quarta-feira, 24 de abril de 2013

Notas sobre a Origem e Evolução da Capa e Batina (Traje Académico/Estudantil Nacional)




Sobre o Traje Estudantil, deixo aqui alguns excertos (de um amplo conjunto de artigos que se debruçam sobre a origem e evolução do património vestimentário académico, docente e discente, em Portugal e na Europa), produzidos pelo consagrado especialista e historiador, o Professor António M. Nunes, publicados no seu blogue Virtual Memories (http://virtualandmemories.blogspot.com/).


NOTAS PRÉVIAS:


  • O traje escolar foi sempre marcado pela indumentária religiosa dos clérigos que, nos primeiros séculos da Universidade, tinham o exclusivo de cursar os Estudos Gerais;
  • Os clérigos, esses, vestem segundo a regra da sua ordem e, também, a sua hierarquia;
  • As cores mais usuais eram o castanho, o pardo ( que originará a figura do “pardillo” em Espanha) e, mais tardiamente, o preto, não por imposição, mas proibição de cores mais garridas.
  • A evolução do vestuário nota-se, paulatinamente, com a abertura da frequência universitária a outras classes, tornando-se mais permeável a modas (rendas, berloques, sedas, frisados, diversos tipos de chapéus/barretes, cações…..), embora  fortemente balizado por critérios de sobriedade e austeridade;
  • Nos Séc. XVII  a tónica eclesiástica do traje foi-se acentuando, sendo de realçar a utilização da "loba", espécie de batina ou sotaina eclesiástica sem mangas, guarnecida na frente com duas filas de botões desde o pescoço até abaixo do joelho, junto com calção , capa e barrete redondo ou de cantos (o gorro só em finais do séc. XVIII). 
  • Loba: Vestidura eclesiástica, clerical e honorífica, que chega até o chão, cortada de maneira que nela entram os braços; dela usam também os bedéis  (responsáveis pela disciplina)da Universidade.
  • Os que não eram eclesiásticos sentiam-se impelidos a não destoar, vestindo à maneira dos clérigos,  e também pela necessidade de identificar o foro académico e quem por ele estava abrangido. Os trajes assumem, pois, figura/função de uniforme, para distinguir so estudantes de outros mesteres e profissões.

Em inícios do séc. XVIII a loba vai dar lugar progressivamente à “abatina”, sendo também a partir dessa época que os trajes estudantis começam a convergir para uma mesma forma de traje académico - embora essa forma estivesse dependente de flutuações de moda.

Abatina: conjunto de capa e túnica (talar) dos abades seculares de França ou de Itália, com vestido de seda negra, capa curta, volta singela e cabeleira pequena. Mais curta e barata que a loba. O negro, esse, significando o desapego ao mundo material e os seus votos  eclesiásticos.

  A “abatina”  estudantil, modelo talar, (que os estudantes  passam a designar apenas por “batina”)   não seria tão comprida como a dos lentes (até aos calcanhares = ”talons”)  e seria até bem mais curta que a capa , pelo que o uso de calções, por exemplo,  mesmo quase não se vendo debaixo da “batina” (viam-se apenas as meias), se mantivesse.




Durante muito tempo o uso da capa e batina foi obrigatório para o estudante, tal como, aliás, para o lente, ainda que este usasse uma batina comprida até aos pés.
Entre 1718 e 1834, esta obrigatoriedade estendia-se a toda a cidade.
De 1834 até à implantação da República, em 1910, a capa e batina era apenas obrigatória dentro do perímetro da Universidade.



Sobre a questão da origem da cor e também do mito do "traje para igualizar", já  nos debruçámos anteriormente (ver AQUI).





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Passemos, pois, agora, o que nos diz o historiador, o Professor António Nunes:


O Traje Feminino e o Traje Académico

(…) Até à consagração da legislação abolicionista promulgada após o 5 de Outubro de 1910, em Portugal não há notícia do uso de qualquer uniforme por parte das alunas que frequentaram os liceus, a Universidade de Coimbra ou as Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto. A opção crescentemente generalizada pela capa e batina de Coimbra, após a Conferência de Berlim, não parecia reunir ingredientes satisfatórios para uma extensão unissexo ao universo feminino.



A excessiva aproximação ao traje masculino burguês oitocentista retirara à capa e batina estudantil a sua feição talar, pormenor denunciado por José Ramalho Ortigão em 1888, o que na prática implicava duradoura impossibilidade de feminilização. Não sendo propriamente fácil, o processo de feminilização não era radicalmente impossível, se tivermos em consideração a adaptação de fardas militares a certos corpos femininos no decurso da Primeira Guerra Mundial.

