quinta-feira, 24 de abril de 2014

Notas aos Rasgões na Capa - Origens e significados


Capas rasgadas são hoje tidas como expressão máxima da veterania e vivência académicas, pejadas, dessa forma, de significâncias, testemunho de amores, amizades, beijos…….. “and so on”.

 De onde vem essa tradição dos pequenos rasgões na capa ou mesmo do grande rasgão a meio desta?

 Não sabemos qual a ideia que presidiu ao início desse costume, mas não enjeitamos que possa ser, uma vez mais, o romantismo histórico (muitas vezes cheio de clichés e falsos mitos) a repescar a ideia dos antigos veteranos e seus trajes puídos e rotos, na longa tradição do sopistas (daí derivará, entre outros, o mito de não se lavar a capa, por exemplo, de que já falámos anteriormente).

 Nos anos 80, essa ideia era muito cultivada, sendo esse saudosismo que esteve na origem do interesse e reabilitação das antigas tradições que tinham sido particamente esquecidas após o Maio de 1969. Veja-se que até no Brasil a ideia do rasgão carrega esse simbolismo:

 "Ele seguiu a velha tradição universitária— que o rasgão é uma glória e a tomba na bota uma respeitabilidade!"[1]

Bem sabemos que, ainda hoje, existe essa ideia e tendência, nos mais jovens, de aparentar mais idade, maturidade e experiência, como que para conferir um qualquer status quo, um ascendente social ou apenas impressionar as caloiras.
Aliás, nem é preciso ir mais longe que basta atentarmos no que nos diz a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira:

 "(...) tanto mais que o uso consagrou como mais digno de apreço e mais graciosa a capa ou a batina com mais rasgões e remendos, mais velha e menos elegante, caprichando assim, precisamente, os estudantes, num pecado de aparência boémia descuidada ..."[2]

Esse saudosismo pela “res antiqua” não foi um exclusivo dos praxistas dos anos 80 e 90. Ainda na esteira do romantismo do séc. XIX, desse gosto pela história, temos os estudantes de início do séc. XX, em plena 1ª República (muito avessa às praxes, diga-se) que pretendem reabilitar as velhas tradições entretanto interrompidas com a greve académica de 1907 e, depois, fortemente cerceadas pelas autoridades, pouco dadas àquilo que, em muitos círculos, era tido como prova de retrocesso civilizacional.

Contudo, a aurea em torno do imaginário do estudante boémio e aventureiro, herdeiro dos antigos goliardos, a irreverência característica de quem está sempre, de alguma forma, contra o status quo social, dita o ensejo de recuperar a mística de outrora, reclamar para si a defesa de uma cultura própria, secular tradição, inalienável direito de governarem os seus destinos:

 "E quando aparece este desejo de ressurgimento? Precisamente quando se tinha chegado ao extremo oposto, de se haverem desprezado tanto aquelas velharias que ate a capa e batina quasi a ser abolidas e com elas ridícula preocupação de se considerarem tanto mais honrosas para quem as vestia, quanto mais rasgões tinham mais sêbo as enodava"[3]

 Mas até onde recua a origem dos rasgões na capa?
Não é fácil responder inequivocamente, mas alguma luz podemos lançar sobre essa prática a que sistematicamente se fizeram alterações ou upgrades.

Pensávamos, inicialmente, que o costume teria origem pelos anos 50, pois, segundo os dados colhidos e a falta de testemunhos e documentos anteriores a essa década, apontavam para tal.
O amigo Zé Veloso, no blogue “Penedo d@ Saudade”, dizia a esse respeito o seguinte:

 “(…) e ter-se-ão inspirado no franjado do xaile para começar a rasgar as suas capas? Eu vou por aí! Como dizia o poeta, "transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar".
No meu tempo de Coimbra – onde as colegas tinham tomado já o lugar que antes fora das tricanas – dizia-se que cada franja da capa correspondia a uma conquista, ainda que de um fugaz beijo se tratasse. E os mais gabarolas retalhavam as desgraças capas, quais pistoleiros do Oeste enchendo de mossas as coronhas dos revólveres.
Na Coimbra universitária de hoje, onde a mulher está agora em maioria, é natural que o significado seja já outro.
Tendo feito a pergunta a algumas raparigas estudantes, apurei que os rasgos podem ter significados vários, ou mesmo nenhuns, mas há um detalhe interessante, uma vez mais ligado às lides amorosas: quando se namora, faz-se um grande rasgo pela capa adentro e, se o namoro acaba, coze-se o rasgo com linha da cor da Faculdade!
Estranho costume este! Parece querer mostrar que para os males de amor sempre haverá remendo. Mas que das cicatrizes ninguém se livra…”. [4]

 Vemos, pois, por este testemunho, de quem trajava capa e batina, ainda no liceu, nos anos 50, que nessa época os rasgões eram conotados a conquistas amorosas, contudo não existia a tradição do rasgão a meio da capa, tanto que tal é tido como sendo um “estranho costume”.

Não é fácil encontrar a origem exacta da prática dos rasgões, mas podemos balizar com recurso a testemunhos e documentos que vamos retirando do anonimato.
Não confundamos, é preciso sublinhar, com as referências existentes a rasgões feitos como resultado de agressões (onde os caloiros erram sovados e suas roupas saíam muito mal tratadas das caçoadas mais ferozes. Existem relatos de capas e batinas rasgadas em resultado dos "encontros" com as trupes, mas não podemso mistura ro rasgão feito de livre e espontânea vontade com os que são consequência de agressões sobre o indivíduo e sua indumentária ou do desgaste natural do traje (e alguma traça, diga-se também).
Segundo o Zé Veloso, era já comum, nos anos 60, verem-se, nomeadamente os rapazes, alguns cortes na capa, com efeito, diz-nos que "Não era vulgar ver-se uma capa completamente franjada – que as havia – mas uma capa com meia dúzia de rasgos era perfeitamente banal, rasgos que teriam um comprimento de 5 a 15 cm, sendo feitos à mão".

Atentemos, por exemplo, no que a propósito deste assunto (que colocámos na facebookiana “Tertúlia do Penedo d@ Saudade”) que respondeu João Portugal Vieira:

  O meu avô que era dos Paxás no início dos anos 50 embirra solenenemente com os rasgões, tanto ele como o meu tio Beça dos anos 30 e o Dr. Virgílio dos anos 20/30 não percebiam de onde tinha surgido a coisa. Parece-me que surgiu de forma muito minoritária algures nos anos sessenta, e foi popularizada nos anos 70 quando apareceu num álbum da série francesa de banda desenhada Michell Vaillant. Quando entrei ainda todos usavam os rasgões de namoradas, noivas, e amizades, até que o Conselho de Veteranos (ou no tempo do Gama ou do Cabral, já não me lembro) fez um panfleto em que dizia que não havia nenhum fundamento para esta tradição, e cada um começou a fazer como lhe apetecia.[5]

 Segundo este testemunho, parecia credível avançar que os rasgões nas capas não existiriam antes dos anos 50, contudo parece ser este testemunho expressivo daquele tipo de estudantes que não achavam grande piada à forma, por vezes exagerada, com que certas capas apareceriam cortadas.
Também significará, porventura, que, conforme as épocas, se aderiam mais ou menos a esse costume ou que só certas franjas e grupos estudantis o praticavam.

