sábado, 25 de janeiro de 2014

Notas ao (bada) MECO praxismo nacional.


Caros leitores,

 

O N&M não podia, naturalmente, ficar em silêncio perante a tragédia do Meco, onde 6 jovens perderam a vida e um outro ficará irremediavelmente traumatizado, quer pelo ocorrido quer, porventura, por um enorme sentimento de culpa que, como Dux, naturalmente lhe cabe por inteiro.

 Não nos adiantamos antes, porque os indícios eram pouco claros, mas, com as revelações decorrentes da reportagem levada acabo pela jornalista Ana Leal, que passou ontem no Jornal das 8 da TVI, poucas dúvidas restam sobre o modus operandi e concepção distorcida da Praxe que reina na Universidade Lusófona de Lisboa e que reflecte (por excesso) o que vai acontecendo de norte a sul do país, sem nenhuma excepção, nas actividades de recepção aos caloiros: falta de civismo, de bom-senso e muita ignorância e invenção à mistura.

O que os documentos do COPA (Conselho Oficial da Praxe Académica) comprovam são práticas de teor criminal e inaceitável que só nos podem revoltar, sejamos defensores da Praxe ou não.
 Adiantaremos que são a prova cabal daquilo que é interpretar a Praxe nos limites mais opostos à mesma, num fundamentalismo estúpido, promovido por gente estúpida, desinformada e mal-formada (mas muito “bem” formatada).


 DURA PRAXIS ???

Claro que são muitas as vozes que se indignam, e com razão, de ambos os lados da barricada.

Do lado da opinião pública, é natural, e legítimo a condenação destas práticas, e de todas demais que ostentem o nome de Praxe, por tabela.
O que sucedeu no Meco, mas não só: o que vai sucedendo pelo país, com as praxes (seja elas entre doutores ou com caloiros), só tem confirmado o divórcio e repúdio que a sociedade nutre para com estes ritos que deixaram de ser o tradicional gozo ao caloiro, para se transformarem numa selva onde vale tudo, desde que isso seja tido como praxe (e que alguns codigozecos e organismos de praxe legitimam ou consentem).
Do lado dos praxistas, existe uma natural e corporativa indignação com aquilo a que apelidam de sensacionalismo mediático, argumentando, como de costume, com teorias da conspiração, interesses económicos em favor de shares, etc.
De todos os quadrantes praxísticos vemos a defesa da Praxe ser feita com base no falacioso e eufemístico argumento: “Isso não é Praxe; na nossa academia não é assim”.

E começam aqui, neste encurvar da realidade, o auto-fuzilamento dos pés dos praxistas.
Obviamente que o que sucedeu no Meco e o que a reportagem comprova das práticas internas do COPA não serão regra, antes uma excepção, em razão da gravidade extremismo, mas isso não esconde uma verdade absoluta e factual: reina nas praxes, de norte a sul do país e ilhas, a apologia do palavrão da falta de decoro e decência, o desrespeito e abuso, a coacção física e psicológica e práticas que vão desde a ridícula brincadeira copiada dos escuteiros ou jogos tradicionais, a jogos de cariz sexual ou ajavardamento do caloiro (sujando-o com todo o tipo de porcarias) - achando, na sua ignorância, que isso é Praxe (ou praxes).

O doutores na Praxe estão revoltados e receosos com generalizações, e por um lado têm razão, tal como as Tunas e outros organismos que usam traje académico, pois assistem a uma colheita de algo que foi semeado durante anos, e agora se arrisca a ser de uma fartura que pode revelar-se mortal (e para alguns tem-no sido, literalmente).
O problema, meus caros, é que os receios são fundados, precisamente porque se pode generalizar, precisamente porque no edifício o académico há sempre uma ou outra telha de vidro ou uma clarabóia de tamanho XXL.
Bastaria aludir a um exemplo crasso que ocorre em tantos lados: Afirmar e achar que quem não foi praxado não está na Praxe, não pode trajar, não pode usar insígnias …….
E isso, meus caros, é usualmente colocado aos caloiros de uma só forma: “ou és pela praxe ou és anti-praxe. Ou aceitas ser praxado ou ficas proibido de X, Y e H”.
Se isto não é coacção, não sei que será. Praxe não é, garanto...nem praxes.

Atrás disso vem o resto.

E não enjeitemos outra questão, também ela grave: o argumento que tantos disparam, de gatilho leve, de que “quem não vive a Praxe não compreende”.
Aqui puxaremos dos poucos galões que possamos ter para dizer que quem afirma isso não tem sequer noção da parvoíce que disse (e está bem de ver que, não ter noção das coisas, não é só no Meco).

O N&M considera-se suficientemente conhecedor e experiente para também afirmar em coro, a par com a opinião pública, que grande parte daquilo que vê nas praxes não compreende. Não compreende porque sabe o que é Praxe, e sabe que a larga maioria das actividades apelidadas de praxe, afinal, são coisa nenhuma.
E enquanto os estudantes tiverem a presunção que sabem o que é Praxe a coisa não muda.

A DEFESA DA PRAXE


Têm razão os muitos estudantes que afirmam que o que se passou na Lusófona não é Praxe. Têm toda a razão. Mas também o não são grande parte das suas práticas, independentemente de não causarem feridos ou mortes (antes ferindo e manchando a imagem que dão à opinião pública). Como acima dito, ninguém tenha a presunção de afirmar que "na sua casa é que é", só porque não há casos similares aos da Lusófona. Não há, porventura, com tal gravidade, mas heresias praxísticas.....são aos pontapés, contribuindo de igual forma para o actual estado de coisas.