A inércia coimbrã nesta matéria não encontrou melhor solução nas recém-instituídas universidades de Lisboa e Porto. Os anos que se sucederam à instauração da República não foram favoráveis aos trajes e cerimonial académicos, e quando as universidades de Lisboa e Porto se decidiram pela continuidade da toga das antigas Escolas Médico-Cirúrgicas, a questão não ficou inteiramente resolvida: os adeptos da toga tiveram de conviver com os defensores do abolicionismo e as facções que de forma mais ou menos persistente foram preferindo o hábito talar dos lentes de Coimbra; à semelhança de Coimbra, a discussão sobre a adopção de um traje institucional cingiu-se ao ponto de vista dos corpos docentes, não tendo havido por parte daqueles qualquer conscencialização quanto à necessidade de integrar os estudantes como elementos activos da instituição formadora. O facto de as universidades portuguesas fundadas em 1911 não terem optado pela realização de cerimónias de formatura para bacharéis e licenciados, legitimou atitudes de inércia quanto aos trajes discentes. Entregues a si próprios, em atitude de não diálogo com os senados das instituições em que se encontravam matriculados, os alunos/alunas optaram quase invariavelmente pela capa e batina de Coimbra, numa época em que a visão do estado e da sociedade pareciam apontar para princípios de perfectibilidade como o centralismo e a homogeneidade.

A obrigatoriedade de uso diário de uniforme estudantil na Universidade de Coimbra foi abolida por Decreto de 23.10.1910, situação de certa forma extensiva aos liceus onde o porte diário masculino fora autorizado por diplomas do Ministério do Reino. O diploma referido não declarava abolido o traje, apenas o tornava facultativo, tanto mais que no curto prazo a esmagadora maioria dos alunos da UC, da TAUC e do Orfeon Académico manifestaram vontade de continuar a envergar a capa e batina. Entre 1911-1912, na Universidade do Porto, Tuna e Orfeão foram pelo mesmo caminho. A maior parte dos liceus manteve a capa e batina que já era usada desde a segunda metade do século XIX, ou a ela aderiu. Seguindo na esteira dos movimentos em vias de expansão nas high schools britânicas, norte-americanas e japonesas, as alunas dos liceus de Lisboa e do Porto surpreenderam ao optarem pela invenção de um uniforme facultativo de tipo "high school".

Em Lisboa, alunos dos liceus tocaram a reunir por alturas de Setembro/Outubro de 1915, com o fito de discutir e aprovar que trajes envergar por alunos e alunas. Estas sessões terão sido participadas por alunos da Universidade de Lisboa que decidiram adoptar a capa e batina. Alunos mais radicais reclamaram mesmo obrigatoriedade de porte, mas na prática, o uso da capa e batina ficou confinado aos edifícios do Campo de Santana e a grupúsculos masculinos da Faculdade de Direito.



Na Universidade do Porto, em reunião inter-faculdades, realizada em finais de Fevereiro de 1916, decidiu-se implementar o uso generalizado da capa e batina a partir do dia 15 de Março de 1916. Faltam-nos dados sobre as matérias deliberadas nestas reuniões e perfil dos participantes, não sendo possível apurar se a decisão abrangeu alunos e alunas da UP, ou se marcaram presença alunos/alunos dos liceus. A "Gazeta de Coimbra", nas suas edições de 27.10.1915 e 4.03.1916 dá conta que em Lisboa já se viam "meninas" trajadas, certamente liceais. Aliás, a promulgação do Decreto nº 10.290, de 12.11.1924, que procedeu à nacionalização da capa e batina nos liceus e ensino superior, teve como antecedente imediato um conflito entre uma liceal e um reitor de um dos liceus de Lisboa por conta do uso ou não uso de traje.


O traje feminino, espontaneamente consagrado em Lisboa no segundo semestre de 1915 é um tailleur preto, à base de saia pela meia perna, casaco cintado, cortado pelo meio da coxa, e blusa branca. A gravata demoraria a impor-se. Este fato, de linhas trapezoidais, era o mesmo envergado pelos corpos de enfermeiras da marinha, nos EUA (em azul marinho, com capote e chapéu de abas), e em certos hospitais europeus pela mesma época (em cinzento), conforme determina o Decreto nº 4:136, de 24.04.1918, que o manda aplicar às enfermeiras militares portuguesas.

Ao referido conjunto se adicionou uma capa preta, e conforme atestam as fotografias supra uma barretina redonda. Este último elemento, resulta de uma transformação do barrete islâmico do magrebe, o "chéchia" ou "kufix", que também era usado desde 1859 em escolas militares britânicas de formação de cadetes ("pillbox hat"). Antes de ter feito a sua entrada triunfal nos liceus de Lisboa, Porto e Évora ("tacho"), em versão unissexo, o "pillbox" já era largamente usado em Portugal por militares e impedidos de oficial.(…).