O que sabemos é que esse costume é citado no Código da Praxe de 1957, cujo art.º 73 refere, a certa altura "(...) capa preta, com ou sem cortes na parte inferior...", conferindo-lhe lugar como sendo da Praxe, ou seja da Tradição.
Mas podemos regressar mais (e fá-lo-emos até ao séc. XIX) no tempo.

Como inicialmente disséramos, julgávamos serem os anos 50 o alfobre desse costume, mas afinal não é bem assim.
Segundo o que escreveu José Anjos Carvalho, transcrito por Octávio Sérgio, no seu blogue “Guitarra de Coimbra, sobre os costumes estudantis do Liceu de Évora:

 “Na década de 40, quando por lá andei, havia sempre duas récitas anuais, a do 1º de Dezembro e a das Festas da Primavera, em 9 ou 10 de Junho.(…)
Por vezes havia o seu corte de cabelo, muito pouco e, sobretudo, muito raro. Os rasgões na base da capa eram uma prática bastante habitual..”[6]

Seguindo o que acima se lê, o costume existiria nos anos 40, embora sem sabermos ainda qual o significado na época.

Ainda no que concerne o Liceu de Évora, deparámo-nos com um documento que nos faz recuar para os anos 30, mediante uma foto publicada no blogue “Virtual Memories”, do ilustre historiador António M. Nunes, a qual retrata um grupo de estudantes do Liceu de Évora. Nesse cliché, o rapazinho da esquerda parece apresentar uma capa com muitos cortes.

Não negamos a surpresa, pois anteriores investigações nossas nos tinham levado a observar dezenas de clichés de estudantes de capa e batina (muitos deles como membros de tunas) onde ainda não se vira qualquer capa com rasgões (o que indica que a prática não era um costume massificado, bem pelo contrário).

Escarafunchando mais um pouco, e com recurso ao já citado blogue “Virtual Memories”, encontrámos uma curiosa referência, que veio deitar por terra as nossas iniciais “certezas", quanto à antiguidade da tradição dos rasgões na capa.
Sobre o denominado “pequeno uniforme académico”, instituído na UC (embora sem obrigatoriedade de uso) a partir de 1870, quando descreve como é composto, diz-nos António Nunes, a certa altura que:

 “(…)-capa preta singela, em lã ou sarja, embainhada para os lentes, sem bainha para os estudantes amigos dos rasgões, colarinho raso, dispondo a dos estudantes de alamares, e a dos docentes de cordão de borlas ou de cordão simples.”[7]

 A atestar a existência da prática de rasgões no séc. XIX, temos outro indício, reproduzido nas muitas quadras que se faziam em torno do estudante de capa e batina:

 “Em meados do século XIX, os autores de quadras destinadas às danças das fogueiras do São João de Coimbra já se tinham apropriado da capa estudantil, cantando no “Malhão” (=Estalado): A capa do estudante/É um jardim de flores/Toda cheia de remendos/Cada um de seus amores , copla que na década de 1860 passou a ser cantada no novel Fado dos Estudantes Açorianos”[8]

 Esta referência, saída direitinha do famoso “In Illo Tempore”, de Trindade Coelho(p.259), não oferece dúvidas que o significado emprestado a esses rasgões estava, pois, ligado aos amores do estudante, embora não se consiga precisar se eram namoradas (conquistas consumadas/namoros oficializados) ou paixões não correspondidas (na senda das medievas “coitas de amor”).

 O facto é que se temos indícios do costume já existir em finais do séc. XIX e, depois, a reencontrarmos na década de 30 em diante, outros tantos temos que demonstram a sua ausência, por vezes de forma concomitente, o que nos diz que, e mais uma vez se sublinha tal, a prática não era adoptada por todos. Por outro lado, e citando o amigo Zé Veloso, Um costume pode sempre ser descontinuado e retomado décadas mais tarde; e tal pode muito bem ter acontecido nas conturbadas décadas do início do século XX.”

 "Estudantada" (Pintura/desenho de Faustino Rosa Mendes - artista de Santarém), 
Illustração Portugueza, II Série, Nº 698, de 07 Julho de 1919, p. 15 
(Hemeroteca Municipal de Lisboa)


Sabemos, por exemplo, que muitos costumes caem em desuso, ou cessam simplesmente em inícios do séc. XX. Notemos, por exemplo que o termo “Caloiro” era, ainda em 1899, a designação dada aos alunos de liceu que estavam no seu último ano (antes de ingressarem para a universidade) e que aos alunos do 1º ano se dava o nome de “novatos”. Ora, em 1905, ambos os termos eram sinónimos e atribuídos já ao estudante que frequentava pela primeira vez a faculdade (o 1º ano), segundo avança Manuel Prata.[9]



Certezas temos é que nos anos 60, e até ao luto académico que começa em 1969, a prática dos rasgões era amplamente conhecida e posta em prática, acabando retratado no álbum do Michel Vaillant, "Rali em Portugal", cuja primeira edição é de 1969, publicado em fascículos na revista Tintin e finalmente editado em álbum em de 1971 (sob o título original de "Cinq filles dans la course"), podemos observar, em várias tiras, as ditas capas rasgadas
A obra só chegaria a Portugal, como álbum em português, pela mão da Bertrand, em 1981.

Sobre isso, refere o colega Eduardo Coelho o seguinte:

 “ (…) Jean Graton, no álbum "Rallye de Portugal" (da série Michel Vaillant) põe Steve Warson (se não estou em erro) a perguntar a uma guia portuguesa, durante uma pausa do rally em Coimbra, o que significavam os rasgões na capa de uma estudante (capa bem rasgada, por sinal...), sendo-lhe explicado que cada rasgão correspondia a um desgosto de amor.
Bom, mas isso era um autor de banda desenhada belga, que imortalizou o traje académico nas páginas de uma das personagens mais famosas da escola belga :) E o autor normalmente documentava-se muito bem para a execução das suas obras. A Via Latina, por exemplo, está exemplarmente retratada”.[10]

Sabemos, pois, que a recolha de dados e informações ocorre antes de 1969, data em que se dá o luto académico e que o significado emprestado aos rasgões estava ligado a desgostos amorosos (que outros testemunhos de antigos alunos dessa época confirmam).

Veja-se a diferença entre o que nos anos 50/60 se dizia (que eram conquistas), para o que, anos depois, vigorava (amores frustrados).
Nos anos 70, o seguinte significado podemos observar:

 "A cada amor percorrido enquanto o infinito perdure corresponde um rasgão na bainha da capa negra do estudante."[11]

Contudo é nos anos 80, com a reabilitação das tradições académicas, que a moda se espalha pandemicamente e ganha N significados em simultâneo.

Com a massificação do Ensino Superior, e a invenção (quase sempre sem nexo) de pseudo-tradições e códigos, bastaram menos de 10 anos e já o significado dos rasgões era atribuído às amizades especiais, aos grandes amigos de faculdade, e vida académica, e vigorava já uma nova moda: o rasgão a meio da capa, destinado ao namorado(a) “a sério” (prontamente cosido se a seriedade descambasse em ruptura).

