46.


[9]Lamy, p. 668 e 669, citando João Eloy - Boémia de Coimbra, pp. 219-220 e pp. 222-223.

[10]Idem, p.670.

[11]Citando Amílcar Ferreira de Castro - A gíria dos estudantes de Coimbra, p.p.73-74.

[12]Lamy, pp. 676-677.

[13]Carmine Nobre - Coimbra de Capa e Batina. I Volume, 2.ª edição. Coimbra Atlândida, 1937-1946, pp.220-221.

[14]António José Soares - Saudades de Coimbra 1901-1916. Almedina, Coimbra, 1985, p.36 (1903).

[15]AAC - Queima das Fitas, 1.º Centenário. D.G. AAC / Comissão Central da Queima das Fitas, 1987, p. 5.

[16]Serrão de Faria - À Porta Férrea. Portugália Editora. Lisboa, 1946, p.43.

[17]Livros esses que ou eram emprestados ou tinham custado bom dinheiro, daí o cuidado extremo em os estimar.

[18]António M. Nunes, in blogue Virtual Memories, artigo de 03 de Setembro de 2009.

[19]Vd. Luís Pedro Mateus - Queima das Fitas na Academia do Porto, in Praxe Porto, (em linha], consultado a 20 de outubro de 2017.

[20]A isso se refere João Caramalho Rodrigues, in blogue Porto Académico, artigo de 15 de Dezembro de 2011 [em linha], consultado a 20 de outubro de 2017, e que encontramos igualmente em Luís Pedro Mateus, in Praxe Porto.