Ia adiantado o século XX quando se acendeu a discussão sobre a necessidade de as alunas da Universidade de Coimbra tirarem benefícios práticos do uso de um traje de tipo uniforme. Não ter traje académico fazia parte da identidade das académicas da UC desde 1891, ano em que contemporaneamente se matriculou a primeira aluna. A não participação feminina na vida associativa, a ausência de organismos culturais mistos até 1938 e a omissão da cerimónia de formatura de bacharéis e licenciados desde 1910, foram justificando a inércia observada em Coimbra. A nível dos liceus locais, mesmo considerando o Liceu Feminino Infanta D. Maria, nada consta quanto a um hipotético uso de farda, se considerarmos que a muito usada bata não era propriamente um uniforme.
As alunas da UC tinham o privilégio do uso de pasta com fitas e capa preta sem uniforme, costume que na década de 1980 ainda era praticado por quintanistas que iam ao Baile de Gala das Faculdades. Nos finais da década de 1940 este estado de coisas começou a mudar quase imperceptivelmente. As universitárias de Coimbra estavam a par do uso do tailluer nos liceus e no Orfeon Universitário do Porto. O peso crescentemente atribuído desde meados da década de 40 às latadas de começo de ano escolar e às cerimónias de imposição de insígnias (grelos no 4º ano, fitas no 5º ano), começaram a suscitar em alunas da Faculdade de Letras vontade de adopção de um traje académico. Nos festejos de Novembro de 1949, a estudante de Germânicas Ilda Pedroso desfilou com um conjunto saia/batina/capa, acontecimento muito comentado no millieu, mas bem acolhido. Todas as informações consultadas testemunham a opção pela saia, numa época em que os códigos vigentes não poderiam aceitar na mulher o porte de calça comprida, e a batina masculina abaixo do joelho (frock coat), com lapelas de cetim.
Parecia encontrada a solução, numa instituição onde a cultura histórica não legitimava de ânimo leve nem o tailluer, nem uma distinção formal entre modelo masculino e modelo feminino. A breve trecho, a evolução seria bem outra. Em 1951 as alunas do Teatro dos Estudantes (TEUC) preparam uma digressão ao Brasil, tendo decidido levar um conjunto prático que substituísse os custos e os incómodos habitualmente havidos com os vestidos de gala. Ficou decidido levar nas bagagens o tailleur preto, traje que em diferentes padrões cromáticos era então usado no Ocidente por enfermeiras militares e hospedeiras de aeronáutica civil. Nas revistas de moda, as estrelas de cinema e do musical deixavam-se fotografar com este tipo de fato. Entre 12 de Agosto e finais de Outubro de 1951 o TEUC actuou no Brasil e visitou a Universidade de São Paulo, onde deixou uma réplica da "cabra". De 1951 a 1954 não se sabe com rigor que nível de adesão o tailleur terá conhecido em Coimbra, que lhe possa ter grangeado ser mais do que o fato que as alunas do TEUC levaram ao Brasil. Uma coisa é certa, se estivesse popularizado e se fosse querido das estudantes, não teria havido necessidade de o impor por decreto. (...) 

Em face dos conhecimentos disponíveis ainda não é possível saber se as alunas da UP começaram a usar o tailleur preto em Março de 1916, ou se o movimento ficou confinado às liceais. Sabe-se, no entanto, que a feminilização do Orfeão Universitário desde ca. 1944-1945 esteve na origem da consagração do tailleur pelas orfeonistas portuenses. Na fotografia supra, do ano lectivo de 1946-1947, oriunda do espólio do Dr. Álvaro Andrade, é bem visível uma orfeonista com tailleur preto, conforme o figurino tubular da época, meias cor da pele, gravata e capa. Terá o tailleur debutado restritamente no Orfeão Universitário, com ulterior generalização na universidade?"

António M. Nunes, In Blogue Virtual Memories, artigo de 31 de Outubro de 2008


O Traje Nacional / Capa e Batina

(…) Na Coimbra de finais do século XIX, e anos que se lhe seguiram, a profunda masculinização operada no imaginário académico e no conjunto casaca/calça comprida/colete inviabilizaria por décadas o processo de feminilização. Dizendo-se um traje progressista no confronto discursivo entre cultura burguesa e herança aristocrático-clerical, o traje académico burguês revelou-se empedernidamente sexista, e nessa medida reccionário face à dinâmica de mudança. Não sendo detentor da riqueza artística das vestes talares nem da sua polivalência unissexo, os fatos burgueses apostam na demarcação territorial e simbólica dos sexos através da sobrevalorização de peças secundárias como a calça comprida (sexo M) e a saia (sexo F), mesmo quando em contextos militares e policiais tal distinção foi abandonada.

Como se verá mais adiante, os modelos de colete e de capa vulgar louvados pelos estudantes de Coimbra como grandes conquistas civilizacionais contra o “obscurantismo” eram aflorações retardadas e esteticamente inferiores a peças vestimentárias que as mulheres do povo conheciam e usavam desde o século XVI. O colete feminino, de bainha lisa ou recortes, a fechar com atilhos, era usado pelas camponesas em contextos de trabalho e solenidades. A versão de luxo podia comportar motivos bordados e tecidos de seda enramada. A capa de honras feminina das lavradreiras abastadas e meias-senhoras (bem com os capotes, mantéus e capoteiras), em lã fina, com golas e bordados ainda era usada um pouco por todo o Portugal nos casamentos, baptizados, funerais, missas, entradas régias e entradas episcopais no tempo em que as primeiras alunas chegaram à UC.