 Voltava, a propósito, a recordar a intervenção do Zé Veloso quando falava dos rasgões cosidos com linha da cor da faculdade, para dizer que, nestas ultimas duas/três décadas o que foi comumente doutrinado é que o rasgão reservado, a meio da capa, à namorada, se tivesse de ser cosido teria de o ser com linha branca.

De onde virá tal determinação?
Será isso uma inspiração na figura do João da Ega, da famosa obra “Os Maias”, de Eça de Queirós, que, como reacionário e contra as praxes, mostrava a sua irreverência, em jeito de provocação, cosendo a branco os rasgões de que ia padecendo, pelo uso, a sua batina?

 "Desde a sua entrada na Universidade, renovara as tradições da antiga Boêmia; trazia os rasgões da batina cosidos à linha branca;"[12]

Será essa a inspiração ou tratar-se-á de uma feliz coincidência?

Parece também estranho que em finais dos anos 80, inícios dos 90, as próprias estruturas da Praxe, na figura do Conselho de Veteranos (segundo testemunhou o João Portugal Vieira que cursou nessa altura), terem considerado essa prática como sem fundamento (chegando-se a distribuir um panfleto onde se dizia precisamente isso), apesar de já mencionada no código de 1957.

Poderemos dizer, se confessos defensores da sobriedade do trajar, que os rasgões não são algo propriamente estético e que não dão boa imagem de aprumo, dado que o Traje Nacional é, antes de mais, um uniforme, mas nem sempre as tradições ocorrem dentro da etiqueta e daquilo que é secundum praxis, havendo muitas vezes contributos que chegam por “via popular” - em oposição a uma “via erudita”, se permitem a analogia da área da linguística.

Mas a prática reiterada, pese embora os significados da mesma mutarem ciclicamente, cristalizou-se e enraizou-se, sendo que conquistou o seu lugar como tradição académica (e muitos códigos mais recentes já contemplam isso, regrando o tamanho e a forma de se fazerem os rasgões).

Obviamente que é um costume ele próprio sujeito a desvios, como são disso exemplo os nós dados com as franjas/tiras resultantes desses cortes, como se observa em algumas latitudes, cujo significado se inventa na exacta medida daquilo que se desvirtua.
Pior então são as tranças que vemos em algumas geografias, e que são um prova fidedigna da tonteria, da ignorância e do desrespeito total pela tradição.

Notemos, por exemplo, que nos anos 90, entre os significados dados aos rasgões, aparece um totalmente novo e divergente do até aí entendido, ou seja que os cortes corresponderiam aos fracassos escolares, aos chumbos:

"É composto desde finais do século passado por calça comprida, colete e sobrecasaca, denominada batina por advir da primitiva ... A capa tem mais uma peculiaridade pois, a cada exame passado, corresponde um rasgão feito na extremidade, apresentando no fim do curso numerosos rasgões. Desta figura ressalta um apego ao valor do estatuto universitário e às praxes seculares da Academia."[13]

 Os rasgões, segundo a tradição, serão feitos com os dentes (num acto mais “personalizado”, se assim quisermos emprestar essa significância) e/ou porque usar a tesoura seria misturar um objecto que, em Praxe, serve para sanções, com um acto que é festivo.

A capa é, pois, guardiã de memórias, representando os tempos de mocidade universitária, cujos rasgões testemunham momentos singulares do exercício da cidadania académica:

"Capa pretas onde revejo
toda a minha mocidade,
cada nódoa é um beijo
cada rasgão uma saudade."[14]

Uma tradição, uma convenção, que perpassou a mera esfera da etiqueta e do protocolo ligados ao traje, chegando a capa rasgada a ser cantada pela própria canção coimbrã:

"A minha capa rasgada,
Espelho do coração,
Por te pedir p'ra seres minha
E dizeres sempre que não.

Lá no alto junto a Deus
Ouvi os anjos rezar
Cá na Terra junto a ti
Passei a vida a penar."

<
Sobre este vídeo disse o Eduardo Coelho, a 3 de Novembro 2012, no anterior artigo (inexistente, já) dedicado aos rasgões na capa:

“Grandes amigos a tocar e cantar. Adelino Miguel, um dos virtuosos portuenses (nacionais, diria eu) da guitarra, aqui a dar os seus primeiros passos... É vê-lo actualmente num projecto interessantíssimo -os "Fado em si bemol".
O Pacheco, o veteraníssimo Pacheco - um dos leões da Praxe e das tradições académicas cá do Douro... o Adalberto, na viola... a voz do Mário... Gente boa, gente boa.
Talvez não leiam esta mensagem, mas aqui lhes deixo um sentido abraço.
Fica este primeiro apontamento, a merecer mais aturada pesquisa, contudo já elucidativo para percebermos um pouco das nossas tradições, as curiosidades da mesma e suas nuances.”

Muito haverá ainda para dizer, pois se algumas questões puderam ser já respondidas, muitas outras carecem de novos dados e descobertas, desde se mantendo a mesma com que se iniciou este artigo: de onde vem essa tradição dos pequenos rasgões na capa?
Procuraram-se respostas, encontraram-se, simultaneamente, outras tantas questões.
Esperamos, ainda assim, que seja este artigo útil e um pontapé de saída para novas descobertas e actualizações.


[1] Ministério da Educação e Cultura  - Anuário do Museu imperial, Volume 36. do Brasil. Petrópolis, 1982, p.60.
[2] EDITORIAL ENCICLOPÉDIA - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXIII. Editorial Enciclopédia Lda, Lisboa - Rio de Janeiro,1936-1960, pp. 67-67.
[3] Revista - Illustração Portugueza, II Série, nº 558,de 30 Outubro 1916, p. 341.
[4] VELOSO, José - TRICANAS, XAILES E CAPAS. TRANSFORMA-SE O AMADOR NA COUSA AMADA…, in blogue Penedo d@ Saudade, artigo de 7 Abril 2010, [em linha] http://penedosaudade.blogspot.pt/2010/04/tricanas-xailes-e-capas-transforma-se-o.html
[6] [em linha] http://guitarradecoimbra.blogspot.pt/2005_09_25_archive.html , artigo de 01 Outubro de 2005.
[7] NUNES, António M. - Património vestimentário... (cont.) Do “talar” ao “casacar”, in blogue Virtual Memories, artigo de 4 de Setembro de 2009 [em linha] http://virtualandmemories.blogspot.pt/search?q=rasg%C3%B5es
[8] Idem - III - Património... (Académicos de toga e académicos de espada), in blogue
Virtual Memories, artigo de 28 Agosto de 2009 [em linha] http://virtualandmemories.blogspot.com/
[9] PRATA, Manuel Alberto C. - Rituais e Cerimónias, A Praxe na Academia de Coimbra. Revista da História das Ideias 15. Instituto de História e Teoria das Ideias, Faculdade de Letras. Coimbra, 1993,p. 170, em nota de rodapé nº 37.
[10] Post de 31 Outubro in https://www.facebook.com/#!/groups/penedodasaudade.tertulia/
[11] ALMADA, João - Biblioteca da História 33, Salazar, 1889-1970. Editora Três, Brasil, 1974.Cap. III - Em Coimbra, p. 61.
[12] LAGO, Sylvio - Eça de Queirós, Ensaios e Estudos 1. Biblioteca 24 horas.SP Brasil, 2010, p. 237.
[13] TEIXEIRA, Madalena B. - Trajes míticos da cultura regional portuguesa. Sociedade Lisboa, Lisboa, 1994,  p.105.
[14] PEREIRA, B., Joacil - A Vida e o Tempo. Memórias, Vol. I. União Superintendência de Imprensa e Editora, 1996.
Nota: a 1ª e última fotos são adaptações feitas a partir dos originais patentes em http://lm-sunshine.blogspot.pt/















Notas ao fim da capa e batina nos liceus

Sempre me intrigou o "súbito" desaparecimento da capa e batina dos estabelecimentos de ensino secundário - os antigos liceus.