O "inimigo" a "abater", caros praxistas, não é a opinião pública e muito menos os jornalistas ou cronistas. O inimigo está nos organismos de praxe, nas praxes, no vosso círculo, nas vossas instituições. O inimigo chama-se ignorância, invenção e falta de bom senso e civismo.

Se a opinião pública não sabe o que é Praxe e julga apenas por aquilo que vê nas notícias, nas fotos, nos vídeos do youtube, no que vê na rua…………………… ajuíza, contudo, com base em factos reais e não em ficção, na lenha que lhe fornecemos (e com que agora, muitos, exigem auto de fé).

Se a opinião pública e os jornalistas caem logo em cima de qualquer problema ligado a praxes, generalizando e extremando posições, fá-lo com base na imagem e no produto Praxe que lhes foi “vendido” e publicitado pelos próprios praxistas, pelos próprios estudantes, ao longo de anos e anos (traduzido em práticas e abusos reais).

Não se faz a defesa da Praxe argumentando que todos os incidentes que ocorrem são excepções, porque não o são: são apenas o corolário de práticas já de si envenenadas e condenáveis que deram para o torto (muitas outras, em muitas outras academias, não tiveram desfechos tão graves, mas não deixam de ser práticas altamente reprováveis).

A defesa da Praxe e a reabilitação da imagem do estudante e das Tradições Académicas faz-se com os estudantes a indignarem-se e condenarem essas mesmas práticas distorcidas e abjectas que inundam as recepções ao caloiro em toda a geografia portuguesa, e indignando-se com as pessoas que protagonizam esses actos.
É isso que a opinião pública espera: ver que os estudantes estão dispostos a fazer algo mais do que escamotearem, desculparem-se ou sacudirem a água do capote dizendo que "isso são os outros" ou apenas "uns quantos". As pessoas esperam ver nos estudantes uma mudança e desejo, posto em prática, de rever posições, concepções e atitudes, passando a pente fino tudo o que tem sido o cardápio de pseudo praxes.

 A defesa da Praxe passa por um movimento de contestação interna e de um corporativismo que, desta vez, faça saltar a lei da rolha (rolha do "isto só é para quem lá está"), porque quem não deve não teme, não esconde nem faz as coisas às escondidas. Praxes correctas não temem o escrutíneo seja de quem for, não se escondem como se fossem rituais maçónicos ou sociedades secretas.

A haver caça às bruxas, não é preciso “entrupar” as academias para fazer a defesa da honra com chavões enganosos de que na sua casa não é assim ou que isto ou aquilo não é Praxe. As bruxas não estão numa floresta literária ou cinematográfica dos contos dos irmãos Grimm, nem na suposta falta de conhecimento da parte da opinião pública sobre Praxe. As bruxas vivem e reinam nas academias, alimentadas pela passividade e consentimento de todos, de todos os que por falta de informação e espírito crítico não questionam as práticas, os códigos e os seus organismos de praxe, não procuram saber e fundamentar o que fazem, repetindo sem critério e depois fazendo o papel de madonas ofendidas, quando se lhes diz que estão errados.

A defesa da Praxe, por isso, não se faz com pseudo-campanhas facebookianas a pedir para as pessoas meterem imagens de praxes no perfil -  e incitando-as a dizerem bem das praxes, nem com a criação de páginas em defesa da Praxe (onde se misturam e diluem discursos muitas vezes paradoxais) - que acabam por fazer precisamente o que os delatores das praxes querem: dividir para reinar, impedindo que os estudantes parem para reflectir e falar a uma só voz e com um só discurso coerente (pensando e ponderando, antes de se precipitarem).
Não se faz com petições vazias de conteúdo e que apenas exprimem uma mal amanhada forma de protesto, sem nenhuma proposta, nenhum fio condutor, numa linha de acção que não seja bater o pé, fazer barulho e exprimir um amuo de quem só tem para dizer "a Praxe é fixe, eu só tenho coisas boas a lembrar e dizer dela".
Do mesmo modo que não se faz, igualmente, atirando-se a votar em sondagens como quem transfere o seu academismo e responsabilidade para uma gráfico que não justifica nem legitima posição alguma.

E quando leio, em alguns sites, a sugestão de um debate com a participação de representantes dos conselhos/comissões de praxe, ou de uma tal Comissão Nacional das Tradições Académicas…………acreditem que tremo que nem varas verdes, sabendo que entregar a defesa da Praxe a esses organismos é cometer suicídio, pois  virão com o mesmo argumentário saloio de que não conseguem supervisionar tudo e todos, que são casos excepcionais, que assinaram uma carta de princípios, que punem os infractores ou que “aquilo” não é Praxe. Virão com a desculpa que os seus códigos já proibem abusos, esquecendo-se que o papel nada vale se não passar à prática.
Na prática…….. continua tudo na mesma, grosso modo.
Alguém os viu a promover a formação e informação?
É, acaso, o debate das questões, a base da sua acção integradora? São esses organismos fonte de conhecimento, excelência e rigor no tocante ao conhecimento sobre Tradição Académica e sobre lisura de procedimentos?
Pois.........................

Para enterrar a praxe não é precisa a opinião pública ou supostos jornalistas/cronistas mal intencionados……….
Para enterrar a praxe temos tido, ao longo destes anos e anos, coveiros com fartura, formados nas praxes, e muitas vezes ostentando cargos praxísticos, coveiros de “capa e batina” que fazem das suas colheres orgulhosas pás.
Há que reconhecer que a tragédia do Meco apenas se tornou a gota de água para um acumular de situações diversas que, em menor ou maior grau, se inscrevem na lista de causas para o actual estado a que se chegou.