Ao abandonarem o hábito talar tradicional, substituindo-o por um traje burguês citadino, singelo em tecido e figurino, os estudantes de Coimbra proclamavam-se progressistas. Ponderando estas afirmações em 1888, um profundo especialista da cultura e dos trajes propulares, José Ramalho Ortigão, duvidou da pertinência do discurso. A partir do momento em que o traje académico se transformava num produto esteticamente inferior à maior parte das peças usadas pelos camponeses portugueses como traje domingueiro, para se nivelar com o chamado traje ou fato de trabalho, tornara-se difícil descortinar-lhe traços de progressismo.

Em Portugal, as Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada, fundadas a partir de 1836 , começaram por não instituir qualquer traje talar ou militar para docentes e discentes. O mesmo rumo foi seguido desde 1837 pela Escola Politécnica de Lisboa e Academia Politécnica do Porto , onde o fácies paramilitar não foi bastante para trazer aos muros destas instituições, nos anos iniciais, o grande uniforme napoleónico. Não obstante, os docentes militares das politécnicas usavam as fardas respectivas.

Novas instituições portuguesas de ensino como o Curso Superior de Letras (1859) e o Instituto de Agronomia e Veterinária (1864) não se mostraram receptivas a insígnias, rituais académicos ou trajes para alunos e docentes. A casaca preta/calça comprida/colete/cartola/chapéu de coco, com o indispensável complemento de bengala de castão de prata, terão sido os elementos vestimentários laico-burgueses mais celebrados por este tipo de instituições que não se reviam no modelo talar conimbricense.

Nos alvores da década de 1850, concretamente em 1852, a Rainha D. Maria II foi recebida pelos lentes da Academia Politécnica do Porto em casaca preta, colete, calças compridas, sapatos e meias de seda ,a que não terá faltado a indispensável cartola [e bengala]. (…)



Confirmando o paradigma laico-burguês, docentes e discentes do Curso Superior de Letras e do Instituto de Agronomia e Veterinária entrariam no século XX de labita preta e cartola, costume de certa forma prolongado após a respectiva integração nas universidades fundadas em Lisboa após 1910.

As escolas de ensino técnico-profissional de agricultura, lançadas pela legislação fontista de 16 de Dezembro de 1852, e reorganizadas por Emídio Navarro (Decreto de 2.12.1886), não terão definido traje docente.

Quanto à Escola Nacional de Agricultura, aberta em Coimbra no ano de 1887, não se conhece prescrição de traje profissional para o corpo docente. Os alunos começaram a usar no dia a dia um pequeno uniforme composto por boné de pala ou barretina com pompom, colete e gravata, camiseiro à “farmer” e calças compridas . Nos dias de gala optavam por um grande uniforme à lavrador, cujo figurino era o mesmo do chamado traje português masculino de equitação . O primeiro destes dois conjuntos gozava de acrescido prestígio junto das quintas britânicas oitocentistas de agricultura experimental, e foi desde cedo institucionalizado em Portugal como farda dos menores internados em casas de correcção instaladas em quintas agrícolas como Vila Fernando (1895), e posteriormente na Penitenciária de Lisboa (1913 e ss.) e na Colónia Penal de Sintra (1915 e ss.). O mesmo tipo de camiseiro seria adoptado desde ca. 1900 pelos “juízes” do Tribunal de las Aguas de Valência.

Foi com um pequeno uniforme deste tipo, à base de calça comprida, camiseiro de cotim, bota de montar e barretina à cadete com pompom, que a primeira fornada de formandos da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra se fez fotografar em 1892. A pasta de ganga esverdeada, com fitas largas verdes e brancas surgiria alguns anos mais tarde .

Situação próxima da referida terá sido vivenciada pelos alunos e docentes das escolas industriais de ensino médio (Decreto de 30.12.1852), cuja rede regional atravessaria um processo de intensificação quando António Augusto Aguiar liderou a pasta das Obras Públicas . Aqui, a opção terá recaído na articulação de um conjunto prático civil (calça comprida/camisa) com um boné de pala e uma bata, conforme usança oficinal nas escolas francesas de artes e ofícios mecânicos. Ao longo da primeira metade do século XX, os alunos da Escola Industrial Brotero, de Coimbra, ficariam conhecidos pelo apodo “lagarto azul”, graças ao fato de ganga ou fato de macaco oficinal que não sendo uma farda acabava por funcionar como tal .

Estabelecimento de ensino médio era também o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, filho do Decreto de 25 de Janeiro de 1894, substituído após 1911 pelos Instituto Superior Técnico e pelo Instituto Superior de Comércio, para o qual não foi definido traje profissional. O mesmo acontecia com o Instituto Comercial do Porto, criado pelo Ministro João Franco em 1891 .

É tardiamente, em 1889, que os alunos do terceiro ano da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, se lançam no uso da capa e batina, traje que possivelmente já seria envergado pelos escolares do Liceu do Porto . A formação da Tuna Académica do Porto, por 1890, com alunos do liceu, da Politécnica e da Médico-Cirúrgica, o nacionalismo fervilhante gerado pelo Ultimatum e requentado pelo 31 de Janeiro de 1891, e o debutar de festividades carnavalescas e de fim de ano (Enterro da Farpa, Festa da Pasta) , terão ajudado a sedimentar a capa e batina na cidade do Porto.