Mais estranheza causa quando a adopção do traje académico resultou, na maioria dos casos, da persistência e de esforços continuados por parte da comunidade estudantil junto das autoridades educativas - e que redundaram na publicação de um decreto que autorizava (não obrigava) os alunos dos liceus a envergar capa e batina.

Na obra "Tuna Académica do Liceu de Évora" (Adília Zacarias e Isilda Mendes), lê-se, a pp. 34, o seguinte:

"No entanto, a política também não foi estranha a alguma quebra no uso do traje. Estão neste caso momentos como a implantação da República, o Estado Novo e o pós 25 de abril. 
A principal interferência no uso do traje académico, durante o Estado Novo, teve, sobretudo, a ver com o espírito da M. P. [Mocidade Portuguesa] que se traduz, por exemplo (...) na perseguição caricata ao uso da "capa e batina" (...) o que levou o deputado António Gromicho (que era também o Reitor do Liceu de Évora) a declarar na Assembleia Nacional: 
com o aparecimento da M.P. e com a expansão desta organização, estabeleceu-se uma certa confusão e equívoco, pois formou-se o mito, na minha opinião erradíssimo, de que o uso da capa e batina é um obstáculo à actuação da M.P. Dizia-se, e creio que continua a dizer-se, que o trajo (sic) académico representa ideias e costumes contrários às doutrinas daquela organização. (Labor, N.º 157, abril de 1956, p. 478)"

e, na p. 65, referindo-se ao lento processo de "passagem" da Associação Académica para a Mocidade Portuguesa:

"Ostensiva ou subreticiamente, a M.P. opunha-se às tradições [democráticas] que tão orgulhosamente os académicos [do Liceu de Évora] respeitavam e preservavam."

Será que o caso do Liceu de Évora pode ser extrapolado para todos os liceus nacionais da época?

Estamos em crer que sim, muito embora não disponhamos de dados tangíveis que nos levem a dar uma inequívoca resposta afirmativa.

No entanto, e tendo em conta que o processo de adopção é semelhante em todos os liceus (também nas antigas "províncias ultramarinas"), não vemos razão pela qual o processo, "filosofia" e sobretudo o agente da extinção do traje possa ou deva ser diferente caso a caso. O Liceu de Évora nem era o único a usar capa e batina nem o único a possuir estruturas estudantis democráticas. Temos, assim, que a Mocidade Portuguesa procurou (e conseguiu) insinuar-se como estrutura organizativa centralizada (e centralizadora) das actividades recreativas juvenis.

Por outro lado, cai por terra a argumentação dos que vêem na capa e batina um símbolo do regime fascista do Estado Novo - uma vez que o próprio regime via no traje académico um "obstáculo" e a representação de "ideias e costumes contrários às [suas] doutrinas".





















======================

ZACARIAS, Adília, e MENDES, Isilda M. Tuna Académica do Liceu de Évora (100 Anos de História e Tradições), [s.n.], Évora, 2012

As autoras escreveram de acordo com as normas do AO90, que respeitámos na transcrição dos excertos.

terça-feira, 25 de março de 2014

Notas ao Caloiro em/na Praxe


Um dos mais antigos preceitos da Tradição é que só está na/em Praxe (Lei Académica) quem está devidamente trajado, ou seja a condição de "praxista" (literalmente: aquele que observa a lei académica) implica, necessariamente, quando está na/em Praxe, usar do Traje Académico.

Ora perguntamos: caloiros à futrica estão na/em Praxe?
Resposta: por princípio NÃO! (caiu um bomba!)

 À luz da Praxe(da lei académica), assente na Tradição, não é lícito praxar caloiros que não se encontrem trajados.

 Desde que me lembra que os caloiros são praxados à futrica (eu fui-o e sempre os praxei assim também), muitas vezes porque se pensava, e se lhes disse, a partir de determinada altura, que não podiam trajar (ou, então, não se lhes disse, precisamente, que DEVIAM trajar).


[se me dissessem isto há uns largos anos atrás, era capaz de me dar uma coisa e espernear, embora não me furtasse, depois, calmamente, a ponderar e reconhecer a validade do argumento]

Um conceito erróneo já com várias décadas e que, contudo, nunca foi devidamente reflectido e posto em causa.



Caloiro sob trupe (foto diurna, pois era para publicar em Bilhete Postal Ilustrado)
in Illustração Portugueza, II Série, Nº 302, de 04 Dezembro 1911, pp.711
(Hemeroteca Municipal de Lisboa).

Uma trupe - Coimbra -P Borges, 1911 BNP, PI-5882-P
Tonsura a um caloiro, em desenho mural na Real República Rás-Teparta
Simulacro de um rapanço e de uma ida às unhas ao caloiro.
(os estudantes posando para Bilhete Postal Ilustrado) ca. 1911


Sabemos que já nos anos 60 se praxavam caloiros trajados ou não (os alunos de liceu, por exemplo, estavam sujeitos a praxe de trupe, como disso nos deu conta o Zé Veloso, estudante que lá fez o liceu, em finais dos anos 50, e cursou a universidade, nos anos 60), de forma indiscriminada, o que revela uma fase de transição, em que o antigo preceito (praxe a caloiros trajados) convivia com um novo (praxes a caloiros à futrica), com uma clara "desobediência"  pela tradição (pelo menos a que se registava até aos anos 50), quiçá movida, entre outras possíveis razões, pela irreverência de quem, até as suas próprias "leis", gosta de quebrar e, de certo modo, talvez (e sublinhamos o talvez), em razão das conotações que eram atribuídas ao porte da capa e batina, em certos círculos políticos e sociais.
Às vezes as práticas caem em desuso sem uma explicação muito clara, temos deconvir.
Ainda assim, convém dizer que, nesses tempos, e citando o  informe do amigo Zé Veloso,


"...aderir à praxe não era facultativo: a praxe era imposta a todos os alunos liceais e universitários, quer gostassem quer não. Não eram obrigados a usar capa e batina, a praxar, a usar grelo ou fitas. Mas estavam sujeitos a praxe de trupe (se bichos ou caloiros) e a ser mobilizados e praxados (se caloiros). Por estranho que pareça, era assim, e tanto a academia como a cidade aceitavam que as coisas assim se passassem, incluindo as autoridades civis, a polícia e os tribunais. ".