É preciso dizer basta e começar a fazer uma limpeza, uma renovação, desde logo de mentalidades.

De nada vale apregoar que a Praxe tem aspectos fantásticos ou que determinados filmes são parciais e só mostram o lado “negro” das coisas. Enquanto existir um lado negro, de nada vale tentar tapá-lo ou menoriza-lo com campanhas de contra-informação e limpeza da imagem.
Enquanto os problemas não forem resolvidos internamente, enquanto o edifício académico continuar a sofrer de degradação e falta de manutenção, nenhum taipal ou grafiti artístico irá disfarçar os buracos, as estruturas danificadas que ameaçam fazer ruir a construção.

Se os praxistas e organismos de Praxe querem fazer algo, de facto, em favor da Tradição Académica, comecem por aceitar e reconhecer as suas falhas e procurem eliminar as más práticas, desde logo fazendo uma revisão dos códigos e apostando na sua própria formação, com base em informação credível, ao invés de inventarem tra(d)ições, interpretarem sem saberem ou acharem que o assunto não diz respeito a ninguém.

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O que se passou no Meco não deve ser esquecido, antes servir de pretexto para mudanças profundas. Que nada fique como dantes, sob pena de se estar a auto-desferir o golpe definitivo na Praxe.

Todos aqui saem a perder, desde logo as famílias cujo sofrimento não pode ser maior (mais ainda depois de começarem a realizar oque de facto se passava na Lusófona).
O N&M endereça condolências aos familiares, solidarizando-se com a sua dor, pois a perda é irreparável, independentemente da inexplicável insconsciência daqueles miúdos.

Todos saem a perder, porque também a imagem da Praxe (e porventura de outras organizações) foi fortemente abalada. Mas já precisava desse abanão, porque se chegou a um ponto de ruptura necessário há muito. A história da Praxe é feita de continuidades e de rupturas.
O tempo é de ruptura (é tempo de a promover), para reencontrar a continuidade antes perdida, regressando ao que é genuino, digno e enriquecedor da cultura e imagem estudantis, àquilo que se coaduna com valores que uma sociedade de bem, democrática e respeitador deve valorizar.

Podermos ter algo a ganhar, quando as pessoas perceberem que há que redescobrir o que é Praxe (e o que mais temos é ignorância nesse capítulo), e procurarem adequar as suas “tradições” à Tradição, de facto (e, para isso, é preciso investigar e pesquisar).

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Notas a um Despacho Reitoral digno de Nota!


Aplaude-se a serenidade e clareza de propósitos:

  • apoiar o que é de Praxe - da boa, da rija, da sã;
  • proscrever o que cheira a doença mental, a bafio, a arroto.



Despacho do MAGNÍFICO REITOR DA UNIVERSIDADE DO PORTO, Prof. Doutor José Carlos Marques dos Santos

=== Praxes Académicas na Universidade do Porto ===

"Considerando que:

1. O processo de acolhimento e integração dos novos estudantes reveste elevada importância no âmbito da missão da Universidade, que deve colaborar e até proporcionar as melhores condições para o início da vida universitária aos que nela ingressam;

2. Na integração dos novos estudantes tomam parte ativa os atuais estudantes, estando entre as formas de aproximação por si dinamizadas as apelidadas por "praxe" académica;

3. Todos os rituais integrados na dita praxe devem constituir momentos de divertimento sem assumir formas inaceitáveis, atentatórias dos direitos humanos, da liberdade e da dignidade individual ou de grupo;

4. Os atos de violência ou de coação física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das ditas "praxes" académicas, configuram verdadeiros ilícitos de natureza civil, criminal e disciplinar;

5. O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, Lei nº62/2007, de 10 de Setembro, através da alínea b) do nº4 do artigo 75º, qualifica como infracção disciplinar "a prática de atos de violência ou coação física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das "praxes" académicas", admitindo que a sanção possa ir da advertência à interdição da frequência da instituição, e o Regulamento Disciplinar dos Estudantes da Universidade do Porto, Regulamento nº442/2011, publicado a 19 de Julho de 2011, na 2ª série D.R., considera como um dos deveres do estudante da Universidade do Porto não praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica sobre outros estudantes, inclusive no âmbito das ditas praxes académicas;

6. Cabe aos responsáveis pelas instituições de ensino superior intervir, de forma a não permitir que os rituais das ditas praxes académicas, em especial as aplicadas aos novos estudantes, se assumam como de rituais violentes, prepotentes ou atentatórios da liberdade e da dignidade individual, eventualmente passíveis de originar acidentes graves ou deixar marcas profundas nas suas vítimas.


Assim, determino que não são permitidas praxes académicas nas instalações da Universidade do Porto que atentem contra a dignidade, liberdade e direitos dos estudantes.

Apelo ao contributo ativo das associações de estudantes, no sentido de não acolherem nem apoiarem ações que ponham em causa os valores da liberdade e dignidade humana dos estudantes, antes desenvolvendo iniciativas no sentido de uma efetiva e autêntica integração destes na comunidade académica de nível superior.

Divulgue-se pela Equipa Reitoral, Diretores das Unidades Orgânicas, Provedor de Estudante, Diretor dos Serviços de Ação Social e Associações de Estudantes, assim como no Sistema de Informação da U.Porto.