O etnólogo José Leite de Vasconcelos, antigo aluno da Médico-Cirúrgica do Porto, mostrar-se-ia hostil ao uso da capa e batina nas escolas politécnicas portuguesas e liceus . E com Vasconcelos estariam muitos dos liberais de oitocentos que assumiam como traço identitário o fato masculino burguês usado nas cidades ocidentais.

Em Lisboa, o ambiente propiciatório da constituição de tunas académicas e o empenhamento dos estudantes em causas públicas após o Ultimatum terão contribuído para a naturalização da capa e batina entre os liceais e politécnicos.

Seria a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa a dar o passo em direcção ao grande e ao pequeno uniformes, mas restringindo-os ao corpo docente. O Decreto de 1 de Outubro de 1856 adoptava a título de pequeno uniforme de porte quotidiano uma toga preta talar, de um corpo, em grande parte resultante da fusão da beca judiciária portuguesa com a toga de advogado, lacinho branco, cintura de borlas pendentes, sapatos pretos de fivela e barrete cónico; e um grande uniforme napoleónico, à base de casaca militar azul escura, com bordados a ouro, gravata e colete brancos, calça comprida azul escura avivada a ouro, bicórnio emplumado e espadim .

Não existiam diferenças dignas de nota entre o grande uniforme descrito e o traje dos diplomatas ocidentais , ministros e conselheiros de estado (França, Portugal, Espanha, Itália), Real Academia das Ciências de Lisboa ou o “habit vert” do Institut de France. Um ano decorrido, o Decreto de 15 de Setembro de 1857 estendeu estes dois trajes profissionais à Escola Médico-Cirúrgica do Porto . Na viragem do século, o Decreto de 6 de Fevereiro de 1902 alargou o conjunto talar referenciado à Academia Politécnica do Porto, precisando que as rosetas peitorais da toga fossem nas cores das especialidades científicas ministradas naquele estabelecimento de ensino.

A militarização imagética das academias científicas e dos politécnicos inscrevia-se num conjunto de representações liberais e descristianizadoras, reunindo amplos consensos entre as elites ocidentais que vociferando contra a hegemonia espiritual católica se reviam no perfil heróico e disciplinado do militar fardado.


(…)

No caso de Coimbra, o abolicionismo periodicamente reclamado, não se confinava a mera parusia niilista. Um horizonte imaginário de símbolos alternativos à batina, aos calções, ao colarinho raso e ao cerimonial tradicional piscava o olho à labita burguesa e às fardas militares. Quanto ao destino a conferir à capa, o romantismo estético pululante reservou-lhe lugar especial no imaginário masculino das vivências anónimas e do heroísmo individualizado. A gesta de capa e espada, muito enraizada na centúria de oitocentos, e depois apropriada pelo cinema de aventuras de Hollywood, não concebia um prestidigitador, um Drácula, um Fantasma da Ópera, um Zorro ou um Superman sem capote ou capa esvoaçante . Eça de Queirós, também ele, não concebeu Antero de Quental a discursar revoltas no adro da Sé Nova de Coimbra sem a romântica capa negra a descair pelo ombro .(…)


Concluído o périplo pelos estabelecimentos de ensino técnico-profissional fundados em Portugal entre 1836-1910, pode dizer-se que à data da Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910 o traje militar fora oficialmente adoptado nas médico-cirúrgicas e politécnicas de Lisboa e Porto (traje docente de gala), e em versão mais modesta no Real Colégio Militar (traje discente).

Mas não nos deixemos ludibriar perante este aparente fracasso do paradigma napoleónico naturalizado nos países ocidentais não abrangidos na esfera da cultura escolar anglo-saxónica. Relendo com atenção a literatura de época e visualizando as fotografias disponíveis, rapidamente se conclui que na UC, nas Médico-Cirúrgicas e nas Politécnicas de Lisboa e Porto, o traje militar masculino fora reconhecido aos alunos como equiparado a “traje académico” para efeitos de frequência de aulas, exames e cerimónias.


(…)

 Contrariando a hipótese pró-farda, os alunos das escolas comerciais e industriais viveriam um século XX com bata funcional e fato de macaco vestidos apenas em contextos oficinais. Nos liceus manteve-se até à década de 1960 a herança masculina da capa e batina herdada da UC.

Seriam ainda os liceus de Lisboa e Porto a inventar espontaneamente entre 1915-1916 o traje feminino, à base de tailleur saia-casaco e capa, o qual só muito tardiamente entrou nas universidades: na do Porto em 1946, pela mão das alunas sócias do Orfeão; na de Coimbra em 1951, devido à acção das sócias do Teatro dos Estudantes, seguindo-se generalização não pacífica decretada pelo Conselho de Veteranos em 1954.