Ainda bem, estamos em crer, que o cariz obrigatório das práticas de praxe aos caloiros e liceais se foi perdendo, em razão da mudança de contexto e mentalidades, embora com ele também se tenham, paulatinamente,  desvanecidos alguns conceitos.



(Abrimos um 1º parêntesis para umas breves notas especulativas:
Muito se tem dito que usar capa e batina era ser conotado com o regime salazarista,, mas a verdade é que não era bem assim (como já disso demos conta AQUI).
Será que a perseguição aos caloiros sem traje era uma forma de "castigar", também, os que não pretendiam trajar, punindo aqueles que teriam aderido (ou simpatizado) às propostas "educativas" da Mocidade Portuguesa (para a qual a capa e batina era res subversiva), sendo, por isso, vistos como "inimigos internos da Academia" a precisarem de serem (re)educados; (re)doutrinados?
São conjecturas apenas.)

Mais tarde, depois, com o reabilitar das tradições, nos anos 1980/90, e com o uso do traje ainda quase reduzido a ilhas, era normal que as praxes ocorressem em pessoas que não trajavam (lideradas pelos poucos que trajavam).
Era normal, mas continuava a colidir com a noção basilar que acima sublinhámos.

(Abrimos um 2º parêntesis para deixar claro que a Praxe, é feita de cristalizações, avanços e rupturas. Muitos costumes foram caindo em desuso, normalmente por se ver neles algo que não era adequado à época e valores vigentes. Contudo, aquilo a que se tem vindo a assistir é ao desuso não por ser considerado inadequado, mas pelo hiato temporal que constituiu o luto académico, e que promoveu o desconhecimento da Tradição, quando esta foi "repescada")


Actualmente, o uso do traje está muito mais universalizado e disseminado, contudo, desde os anos 80/90, registou-se, com o crescimento da adesão ao traje, uma doença (mutação assente em estupidez e ignorância) que foi minando os próprios alicerces da Praxe: proibir caloiros de trajar (elevada a “lei” em muitos codigozinhos de treta), o que, desde logo, também implica que esses trajes deixem de ser, de facto, “académicos”, pois retiram-lhe, exactamente, a sua função histórica e primária: identificar o estudante (e caloiro é estudante), como já neste blogue abordámos (ver AQUI).

Dir-me-ão que, hoje em dia, o traje não é de porte obrigatório e que, por isso, os caloiros se furtariam a usá-lo (logo de início) só para não serem praxados.
Pois é, é um direito que lhes assiste, tal como aceitarem, ou não, serem praxados (sem que isso possa ter consequências sequer). Mas creio ser argumento erróneo, pois se as praxes sempre existiram, tal nunca impediu os caloiros de trajarem (mesmo depois da abolição do porte obrigatório), até porque um dos maiores sonhos do caloiro, por princípio, é precisamente o de poder trajar (porque, ele sim - o traje, é o primeiro e mais forte elemento integrador, o principal elemento iconográfico expressivo de pertença e identificação da sua condição).

Voltamos a sublinhar que o porte obrigatório do traje já foi abolido há cerca de 100 anos, o que não impediu os caloiros (e liceais) de continuarem a trajar durante décadas (ininterruptamente até à década de 1960), pelo que sempre houve praxes a caloiros trajados, como era próprio, secundum praxis, como sempre tiveram gosto em fazê-lo, sem precisarem de dar provasde um qualquer merecimento praxístico (quando o merecimento resulta, apenas e só, do seu mérito académico, que os colocou na universidade).

 Diamantino Calisto recorda o seu tempo de novato (caloiro) dizendo:

 “Em 1901 – 17 de Outubro, salvo erro -  apresentei-me na Universidade com a minha capa e batina “rota e velhinha” (…) atravessei a “Porta Férrea” sem apanhar o “canelão” a que já me referi, isto é, sem apanhar como “caloiro” que era, pastadas na cabeça e nas costas e pontapés ou caneladas acompanhadas das respectivas assuadas, e sem, tão pouco, já dentro da Universidade, ser troçado”[1]

 Alberto Costa (ex Pad-Zé) dizia do seu tempo de novato:

 “Já então desfrutava de uma certa popularidade (…)  minha audácia de entrar a porta-férrea sem protecção, desafiando o coice segundanista, a descarada resistência que opunha às troças, de que o veterano saía por vezes com trombuda cara de caloiro (…)Para mais, eu era o preferido de uma apetitosa tricaninha do Bêco dos Militares, a quem um lente de Direito “fazia bem”, e que me cosia a capa e batina nas ausências recatadas do catedrático.”[2]

 Por sua vez, Antão de Vasconcellos narra, nas suas famosas memórias, o episódio de um famoso caloiro, de seu nome “Bica”, num desacato com alguns veteranos:

 “O Bica tirou a capa e com ella dobrada a meio, como arma de combate, a única de que dispunha, rompeu o cerco e, recuando, disputou palmo a palmo o terreno, até que pôde esgueirar-se com a capa em petição de miséria…..não o apanharam!!”[3]

Também em Barbosa de Carvalho[4], encontramos a seguinte passagem, referente à exploração do caloiro por parte dos veteranos, a quem se vendia um traje em mau estado ou má qualidade, ainda que exigindo pagamento como se fosse pano de 1ª qualidade:

 “Já o José Vitorino se abrigou indevidamente á sombra deste principio, impingindo a um caloiro certa batinade má fazenda, muito para lástimas e com buracos, por preço exorbitante e desmedido.”

Por fim, também em Trindade Coelho[5], a referência a caloiros trajados:

 “…porque nos apareceu no 1° ano um fedelhote e formou-se não tendo ainda na cara sinais de barba! Era Além disso muito branquinho, muito coradinho, muito tenrinho e um quase nada louro, e andava sempre com a sua capa e batina muito escovadas e a risquinha do cabelo muito bem feita!”
(...)
 “Eu, por exemplo, enverguei uma batina no dia em que cheguei a Coimbra, pus-lhe por cima uma capa – e capa e batina foram elas, que me fizeram a formatura!”

R. Salinas Carvalho refere, quanto a ele, enquanto caloiro (1991-12), o seguinte:

“Éramos todos doutores, mesmo em caloiros [para a população]
(…)
O nosso traje era a capa e batina, e a farda de cavalaria para o Alvim , louro e garboso cadete, de bicha dourada, e duas estrelas de metal amarelo, de segundanista e o pequeno barrete militar, “taxinho”, sem pala com francelete de verniz prêto”[6]



São apenas alguns excertos que ilustram um facto que desmonta as muitas estórias, ficções e invencionismos.