Porto, 12 de Setembro de 2013

O Reitor,
José Carlos D. Marques dos Santos


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Ir às praxes. Vais à Praxe? Olha que não!

 Dizer "vou à praxe" é como dizer "vou ao código civil". Sim é estúpido!

Ir às actividades do gozo ao caloiro, onde decorrem "praxes" (com letra minúscula) é bem diferente de dizer-se que se vai à Praxe.

As pessoas não dizem por mal, mas pro ignorância. Uma ignorância que abre espaço à deturpação e descaracterização da Tradição.

Praxe não tem nada a ver com praxes, gozo ao caloiro ou actividades com caloiros.



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Notas sobre a Origem e Evolução da Capa e Batina (Traje Académico/Estudantil Nacional)




Sobre o Traje Estudantil, deixo aqui alguns excertos (de um amplo conjunto de artigos que se debruçam sobre a origem e evolução do património vestimentário académico, docente e discente, em Portugal e na Europa), produzidos pelo consagrado especialista e historiador, o Professor António M. Nunes, publicados no seu blogue Virtual Memories (http://virtualandmemories.blogspot.com/).


NOTAS PRÉVIAS:


  • O traje escolar foi sempre marcado pela indumentária religiosa dos clérigos que, nos primeiros séculos da Universidade, tinham o exclusivo de cursar os Estudos Gerais;
  • Os clérigos, esses, vestem segundo a regra da sua ordem e, também, a sua hierarquia;
  • As cores mais usuais eram o castanho, o pardo ( que originará a figura do “pardillo” em Espanha) e, mais tardiamente, o preto, não por imposição, mas proibição de cores mais garridas.
  • A evolução do vestuário nota-se, paulatinamente, com a abertura da frequência universitária a outras classes, tornando-se mais permeável a modas (rendas, berloques, sedas, frisados, diversos tipos de chapéus/barretes, cações…..), embora  fortemente balizado por critérios de sobriedade e austeridade;
  • Nos Séc. XVII  a tónica eclesiástica do traje foi-se acentuando, sendo de realçar a utilização da "loba", espécie de batina ou sotaina eclesiástica sem mangas, guarnecida na frente com duas filas de botões desde o pescoço até abaixo do joelho, junto com calção , capa e barrete redondo ou de cantos (o gorro só em finais do séc. XVIII). 
  • Loba: Vestidura eclesiástica, clerical e honorífica, que chega até o chão, cortada de maneira que nela entram os braços; dela usam também os bedéis  (responsáveis pela disciplina)da Universidade.
  • Os que não eram eclesiásticos sentiam-se impelidos a não destoar, vestindo à maneira dos clérigos,  e também pela necessidade de identificar o foro académico e quem por ele estava abrangido. Os trajes assumem, pois, figura/função de uniforme, para distinguir so estudantes de outros mesteres e profissões.

Em inícios do séc. XVIII a loba vai dar lugar progressivamente à “abatina”, sendo também a partir dessa época que os trajes estudantis começam a convergir para uma mesma forma de traje académico - embora essa forma estivesse dependente de flutuações de moda.

Abatina: conjunto de capa e túnica (talar) dos abades seculares de França ou de Itália, com vestido de seda negra, capa curta, volta singela e cabeleira pequena. Mais curta e barata que a loba. O negro, esse, significando o desapego ao mundo material e os seus votos  eclesiásticos.

  A “abatina”  estudantil, modelo talar, (que os estudantes  passam a designar apenas por “batina”)   não seria tão comprida como a dos lentes (até aos calcanhares = ”talons”)  e seria até bem mais curta que a capa , pelo que o uso de calções, por exemplo,  mesmo quase não se vendo debaixo da “batina” (viam-se apenas as meias), se mantivesse.




Durante muito tempo o uso da capa e batina foi obrigatório para o estudante, tal como, aliás, para o lente, ainda que este usasse uma batina comprida até aos pés.
Entre 1718 e 1834, esta obrigatoriedade estendia-se a toda a cidade.
De 1834 até à implantação da República, em 1910, a capa e batina era apenas obrigatória dentro do perímetro da Universidade.



Sobre a questão da origem da cor e também do mito do "traje para igualizar", já  nos debruçámos anteriormente (ver AQUI).





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Passemos, pois, agora, o que nos diz o historiador, o Professor António Nunes:


O Traje Feminino e o Traje Académico

(…) Até à consagração da legislação abolicionista promulgada após o 5 de Outubro de 1910, em Portugal não há notícia do uso de qualquer uniforme por parte das alunas que frequentaram os liceus, a Universidade de Coimbra ou as Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto. A opção crescentemente generalizada pela capa e batina de Coimbra, após a Conferência de Berlim, não parecia reunir ingredientes satisfatórios para uma extensão unissexo ao universo feminino.



A excessiva aproximação ao traje masculino burguês oitocentista retirara à capa e batina estudantil a sua feição talar, pormenor denunciado por José Ramalho Ortigão em 1888, o que na prática implicava duradoura impossibilidade de feminilização. Não sendo propriamente fácil, o processo de feminilização não era radicalmente impossível, se tivermos em consideração a adaptação de fardas militares a certos corpos femininos no decurso da Primeira Guerra Mundial.