Após a criação das universidades de Lisboa e Porto, os alunos portuenses ligados à tuna e orfeão adoptaram desde 1911-1912 a capa e batina dos conimbricenses, seguindo-se uma adesão generalizada a partir de 15.03.1916. Em Lisboa, o uso da capa e batina ficaria duradouramente restringido aos liceus e a franjas de alunos da Faculdade de Direito então situada no Campo de Santana. Na vizinha Faculdade de Medicina, o uso de capa e batina seria bem menos expressivo do que o filme A canção de Lisboa (1933) parece deixar antever .(…)

 António M. Nunes, In Blogue Virtual Memories, Património vestimentário e insigniário conimbricense artigo de 28 Agosto de 2009.



NOTA: Sobre o papel dos estudantes da República da Ladeira do Seminário, em Coimbra, diz-nos A. Nunes que o “ que os “ladeiras” fizeram foi hiperbolizar o uso ostensivo de coletes de seda multicolores (brancos, vermelhos, cinzentos, em brocado ou seda enramada) que exibiam trazendo as carcelas das batinas desabotoadas. Pareciam noivos em dia de casamento. Não reformaram nada no traje.



O actual figurino da capa e batina de matriz conimbricense, variante masculina, tem a sua origem nas transformações implementadas pelos adeptos da Greve Académica de 1907, que logo se começaram a generalizar na Academia de Coimbra: sobrecasaca preta desabotoada, lapelas dobradas em V sobre o peito e forradas de cetim preto, capa enrolada no colarinho ou deitada no braço ou no ombro direito. Em 1910 os liceus e a Universidade do Porto adoptaram as propostas dos conimbricenses.



O actual modelo de traje feminino, embora tenha começado a usar-se em 1915 nos liceus de Lisboa, só ganhou a feição actual por 1945 quando passou a ser usado pelas estudantes membros do Orfeão Universitário do Porto.”

Notas às Récitas dos Quintanistas de Coimbra

Um costume muito difundido no final do séc. XIX prendia-se com a realização de récitas por parte dos estudante finalistas da Universidade de Coimbra, as quais saíam fora de portas e se realizavam em inúmeras vilas e cidades "limítrofes".

O facto de alguns destes grupos serem muita vezes denominados por "troupes académicas" (nome que também podia ser usado para significar Tunas), levou, em alguns casos, a alguns pequenos equívocos. Nada a ver, contudo, com a noção "praxística" de "Trupe".

Estas "troupes" (nome que vem do francês e significa grupo, sendo muito comum o seu uso para designar grupos ou companhias de teatro ou de artes circenses) eram grandes comitivas que se dedicavam essencialmente a representações cénicas (grupos dramáticos), embora também se fizessem acompanhar por músicos, nomeadamente para entoarem uns quantos fados.

Os estudantes eram recebidos como se de embaixadas oficiais se tratasse, como pompa e circunstância, váriso anúncios prévios nos jornais a anunciar a sua vindae programa, com as autoridades presentes, muitos discursos, oferendas.......

Estas récitas permitiam aos estudantes amealharem mais uns tostões para suas despesas, embora existam muitos relatos a darem conta de saraus, matinées e récitas com fins puramente caritativos, como sucedia na maioria dos espectáculos em que participavam estudantes.

Encontrei dezenas de referências a estas récitas que os estudantes, nomeadamente os de Direito, vinham fazer a Viseu (eram também muitos os viseenses a cursar Coimbra e, entre eles, o maior de todos, Augusto Hilário), mas também a saraus de caridade ou representações em altura de carnaval ou de férias escolares.
Mas não apenas Viseu, pois também outras vilas do distrito recebiam a visita destes estudantes que, nessa altura, faziam autênticas tournées pelas localidades mais próximas de Coimbra (como é o caso da Figueira), chegadno mesmo algumas a serem apresentadas, por exemplo, no Coliseu de Lisboa.

De referir, igualmente, como aliás um dos excertos comprova, que os próprios estudantes d eliceu promoviam récitas, igualmente aplaudidas e reconhecidas como tradição estudantil transversal.

Aqui ficam alguns artigos a darem conta dessas récitas e no que consistiam:


 Jornal O Commercio de Vizeu, de 10 Maio de 1888, III Anno, Nº 191



Jornal O Commercio de Vizeu, de17 Maio de 1888, III Anno, Nº 193



 Jornal O comércio de Viseu, 01 de Junho de 1893, VII Anno, Nº 718



 Jornal O comércio de Viseu, 25de  Janeiro de 1894, VIII Anno, Nº 786



 Ilustração Portugueza, 1ª Ano, Nº 23, de 11 de Abril de 1904, p. 359 (Hemeroteca Municipal de Lisboa).







Illustração Portugueza, II Série, Nº 329, de 10 de Junho de 1912, pp. 745-748 (Hemeroteca Municipal de Lisboa).





Illustração Portugueza, II Série, Nº 330, de 17 de Junho de 1912, p.799 (Hemeroteca Municipal de Lisboa).