Trupe praxando um caloiro
In Estudantes de Coimbra e a sua Boémia,  Ilustração, Ano 6, Nº 141, de 01 Novembro de 1931, p.22
(Hemeroteca Municipal de Lisboa).
Tonsura de um caloiro por elementos de uma trupe.
Pintura mural de finais da década de 1950 que existiu na extinta República dos Paxás
Caloiro protegido pela pasta do veterano, escapando, assim, ao canelão.
In "Estudiantes de Coimbra",  Revista Estampa Ano 9, nº 437, 30 Maio 1936,.Madrid. p3
Caloiro alvo de praxe (no que parece ser um rapanço)
In "Estudiantes de Coimbra", Revista Estampa Ano 9, nº 437, 30 Maio 1936,.Madrid. p.3


Por outro lado, não enjeitemos o facto do uso do traje ser, desde há décadas, facultativo, o que nunca foi causa do abandono do traje, pelo que o argumento de que os caloiros só aderem ao traje porque esse gosto é miraculosamente incutido por "obra e graça" das praxes, não tem qualquer sentido.


Hoje em dia vestem a “fatiota” especialmente para poderem praxar? Fazem mal, enfermando esse propósito um enorme erro atitudinal, pois o traje não tem por finalidade praxar, pois praxar é apenas uma premissa decorrente do seu uso e do estatuto de já ser "doutor".

Como muitos estarão agora a pensar, exercer certos ritos em caloiros trajados iria, desde logo, colocar reservas a certas práticas, muito por causa (e bem), do respeito que nos deve um traje académico.
Assim, só alguém verdadeiramente sem respeito e sem escrúpulos se atiraria a, por exemplo, conspurcar um caloiro, envergando o uniforme estudantil, com aquelas mistelas do "costume", a mandá-lo deslizar ou rebolar na lama, rastejar em excrementos, etc.

 E quão bom isso seria, para a dignificação da Tradição, até porque essas "brincadeiras" estupidificantes não têm registo na Tradição (excepto na acefalia pandémica que se iniciou a partir dos anos 80 do séc. XX). Aliás, nenhuma obra de referência ou literatura especializada cita, como próprias ou lícitas, praxes que incluam farinha, ovos, molhos, perfumes, pinturas…………….. citam muitas outras práticas - algumas verdadeiramente bárbaras, entretanto abandonadas[7], mas não esses actuais preparos que passaram a ser as praxes em que muitos se especializam e acham ser preciso fazer uma qualquer recruta para estar apto à idiotice.

O caloiro tem o direito inalienável a trajar desde que se matricula no Ensino Superior. Faz, tal, parte do livre direito do exercício da sua cidadania académica ,conferido por um estatuto que decorre exclusivamente da sua condição de aluno universitário (condição essa que não é determinável por nenhum organismo praxístico, mas apenas pela instituição de ensino cursada e ministério da tutela, pois o acto de matrícula, e mesmo o reconhecimento de matrículas, não é da jurisdição da Praxe).


Representação do caloiro sob domínio do doutor.
In Leis extravagantes da Academia de Coimbra ou código das muitas partidas
de Barbosa de Carvalho (1916), logo na 1ª página.
Quartanista Grelado de Direito(à esquerda) e Apadrinhamento de um Caloiro (à direita).
 Pintura de Varela dos Reis, feita na República dos Paxás, anos 50.


A Praxe sempre consagrou a praxe aos caloiros sem nunca referir que pudessem estar “à futrica”, precisamente porque ela parte de uma premissa básica: a lei aplica-se a quem a ela adere, e isso começa exactamente por "vestir a condição".

Ora a condição primárias é a identificação do foro académico, tal só possível pelo uso do traje – que existe exactamente para expressar esse status quo.

Não que quem traje tenha obrigatoriamente de aceitar ser praxado ou tenha o dever de praxar (praxar, ou ser praxado, é tão só um direito, nunca dever), mas é a condição sine qua non envergar o traje académico, para poder (caso queira), também, exercer esse direito.


 ADENDA - para os que acham, nesciamente, que hoje em dia os caloiros não "saberiam" trajar e precisariam aprender a fazé-lo, bem como ganhar o gosto pelo uso do traje (pelos vistos só possível por “obra e graças das praxes”), sob o argumento tonto de que a única coisa que os caloiros sabem de praxe é o que ouviram dos outros (supostamente as parte piores):

que dizer dos jovens liceais que, desde os 16 anos trajavam (e ainda trajam em Évora e Guimarães), sem que a sua tenra idade os impedisse de o fazer devidamente ou ter gosto (e respeito) no seu uniforme?

E os pobres finalistas do 12º ano que, para o baile de finalistas, vão de fato e gravata? Tiveram de ir a uma escola de modelos, fazer um curso num alfaiate ou ler um qualquer tratado régio de "bem vestir em toda a sala"?

TAMBÉM nunca ninguém ensinou um jovem mancebo a usar o uniforme militar (os vários que se usavam durante o tempo de tropa), e certamente que também ouviu muitas histórias sobre quem lá andou.
Precisou de fazer a recruta de jeans e t-shirt para aprender a vestir umas calças, sapatos, camisa, gravata, casaco e boina?

Pois...........



[1] In CALISTO, Diamantino – Costumes Académicos de Antanho, 1898/1950. 3º Milhar, Imprensa Moderna. Porto, 1950, pp. 71-72
[2]In COSTA, Alberto – O Livro do Doutor Assis, 9ª edição, Livraria Clássica Editora. Lisboa, 1945, p. 35
[3]n VASCONCELLOS, Antão – Memória do Mata-Carochas, in meo tempore – Empreza Litterária e Typográphica editora. Porto, 1906, p. 380
[4]CARVALHO de, Barbosa - Leis extravagantes da Academia de Coimbra ou código das muitas partidas. Livraria Cunha. Coimbra, 1916, p.59
[5] In Illo Tempore, Estudantes, lentes e futricas. Livraria Aillaud & Cª. Paris-Lisboa,1902. Citações extraídas das páginas 53 e189, respectivamente.
[6] CALADO, R. Salinas – Memórias de um estudante de Direito, Coimbra Editora Ldª, 1942, p.140
[7] António Macedo, no seu livro “Da Academia do meu tempo aos estudantes de amanhã” (Livraria Internacional. Porto, 1945) refere, às páginas tantas (neste caso na 19) que “Praxistas e anti-praxistas lançaram na mesa os seus trunfos e a “praxe” foi vencida nos seus aspectos degradantes ou de humilhação e atenuada em outros, como na prática inconcebível – e que pelo exagero chegou a ser monstruosa – da “tourada ao lente”…”.




Notas ao Estudo dos Costumes Académicos

Vale a pena trazer à liça o seguinte artigo do nosso muito estimado amigo, António M. Nunes, historiador e consagrado especialista em tradições, protocolo e etiqueta académicas.
Importa em razão da reflexão feita sobre praxes e costumes académicos que, durante tantos anos, foram um "não-tema" na agenda académica.
Hoje, e de há uns quantos anos a esta parte, são já vários, e bons,os estudos e teses sobre estas matérias, permitindo (re)descobrir o património cultural estudantil, de forma mais científica e fundamentada.