A inércia coimbrã nesta matéria não encontrou melhor solução nas recém-instituídas universidades de Lisboa e Porto. Os anos que se sucederam à instauração da República não foram favoráveis aos trajes e cerimonial académicos, e quando as universidades de Lisboa e Porto se decidiram pela continuidade da toga das antigas Escolas Médico-Cirúrgicas, a questão não ficou inteiramente resolvida: os adeptos da toga tiveram de conviver com os defensores do abolicionismo e as facções que de forma mais ou menos persistente foram preferindo o hábito talar dos lentes de Coimbra; à semelhança de Coimbra, a discussão sobre a adopção de um traje institucional cingiu-se ao ponto de vista dos corpos docentes, não tendo havido por parte daqueles qualquer conscencialização quanto à necessidade de integrar os estudantes como elementos activos da instituição formadora. O facto de as universidades portuguesas fundadas em 1911 não terem optado pela realização de cerimónias de formatura para bacharéis e licenciados, legitimou atitudes de inércia quanto aos trajes discentes. Entregues a si próprios, em atitude de não diálogo com os senados das instituições em que se encontravam matriculados, os alunos/alunas optaram quase invariavelmente pela capa e batina de Coimbra, numa época em que a visão do estado e da sociedade pareciam apontar para princípios de perfectibilidade como o centralismo e a homogeneidade.

A obrigatoriedade de uso diário de uniforme estudantil na Universidade de Coimbra foi abolida por Decreto de 23.10.1910, situação de certa forma extensiva aos liceus onde o porte diário masculino fora autorizado por diplomas do Ministério do Reino. O diploma referido não declarava abolido o traje, apenas o tornava facultativo, tanto mais que no curto prazo a esmagadora maioria dos alunos da UC, da TAUC e do Orfeon Académico manifestaram vontade de continuar a envergar a capa e batina. Entre 1911-1912, na Universidade do Porto, Tuna e Orfeão foram pelo mesmo caminho. A maior parte dos liceus manteve a capa e batina que já era usada desde a segunda metade do século XIX, ou a ela aderiu. Seguindo na esteira dos movimentos em vias de expansão nas high schools britânicas, norte-americanas e japonesas, as alunas dos liceus de Lisboa e do Porto surpreenderam ao optarem pela invenção de um uniforme facultativo de tipo "high school".

Em Lisboa, alunos dos liceus tocaram a reunir por alturas de Setembro/Outubro de 1915, com o fito de discutir e aprovar que trajes envergar por alunos e alunas. Estas sessões terão sido participadas por alunos da Universidade de Lisboa que decidiram adoptar a capa e batina. Alunos mais radicais reclamaram mesmo obrigatoriedade de porte, mas na prática, o uso da capa e batina ficou confinado aos edifícios do Campo de Santana e a grupúsculos masculinos da Faculdade de Direito.



Na Universidade do Porto, em reunião inter-faculdades, realizada em finais de Fevereiro de 1916, decidiu-se implementar o uso generalizado da capa e batina a partir do dia 15 de Março de 1916. Faltam-nos dados sobre as matérias deliberadas nestas reuniões e perfil dos participantes, não sendo possível apurar se a decisão abrangeu alunos e alunas da UP, ou se marcaram presença alunos/alunos dos liceus. A "Gazeta de Coimbra", nas suas edições de 27.10.1915 e 4.03.1916 dá conta que em Lisboa já se viam "meninas" trajadas, certamente liceais. Aliás, a promulgação do Decreto nº 10.290, de 12.11.1924, que procedeu à nacionalização da capa e batina nos liceus e ensino superior, teve como antecedente imediato um conflito entre uma liceal e um reitor de um dos liceus de Lisboa por conta do uso ou não uso de traje.


O traje feminino, espontaneamente consagrado em Lisboa no segundo semestre de 1915 é um tailleur preto, à base de saia pela meia perna, casaco cintado, cortado pelo meio da coxa, e blusa branca. A gravata demoraria a impor-se. Este fato, de linhas trapezoidais, era o mesmo envergado pelos corpos de enfermeiras da marinha, nos EUA (em azul marinho, com capote e chapéu de abas), e em certos hospitais europeus pela mesma época (em cinzento), conforme determina o Decreto nº 4:136, de 24.04.1918, que o manda aplicar às enfermeiras militares portuguesas.

Ao referido conjunto se adicionou uma capa preta, e conforme atestam as fotografias supra uma barretina redonda. Este último elemento, resulta de uma transformação do barrete islâmico do magrebe, o "chéchia" ou "kufix", que também era usado desde 1859 em escolas militares britânicas de formação de cadetes ("pillbox hat"). Antes de ter feito a sua entrada triunfal nos liceus de Lisboa, Porto e Évora ("tacho"), em versão unissexo, o "pillbox" já era largamente usado em Portugal por militares e impedidos de oficial.(…).