Notas aos Quintanistas de Coimbra

Como demos conta no artigo anterior, os quintanistas de Coimbra tinha profusa actividade cultural e artística.
Mas não apenas em bem preparadas récitas, que se tornaram famosas pela sua qualidade, mas também noutras iniciativas.
Chegar a quintanista era chegar au auge da carreira estudantil e, para gaúdio das populações, poder gozar de algumas liberdades que o estatuto de "estudante mais velho" possibilitava, já que era um ano onde era praticamente adquirido o facto de receberem o grau (como dizem alguns estudiosos, o último ano era já um "passeio"), pelo que com mais tempo, e menos pressão nos estudos, para poderem preparar diversas manifestações artísticas e culturais.

Aqui fica uma iniciativa ocorrida em 1888.




 Jornal O Commercio de Vizeu, de 03 Junho de 1888, III Anno, Nº 198

A Praxe das Bestas e os Imbecis da Praxe

ERGONHOSO QUE TAL SEJA PASSADO COMO PRAXE, QUANDO DE PRAXE NADA TEM.
OS PRAXISTAS QUE PROMOVEM ISTO, E CALOIROS QUE SE PRESTAM A TAL, NÃO PASSAM DE UMA CAMBADA DE IMBECIS E OS VERDADEIROS ANTI-PRAXE DESTE PAÍS! UM EXEMPLO TIPO DO ENSINO "INFERIOR" QUE TEMOS..

E AINDA SE ORGULHAM DA SUA ESTUPIDEZ AO METEREM NO YOUTUBE!!!!


















ESTA É TÃO PORCA E IMUNDA, TÃO ABJECTA E NOJENTA QUANTO QUEM PRATICA E QUEM PERMITE.





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Estes são apenas alguns exemplos de anos anteriores.
O Youtube está pejado de vídeos com esse tipo de conteúdo: filmagens de supostas "praxes" que ocorrem de norte a sul do país.
Que possam estes casos servir de exemplo e alerta, para que não se venham a repetir já este ano.

Entretanto, a famosa "curta" sobre Praxe ("Praxis" de Bruno Moraes Cabral, premiado no doclisboa 2011) também ilustra outro lado deplorável das praxes: à falta de educação e decoro, o palavrão gratuito, o gesto obsceno sem motivo, numa clara mostra de quão rascas são certos praxeiros.


Notas a uma Serenata a sério



É claro e sabido que, por Lisboa, aquilo a que alguns têm a distinta lata de chamar Serenata Monumental, que abre os festejos da Semana Académica (vulgo Queima das Fitas)  na capital é tudo menos Serenata, é tudo menos tradição, é tudo menos adequado, sendo que só se lamenta o facto de algumas tunas se prestarem a esse papel e ao circo que esse dito "evento".

Mas as coisas não têm de ser sempre cinzentas, nem Lisboa tem de ser um caso sempre perdido no que respeita a respeitar a Tradição e a Praxe.

Tanto assim é que, de há uns anos a esta parte, o IST tem liderado uma verdadeira renovação de mentalidades no desejo de bem fazer, no estrito respeito por aquilo que é tradição, de facto, desfazendo-se de tudo quando são acessórios circenses, práticas sem nexo ou conceitos sem fundamentação (mitos, invenções...).

Desta feita, o IST, através do organismo que tutela a sua praxis, mostra, mais uma vez, como se faz, e bem, uma Serenata Monumental (a 1ª, porventura, de facto, em Lisboa), provando que excelência e qualidade não estão forçosamente arredadas das práticas estudantis.
Parabéns ao MCP do IST, na pessoa do seu Dux-Veteranorum, e aos seus estudantes.

Assim é que se promove e dignifica a Praxe.



Notas a um livro sobre Praxe


O insígne historiador António M. Nunes, porventura o maior especialista da actualidade em idumentária e insígnias académicas, bem como sobre tradições estudantis, acaba de publicar o seu mais recente trabalho:

Identidade(s) e moda.

Percursos contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses 

(clique no título para aceder ao link)

 
 
 
O livro pode ser encomendado em formato normal (22€) ou comprado em versão E-book (10€) na editora Bubok.

Mais um trabalho que ´permitirá conhecer melhor as tradições e a evolução da praxiologia académica, nomeadamente a da sociedade estudantil conimbricense.

Parabéns pela inicitativa.

Notas ao Novo Código de Praxe do ISCSP

Código disponível AQUI



Lamentavelmente, criaram restrições que são, essas sim, anti- Praxe, que vão contra a Tradição e para as quais não há precedente histórico.
 Começo por citar o seguinte, do Artº 3º, “Está vinculado ao Código de Praxe todo o aluno matriculado no ISCSP.” E isso merecia revisão, porque só está vinculado quem adere à Praxe e não quem se matricula no ISCSP, porque quem o faz apenas está sujeito aos regulamentos institucionais decretados pela instituição em causa.

 Analisemos, pois, o referente ao Traje e relacionados com ele:

1º Não podem negar o uso do traje a um caloiro. O Traçar da capa não marca, nem deve marcar (porque nunca o foi) o início do seu uso por parte de caloiros, na base de que só nessa altura o pode vestir; e, por favor ,não venham com aquele argumento de que só pode traçar a capa se o padrinho primeiro lha tiver traçado.

2º Em tempo algum as colheres de café são adornos a colocar na gravata. Isso nada tem de Praxe, nem sequer significado algum. E quando dizem que deve ser roubada, estão a atentar ao bom nome da Praxe e civismo (e isso é anti-Praxe).