Costumes académicos de Coimbra, registados em 1909,
in  Ilustração Portuguesa, Nº 161, de 22 Março 1909, p361

Costumes académicos de Coimbra, registados em 1909,
 in  Ilustração Portuguesa, Nº 161, de 22 Março 1909, p361



"O Leão de Camões

O leão de Camões, inaugurado junto ao Paço das Escolas em 1880. Apontamento de uma fotoreportagem sobre os costumes académicos de Coimbra. Rara figuração do estudante "urso". Por desconhecimento resultante da falta de viagens a outras instituições de ensino superior estrangeiras e de escassa circulação de literatura especializada, as tradições estudantis de Coimbra tendiam a ser vistas nos inícios do século XX como singularidades e casticismos, quando em bom rigor:a) sob diversas formulações e variantes também eram praticadas nas universidades da Alemanha, Suécia, Bélgica e nas faculdades de direito do Brasil;

b) tinham vindo a alastar aos liceus portugueses, ganhando mesmo colorações marcadas pela originalidade (é dificilmente aceitável hoje que nada se soubesse e dissesse sobre as festas Nicolinas dos estudantes do ensino médio/liceal da cidade de Guimarães, ou sobre a popular Festa do Galo das escolas primárias);

c) grande parte dos rituais cíclicos iniciático-punitivos conhecidos em Portugal por praxes, e no Brasil por trotes, eram comuns às escolas militares e quarteis castrenses (ritos iniciáticos, partidas e troças, hierarquias, alcunhas, formas de tratamento, punições);

d) diversas tradições já bem radicadas ou em fase de implementação/invenção em inícios do século XX eram semelhantes às festividades cíclicas realizadas pelas comunidades tradicionais de Portugal, Espanha, Brasil, Bélgica, Itália (caso dos corsos carnavalescos, batalhas de flores em carruagens floridas, queimas e enterros os mais variados).

Nos últimos anos, no Brasil, as faculdades de psicologia e ciências da educação promoveram importantes estudos sobre as vivências estudantis e os trotes (praxes) associadas a processos de afirmação dos matriculandos da classe média e à construção de identidade(s). Indêntico interesse ocorre em França, conquanto colocando a tónica nas relações de poder, nos mecanismos de controle social, nas relações de género e na sempre difícil equação integrar/não integrar, respeitar os direitos humanos/violentar os direitos humanos.
No tempo em que frequentei a Universidade de Coimbra, o professorado rejeitava ostensivamente qualquer hipótese de inclusão destes temas na agenda académica. Havia excepções, é claro, como o saudoso Prof. Joaquim Ferreira Gomes que estudou as instituições de ensino superior, os laboratórios de investigação, os equipamentos científico-laboratoriais, a feminilização do ensino superior e orientou a tese de doutoramento de Manuel Carvalho Prata sobre a academia de Coimbra entre finais do século XIX e os anos inaugurais do século XX. Hoje em dia, esta visão primária e preconceituosa começa a desaparecer. Assimilada a lição bourdieuana, nos últimos vinte anos a sociologia interessou-se pelo estudo dos costumes estudantis. Os investigadores das ciências da educação começaram a explorar os manuais de civilidade e não tarda passarão aos trajes académicos, ritos, festividades, códigos de praxe e instrumentos de construção da identidade do homus academicus. É o que parece anunciar o IX Congresso Luso-Brasileiro de história da Educação, Rituais, Espaços e Patrimónios Escolares que terá lugar em 12-15 de Junho 2012 na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa/Instituto de Educação (http://colubhe2012.ie.ul.pt/).
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 161, de 22.3.1909

Alguns exemplos:
AAVV - A festa. In: Vértice, n.º 28, Junho de 1990, pp. 7 e ss. (diversos artigos sobre festividades e costumes académicos).
ALBUQUERQUE, Carlos Linhares, e MACHADO, Eduardo Paes - O batizado dos recrutas. Trote, socialização académica e resistência ao novo ensino policial brasileiro. in: Capítulo Criminológico, volume 31, n.º 2, Abril-Junho 2003, pp. 101-127, http://revistas.luz.edu.index.php/cc/article/reviewFile/329/314.
AVELAR, Ediana Abreu - O imaginário da formatura. Um estudo sobre o pensamento dos formandos do curso de direito pertencentes à classe média. Petrópolis: Universidade Católica de Petrópolis, 2007 (tese de mestrado), http://www.ucp.br/html/joomlaBR/images/mestrado/ediana%20abreu%20avelar.pdf.
BLANC, Dominique - Du concours au bizutage. Des rites dans les siciétés secularisées. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1999, WWW: http://www.dominiqueblanc.com/index.php?id=29.
BRUNO, Sinésio Ferraz - Vida danificada e trote universitário. Marília, 2003. In: educação em Revista, n.º 6, 2005, pp. 37-50, http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/viewFile/597/480.
CARDINA, Miguel - Memórias incómodas e rasura do tempo. Movimentos estudantis e praxe académica no declínio do Estado Novo. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 81, junho 2008, pp. 111-131, http://www.ces.uc.pt/rcc/includes/download.php?id=992.
CARREIRO, Teresa - Viver numa república de estudantes de Coimbra. Real República Palácio da Loucura (1960-70). Porto: Campo das Letras, 2004.
CASTRO, Amílcar Ferreira de - A gíria dos estudantes de Coimbra. Coimbra. Coimbra: Faculdade de Letras, 1947 (Biblos, n.º7).
CASTRO, Celso - O trote no Colégio Naval. Uma visão antropológica. The hazing in the brasilian Navy's College. An anthropological approach. In: Antíteses, Volume 2, n.º 4, jul-dez de 2009, pp. 569-595, http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1839.pdf.
COLLOCA, Viviane Patrícia - O trote universitário. O caso do curso de Química da UFSCar. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2003 (dissertação de mestrado), http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/1178/1/tese.pdf.
CORBIERE, Martine- Le bizutage dans les écoles d'ingénieurs. Paris: Harmattan Éditions, 2003.
COUSIN, E.- Bizutage et société, 1998.
CRUZEIRO, Maria Eduarda - Costumes estudantis de Coimbra no século XIX. Tradição e conservação institucional. In: Análise Social, volume XV (60), 1979, pp. 795-838, http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223990403T2oCN9gi5Xo15HK9.pdf.
DAVIDENKOFF, E., e PRENEUF, C. de - Du bizutage, des grandes écoles et d'élite. Paris: Plon, 1993.
FRIAS, Aníbal - Praxe académica e culturas universitárias em Coimbra. Lógicas das tradições e dinâmicas identitárias. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 66, outubro de 2003, pp. 81-116, http://www.ces.uc.pt/publicacoes/rcc/artigos/66/RCCCS66-081-116-Anibal%Frias.pdf.
FRIAS, Aníbal - Patrimonialização da Alta e da Praxe Académica em Coimbra. Comunicação ao IV congresso português de sociologia, http://aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR462de01a41f32_1.PDF.
GARISO, Henrique Manuel da Costa - O direito no feminino. As estudantes da Universidade de Coimbra durante o Estado Novo (1933-1960). Lisboa: Universidade Aberta, 2002 (tese de mestrado. Não foi sinalizado exemplar na Biblioteca Nacional).
GONÇALVES, Albertino - O sentido da comunidade num mundo às avessas. O imaginário grotesco nas tradições académicas de Braga. Braga: Biblioteca Pública de Braga, 2001.
HOMEM, Armando Luís de Carvalho - O traje dos lentes. Memória para a história da veste dos universitários portugueses (séculos XIX-XX). Porto: flup e-dita, 2007.
LAMY, Alberto Sousa - A Academia de Coimbra (1537-1990). Lisboa: Rei dos Livros, 1990.
LARGUÉZE, Brigitte - Statut des filles et répresentations féminines dans les rituels de bizutage. In: Sociétés Contemporaines, Année 1995, n.º 21, volume 21, pp. 75-78, http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/socco_1150_1944_1995_num_2_1_1420.
LONZA, Furio - História do uniforme escolar no Brasil. Rhodia, 2005.
LOPES, António Rodrigues - A sociedade tradicional académica coimbrã. Introdução ao estudo etnoantropológico. Coimbra: Edição do autor, 1982.
MENDONÇA, Luciana - Trote da cidadania. Editora Fundação Editora, 2002, http://www.objectivosdomilenio.org.br/downloads/Trote-(1).pdf.
MOULIN, Léo - A vida quotidiana dos estudantes na Idade Média. Lisboa: Livros do Brasil, 1994.
NÓVOA, António, e SANTA-CLARA, Ana Teresa (coordenação) - Os liceus em Portugal. Histórias, arquivos, memórias. Porto: Edições ASA, 2003.
NUNES, Henrique Barreto (e outros) - Tradições académicas de Braga. Braga: Associação Académica da Universidade do Minho, 2001.
PRATA, Manuel Alberto Carvalho - Academia de Coimbra (1880-1926). Contributo para a sua história. Coimbra: Imprensa da UC, 2002 (tese de doutoramnto, 1995).
PRATA, Manuel Alberto Carvalho - A praxe na Academia de Coimbra. Das práticas às representações. In: Revista de História das Ideias, n.º 15, 1993, pp. 161-176.
RAFAEL, Berta Maria Maurício - O Liceu de Santarém no espaço local. 1848-1895. Lisboa: ISCTE, 1999 (tese de mestrado).
RIBEIRO, Rita - As lições dos aprendizes. As praxes académicas na Universidade do Minho. Braga: Universidade do Minho/Instituto de Ciências Sociais, 2000 (tese de mestrado), http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/18;http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/286/1/ritaribeiro.pdf.
RIVIÈRE, Claude - L'excès festif juvénile tempéré par le rite. In: Socio-Anthropologie, n.º 14, 2004, pp. 1-25, http://socio-anthropologie.revues.org/index381.html.
SILVA, Lucinda Monteiro da - O Liceu de Lamego de 1888-1970. A construção da identidade histórica. Braga: Universidade do Minho, 1999. Editado em livro: O Liceu de Lamego. a construção da identidade histórica. Lamego: Edição da Câmara Municipal de Lamego, 2000.
SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de, e ROCHA, Glória Walkyria de Fátima - Género e relações de poder no trote universitário. Implicações para a cidadania. Florianópolis, 25 a 28 de Agosto de 2008, http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST5/Siqueira-Rocha_05.pdf.
SOUZA, André Peixoto - Do discurso jurídico-académico ao discurso político. Elementos para a constituição de um sujeito político no Império Brasileiro. Curitiba: Universidade Federal de Paraná/Setor de Ciências Jurídicas, 2003, http://dspace.c3sl.ufpr.br/despace/bitstream/handle/1884/25173/D%20AOUZA,%20ANDRE%PEIXOTO%20DE.pdf?Sequence=1.
Universidade(s). História, memória, perspectivas. Actas do Congresso História da Universidade no 7.º centenário da sua fundação, Coimbra, 5 a 9 de março de 1990. Coimbra: Comissão Organizadora, 1991 (5 volumes).
VILLAÇA, Fabiana de Mello, e PALÁCIOS, Marisa - Concepções sobre assédio moral. Bullying e trote em uma escola médica. In: Revista Brasileira de Educação Médica, 34(4), 2010, pp. 506-514, http://www.scielo.br/pdf/rbem/v34n4/v34n4a05.pdf.
ZUIN, António Álvaro Soares - Trote na universidade. Passagens de um rito de iniciação. São Paulo: Cortez, 2002."