Ia adiantado o século XX quando se acendeu a discussão sobre a necessidade de as alunas da Universidade de Coimbra tirarem benefícios práticos do uso de um traje de tipo uniforme. Não ter traje académico fazia parte da identidade das académicas da UC desde 1891, ano em que contemporaneamente se matriculou a primeira aluna. A não participação feminina na vida associativa, a ausência de organismos culturais mistos até 1938 e a omissão da cerimónia de formatura de bacharéis e licenciados desde 1910, foram justificando a inércia observada em Coimbra. A nível dos liceus locais, mesmo considerando o Liceu Feminino Infanta D. Maria, nada consta quanto a um hipotético uso de farda, se considerarmos que a muito usada bata não era propriamente um uniforme.
As alunas da UC tinham o privilégio do uso de pasta com fitas e capa preta sem uniforme, costume que na década de 1980 ainda era praticado por quintanistas que iam ao Baile de Gala das Faculdades. Nos finais da década de 1940 este estado de coisas começou a mudar quase imperceptivelmente. As universitárias de Coimbra estavam a par do uso do tailluer nos liceus e no Orfeon Universitário do Porto. O peso crescentemente atribuído desde meados da década de 40 às latadas de começo de ano escolar e às cerimónias de imposição de insígnias (grelos no 4º ano, fitas no 5º ano), começaram a suscitar em alunas da Faculdade de Letras vontade de adopção de um traje académico. Nos festejos de Novembro de 1949, a estudante de Germânicas Ilda Pedroso desfilou com um conjunto saia/batina/capa, acontecimento muito comentado no millieu, mas bem acolhido. Todas as informações consultadas testemunham a opção pela saia, numa época em que os códigos vigentes não poderiam aceitar na mulher o porte de calça comprida, e a batina masculina abaixo do joelho (frock coat), com lapelas de cetim.
Parecia encontrada a solução, numa instituição onde a cultura histórica não legitimava de ânimo leve nem o tailluer, nem uma distinção formal entre modelo masculino e modelo feminino. A breve trecho, a evolução seria bem outra. Em 1951 as alunas do Teatro dos Estudantes (TEUC) preparam uma digressão ao Brasil, tendo decidido levar um conjunto prático que substituísse os custos e os incómodos habitualmente havidos com os vestidos de gala. Ficou decidido levar nas bagagens o tailleur preto, traje que em diferentes padrões cromáticos era então usado no Ocidente por enfermeiras militares e hospedeiras de aeronáutica civil. Nas revistas de moda, as estrelas de cinema e do musical deixavam-se fotografar com este tipo de fato. Entre 12 de Agosto e finais de Outubro de 1951 o TEUC actuou no Brasil e visitou a Universidade de São Paulo, onde deixou uma réplica da "cabra". De 1951 a 1954 não se sabe com rigor que nível de adesão o tailleur terá conhecido em Coimbra, que lhe possa ter grangeado ser mais do que o fato que as alunas do TEUC levaram ao Brasil. Uma coisa é certa, se estivesse popularizado e se fosse querido das estudantes, não teria havido necessidade de o impor por decreto. (...) 

Em face dos conhecimentos disponíveis ainda não é possível saber se as alunas da UP começaram a usar o tailleur preto em Março de 1916, ou se o movimento ficou confinado às liceais. Sabe-se, no entanto, que a feminilização do Orfeão Universitário desde ca. 1944-1945 esteve na origem da consagração do tailleur pelas orfeonistas portuenses. Na fotografia supra, do ano lectivo de 1946-1947, oriunda do espólio do Dr. Álvaro Andrade, é bem visível uma orfeonista com tailleur preto, conforme o figurino tubular da época, meias cor da pele, gravata e capa. Terá o tailleur debutado restritamente no Orfeão Universitário, com ulterior generalização na universidade?"

António M. Nunes, In Blogue Virtual Memories, artigo de 31 de Outubro de 2008


O Traje Nacional / Capa e Batina

(…) Na Coimbra de finais do século XIX, e anos que se lhe seguiram, a profunda masculinização operada no imaginário académico e no conjunto casaca/calça comprida/colete inviabilizaria por décadas o processo de feminilização. Dizendo-se um traje progressista no confronto discursivo entre cultura burguesa e herança aristocrático-clerical, o traje académico burguês revelou-se empedernidamente sexista, e nessa medida reccionário face à dinâmica de mudança. Não sendo detentor da riqueza artística das vestes talares nem da sua polivalência unissexo, os fatos burgueses apostam na demarcação territorial e simbólica dos sexos através da sobrevalorização de peças secundárias como a calça comprida (sexo M) e a saia (sexo F), mesmo quando em contextos militares e policiais tal distinção foi abandonada.

Como se verá mais adiante, os modelos de colete e de capa vulgar louvados pelos estudantes de Coimbra como grandes conquistas civilizacionais contra o “obscurantismo” eram aflorações retardadas e esteticamente inferiores a peças vestimentárias que as mulheres do povo conheciam e usavam desde o século XVI. O colete feminino, de bainha lisa ou recortes, a fechar com atilhos, era usado pelas camponesas em contextos de trabalho e solenidades. A versão de luxo podia comportar motivos bordados e tecidos de seda enramada. A capa de honras feminina das lavradreiras abastadas e meias-senhoras (bem com os capotes, mantéus e capoteiras), em lã fina, com golas e bordados ainda era usada um pouco por todo o Portugal nos casamentos, baptizados, funerais, missas, entradas régias e entradas episcopais no tempo em que as primeiras alunas chegaram à UC.

Ao abandonarem o hábito talar tradicional, substituindo-o por um traje burguês citadino, singelo em tecido e figurino, os estudantes de Coimbra proclamavam-se progressistas. Ponderando estas afirmações em 1888, um profundo especialista da cultura e dos trajes propulares, José Ramalho Ortigão, duvidou da pertinência do discurso. A partir do momento em que o traje académico se transformava num produto esteticamente inferior à maior parte das peças usadas pelos camponeses portugueses como traje domingueiro, para se nivelar com o chamado traje ou fato de trabalho, tornara-se difícil descortinar-lhe traços de progressismo.

Em Portugal, as Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada, fundadas a partir de 1836 , começaram por não instituir qualquer traje talar ou militar para docentes e discentes. O mesmo rumo foi seguido desde 1837 pela Escola Politécnica de Lisboa e Academia Politécnica do Porto , onde o fácies paramilitar não foi bastante para trazer aos muros destas instituições, nos anos iniciais, o grande uniforme napoleónico. Não obstante, os docentes militares das politécnicas usavam as fardas respectivas.