Nunes, A. M. - O leão de camões, http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.10.2011.

Notas aos primórdios do Traje Académico Feminino

Mais uma incursão ao blogue do António Manuel Nunes, Virtual Memories,  cujo artigo aqui reproduzimos integralmente, sem mais delongas, apenas sublinhando a destacando os dados que merecem toda a atenção:


"Estudantes do Liceu de Évora com Florbela Espanca (1917)






Grupo de estudantes finalistas do Liceu de Évora, dois alunos de capa e batina, um aluno com farda militar, três alunas com no novo traje académico de capa e tailleur preto criado em 1914-1915.
Esta fotografia vem publicada por Rui Guedes, Fotobiografia [de] Florbela Espanca. Lisboa: Dom Quixote, 1999, p. 107, com identificação dos seguintes elementos: (esquerda para a direita) Francisco da Cunha Marques, Alice Mendes de Morais Sarmento, Florbela Espanca, Lídia Amélia Nogueira, José Rodrigues Candeias, Joaquim da Cruz Margalho. Florbela evocou o seu tempo de estudante no poema "Colegas do passado/Em vossas capas belas/Agoniza o luar das minhas ilusões (...)".

 A fotografia foi tirada em 1917 e deve ser uma das raras que mostra o traje académico feminino na sua formulação primitiva: casaquinho feminino de três quartos, cintado, saia de funil pela meia perna, sapatos pretos, blusa branca, ausência de gravata.

Esta fotografia não vem referenciada por Adília Zacarias e Isilda Mendes, Tuna académica do Liceu de Évora. 100 anos. História e tradições. 2012, nas páginas dedicadas ao traje académico (32-39). Na página 36, escreve-se "Não temos, até à década de [19]30, fotografias em que estejam alunas do Liceu trajadas".
O que a fotografia supra vem demonstrar é que o traje feminino rapidamente se divulgou a partir dos liceus de Lisboa e do Porto aos restantes liceus (1914 e ss.), traduzindo a força de um movimento espontâneo que passou completamente ao lado dos ministros da Instrução Pública e dos reitores dos liceus. Quando o Ministério da Instrução/Educação decide regulamentar o traje estudantil, versão feminina, fá-lo tardiamente, em 1924, e em artigos péssimos que revelam completo desconhecimento da função, importância, características e morfologia dos trajes corporativos.

 Não vemos coberturas de cabeça nesta imagem, mas sabemos que o acessório mais usado nestes anos nos liceus de Lisboa e de Évora foi o tachinho ou barretina de pano preto, igual ao dos alunos do Colégio Militar, que tanto foi usado por alunos como por alunas.

Por último, saliente-se que o processo de criação deste traje liceal (em meados da década de 1940 passará a universitário graças ao Orfeão da UP, quando o seu uso já estava generalizado na maior parte dos liceus portugueses) está perfeitamente inserido no contexto ocidental da época, coincidindo com as fardas desenhadas expressamente para as mulheres que exerceram tarefas colaborativas nas forças militares dos USA, Canadá, Grã-Bretanha e França durante a Grande Guerra (carteiro, enfermeira, condutora de ambulância, Cruz-Vermelha)."

Notas de Praxe em debate na FCUL