Novas instituições portuguesas de ensino como o Curso Superior de Letras (1859) e o Instituto de Agronomia e Veterinária (1864) não se mostraram receptivas a insígnias, rituais académicos ou trajes para alunos e docentes. A casaca preta/calça comprida/colete/cartola/chapéu de coco, com o indispensável complemento de bengala de castão de prata, terão sido os elementos vestimentários laico-burgueses mais celebrados por este tipo de instituições que não se reviam no modelo talar conimbricense.

Nos alvores da década de 1850, concretamente em 1852, a Rainha D. Maria II foi recebida pelos lentes da Academia Politécnica do Porto em casaca preta, colete, calças compridas, sapatos e meias de seda ,a que não terá faltado a indispensável cartola [e bengala]. (…)



Confirmando o paradigma laico-burguês, docentes e discentes do Curso Superior de Letras e do Instituto de Agronomia e Veterinária entrariam no século XX de labita preta e cartola, costume de certa forma prolongado após a respectiva integração nas universidades fundadas em Lisboa após 1910.

As escolas de ensino técnico-profissional de agricultura, lançadas pela legislação fontista de 16 de Dezembro de 1852, e reorganizadas por Emídio Navarro (Decreto de 2.12.1886), não terão definido traje docente.

Quanto à Escola Nacional de Agricultura, aberta em Coimbra no ano de 1887, não se conhece prescrição de traje profissional para o corpo docente. Os alunos começaram a usar no dia a dia um pequeno uniforme composto por boné de pala ou barretina com pompom, colete e gravata, camiseiro à “farmer” e calças compridas . Nos dias de gala optavam por um grande uniforme à lavrador, cujo figurino era o mesmo do chamado traje português masculino de equitação . O primeiro destes dois conjuntos gozava de acrescido prestígio junto das quintas britânicas oitocentistas de agricultura experimental, e foi desde cedo institucionalizado em Portugal como farda dos menores internados em casas de correcção instaladas em quintas agrícolas como Vila Fernando (1895), e posteriormente na Penitenciária de Lisboa (1913 e ss.) e na Colónia Penal de Sintra (1915 e ss.). O mesmo tipo de camiseiro seria adoptado desde ca. 1900 pelos “juízes” do Tribunal de las Aguas de Valência.

Foi com um pequeno uniforme deste tipo, à base de calça comprida, camiseiro de cotim, bota de montar e barretina à cadete com pompom, que a primeira fornada de formandos da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra se fez fotografar em 1892. A pasta de ganga esverdeada, com fitas largas verdes e brancas surgiria alguns anos mais tarde .

Situação próxima da referida terá sido vivenciada pelos alunos e docentes das escolas industriais de ensino médio (Decreto de 30.12.1852), cuja rede regional atravessaria um processo de intensificação quando António Augusto Aguiar liderou a pasta das Obras Públicas . Aqui, a opção terá recaído na articulação de um conjunto prático civil (calça comprida/camisa) com um boné de pala e uma bata, conforme usança oficinal nas escolas francesas de artes e ofícios mecânicos. Ao longo da primeira metade do século XX, os alunos da Escola Industrial Brotero, de Coimbra, ficariam conhecidos pelo apodo “lagarto azul”, graças ao fato de ganga ou fato de macaco oficinal que não sendo uma farda acabava por funcionar como tal .

Estabelecimento de ensino médio era também o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, filho do Decreto de 25 de Janeiro de 1894, substituído após 1911 pelos Instituto Superior Técnico e pelo Instituto Superior de Comércio, para o qual não foi definido traje profissional. O mesmo acontecia com o Instituto Comercial do Porto, criado pelo Ministro João Franco em 1891 .

É tardiamente, em 1889, que os alunos do terceiro ano da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, se lançam no uso da capa e batina, traje que possivelmente já seria envergado pelos escolares do Liceu do Porto . A formação da Tuna Académica do Porto, por 1890, com alunos do liceu, da Politécnica e da Médico-Cirúrgica, o nacionalismo fervilhante gerado pelo Ultimatum e requentado pelo 31 de Janeiro de 1891, e o debutar de festividades carnavalescas e de fim de ano (Enterro da Farpa, Festa da Pasta) , terão ajudado a sedimentar a capa e batina na cidade do Porto.

O etnólogo José Leite de Vasconcelos, antigo aluno da Médico-Cirúrgica do Porto, mostrar-se-ia hostil ao uso da capa e batina nas escolas politécnicas portuguesas e liceus . E com Vasconcelos estariam muitos dos liberais de oitocentos que assumiam como traço identitário o fato masculino burguês usado nas cidades ocidentais.

Em Lisboa, o ambiente propiciatório da constituição de tunas académicas e o empenhamento dos estudantes em causas públicas após o Ultimatum terão contribuído para a naturalização da capa e batina entre os liceais e politécnicos.

Seria a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa a dar o passo em direcção ao grande e ao pequeno uniformes, mas restringindo-os ao corpo docente. O Decreto de 1 de Outubro de 1856 adoptava a título de pequeno uniforme de porte quotidiano uma toga preta talar, de um corpo, em grande parte resultante da fusão da beca judiciária portuguesa com a toga de advogado, lacinho branco, cintura de borlas pendentes, sapatos pretos de fivela e barrete cónico; e um grande uniforme napoleónico, à base de casaca militar azul escura, com bordados a ouro, gravata e colete brancos, calça comprida azul escura avivada a ouro, bicórnio emplumado e espadim .

Não existiam diferenças dignas de nota entre o grande uniforme descrito e o traje dos diplomatas ocidentais , ministros e conselheiros de estado (França, Portugal, Espanha, Itália), Real Academia das Ciências de Lisboa ou o “habit vert” do Institut de France. Um ano decorrido, o Decreto de 15 de Setembro de 1857 estendeu estes dois trajes profissionais à Escola Médico-Cirúrgica do Porto . Na viragem do século, o Decreto de 6 de Fevereiro de 1902 alargou o conjunto talar referenciado à Academia Politécnica do Porto, precisando que as rosetas peitorais da toga fossem nas cores das especialidades científicas ministradas naquele estabelecimento de ensino.

A militarização imagética das academias científicas e dos politécnicos inscrevia-se num conjunto de representações liberais e descristianizadoras, reunindo amplos consensos entre as elites ocidentais que vociferando contra a hegemonia espiritual católica se reviam no perfil heróico e disciplinado do militar fardado.


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No caso de Coimbra, o abolicionismo periodicamente reclamado, não se confinava a mera parusia niilista. Um horizonte imaginário de símbolos alternativos à batina, aos calções, ao colarinho raso e ao cerimonial tradicional piscava o olho à labita burguesa e às fardas militares. Quanto ao destino a conferir à capa, o romantismo estético pululante reservou-lhe lugar especial no imaginário masculino das vivências anónimas e do heroísmo individualizado. A gesta de capa e espada, muito enraizada na centúria de oitocentos, e depois apropriada pelo cinema de aventuras de Hollywood, não concebia um prestidigitador, um Drácula, um Fantasma da Ópera, um Zorro ou um Superman sem capote ou capa esvoaçante . Eça de Queirós, também ele, não concebeu Antero de Quental a discursar revoltas no adro da Sé Nova de Coimbra sem a romântica capa negra a descair pelo ombro .(…)


Concluído o périplo pelos estabelecimentos de ensino técnico-profissional fundados em Portugal entre 1836-1910, pode dizer-se que à data da Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910 o traje militar fora oficialmente adoptado nas médico-cirúrgicas e politécnicas de Lisboa e Porto (traje docente de gala), e em versão mais modesta no Real Colégio Militar (traje discente).

Mas não nos deixemos ludibriar perante este aparente fracasso do paradigma napoleónico naturalizado nos países ocidentais não abrangidos na esfera da cultura escolar anglo-saxónica. Relendo com atenção a literatura de época e visualizando as fotografias disponíveis, rapidamente se conclui que na UC, nas Médico-Cirúrgicas e nas Politécnicas de Lisboa e Porto, o traje militar masculino fora reconhecido aos alunos como equiparado a “traje académico” para efeitos de frequência de aulas, exames e cerimónias.


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 Contrariando a hipótese pró-farda, os alunos das escolas comerciais e industriais viveriam um século XX com bata funcional e fato de macaco vestidos apenas em contextos oficinais. Nos liceus manteve-se até à década de 1960 a herança masculina da capa e batina herdada da UC.

Seriam ainda os liceus de Lisboa e Porto a inventar espontaneamente entre 1915-1916 o traje feminino, à base de tailleur saia-casaco e capa, o qual só muito tardiamente entrou nas universidades: na do Porto em 1946, pela mão das alunas sócias do Orfeão; na de Coimbra em 1951, devido à acção das sócias do Teatro dos Estudantes, seguindo-se generalização não pacífica decretada pelo Conselho de Veteranos em 1954.

Após a criação das universidades de Lisboa e Porto, os alunos portuenses ligados à tuna e orfeão adoptaram desde 1911-1912 a capa e batina dos conimbricenses, seguindo-se uma adesão generalizada a partir de 15.03.1916. Em Lisboa, o uso da capa e batina ficaria duradouramente restringido aos liceus e a franjas de alunos da Faculdade de Direito então situada no Campo de Santana. Na vizinha Faculdade de Medicina, o uso de capa e batina seria bem menos expressivo do que o filme A canção de Lisboa (1933) parece deixar antever .(…)

 António M. Nunes, In Blogue Virtual Memories, Património vestimentário e insigniário conimbricense artigo de 28 Agosto de 2009.



NOTA: Sobre o papel dos estudantes da República da Ladeira do Seminário, em Coimbra, diz-nos A. Nunes que o “ que os “ladeiras” fizeram foi hiperbolizar o uso ostensivo de coletes de seda multicolores (brancos, vermelhos, cinzentos, em brocado ou seda enramada) que exibiam trazendo as carcelas das batinas desabotoadas. Pareciam noivos em dia de casamento. Não reformaram nada no traje.



O actual figurino da capa e batina de matriz conimbricense, variante masculina, tem a sua origem nas transformações implementadas pelos adeptos da Greve Académica de 1907, que logo se começaram a generalizar na Academia de Coimbra: sobrecasaca preta desabotoada, lapelas dobradas em V sobre o peito e forradas de cetim preto, capa enrolada no colarinho ou deitada no braço ou no ombro direito. Em 1910 os liceus e a Universidade do Porto adoptaram as propostas dos conimbricenses.



O actual modelo de traje feminino, embora tenha começado a usar-se em 1915 nos liceus de Lisboa, só ganhou a feição actual por 1945 quando passou a ser usado pelas estudantes membros do Orfeão Universitário do Porto.”