3º Não podem determinar nº ímpar seja onde for, especialmente em peças de vestuário. Isso nunca foi Praxe. Em sapatos não existem buracos ímpares para atacadores sequer. Também não é da Praxe (embora a etiqueta preveja tal, mas não em Praxe) determinar que não se aperta o último botão do colete. Se ele existe é para ser apertado.

E essa de só se poder apertar o último botão da batina se for casado não tem lógica nenhuma. Bastaria relembrar que em cerimónias fúnebres ou solenes que o exigem, a batina deve estar totalmente apertada, seja casado ou solteiro.

4º O barrete da Praxe, como lhe chamam (não é da Praxe, é apenas um barrete) não é, nem nunca foi, símbolo de veterania. Pode ser usado por quem quiser, caloiro ou veterano.

5º Em tempo algum a colocação de emblemas determina a obrigatoriedade ou determina a colocação do emblema da terra da mãe ou do pai. Isso não tem fundamentação.

6º Não é da Praxe a capa não poder estar afastada mais que X passos ou metros. Papismos não, por favor! Se tiver que estar está. Não é por isso que se deixa de estar na Praxe. O importante é estar devidamente trajado nos eventos e cerimónias onde tal é imperativo e obrigatório. Fora isso, meus caros, não é do foro do código. Um médico não tem de ter bata branca quando está no restaurante a almoçar ou mal acaba de entrar no parking do hospital.

7º A forma de dobrar a capa não compete ao código, mas é do foro pessoal. Usa-se ao ombro, no braço, à cintura…..como bem quisermos. Apenas se estipula, aí sim, para certos momentos (ritos, cerimónias….) quando deve estar descaída, abotoada ou quejandos. Há alturas onde é protocolo usar-se de determinada maneira, mas fora isso...... é do foro pessoal.

Outras observações, porque contemplam erros grosseiros:

 O Artº 6º

a) determina erradamente o “anti-praxe”, porque se o é, não pode haver regulamento sobre ele. Não pode um código de Praxe legislar sobre o que/ou quem está fora da mesma.
 b) Do mesmo modo, não se pode impedir ninguém de subir na hierarquia, porque ela não depende dos organismos de Praxe, mas do ano em que se está matriculado (é assunto da instituição). É em 1919, em Coimbra (e logo depois Lisboa e Porto) que a Queima das Fitas, se torna momento da “subida de grau” na hierarquia praxística e, a partir daí, a hierarquia da Praxe assume paralelismo com o ano frequentado (antes não havia graus hierárquicos como hoje, nem Dux ou organismos de praxe, apenas o de novato/caloiro e veterano). Significa que a Praxe respeita e acompanha o percurso académico/escolar, por isso contempla os ritos conforme o ano em que se está matriculado e não pelo nº de matrículas. Simples de perceber, não?
 Assim, o que legislam carece de fundamento.
c) também não tem fundamentação alguma “obrigarem” quem vem de outra instituição a ser “novamente” caloiro, e a ter de pedir equivalência das suas matrículas (e se o fizesse não era a um tribunal de praxe, que diabo, mas ao Conselho de Veteranos, por se tratar de questão “administrativa”).
Ainda assim, dizer que enhum organismo ou código de Praxe tem legitimidade para tal, apenas e só a secretaria da instituição e o Ministério da Educação (Ensino Superior). Ora o facto é que um aluno que já frequentou outra instituição não é caloiro e tem matrícula reconhecida nessa instituição e pelo ministério da tutela. E não creio que o ISCSP tenha anulado essa anterior matrícula.

A tradição reconhece qualquer matrícula, e a hierarquia da Praxe baseia-se precisamente em tal (primeiranistas/caloiros, segundanistas, terceiranistas… - vulgarmente designados de “doutores”, e, depois os veteranos, grosso modo). O que deveriam ter contemplado era um período de “limbo” para esses alunos que vêm de fora, em que não são praxados (nem deve), mas também não praxam, aproveitando esse tempo para se inteirar das regras e modo de funcionamento. Isso sim é Praxe e é integrar.
 _______________

Depois seria bom repensarem essa coisa do “anti-praxe”, porque me parece que não sabem sequer o que é. Um anti-Praxe é quem está contra toda a cultura académica (cortejos, queima, serenata, latada, traje, insígnias, bênção das pastas) e não especificamente contra as praxes. Aspraxes não são a Praxe e custa-me a crer que exista alguém que seja determinantemente contra a Queima, cortejo, Serenata, imposição de insígnias….!!!!!!
Se alguém se recusar a ser praxado é declarado (ou obrigado a declarar-se) anti-praxe? Se sim, está mal e é o próprio código que é anti-Praxe, porque nem salvaguarda o direito que cada um tem de aderir livremente, quando bem entender.
Ora quem se recusa a ser praxado, não é, nem nunca deve ser, considerado “anti-praxe”, mas antes anti-praxeS (o que é diferente). E quando vemos certos abusos ou brincadeiras sem nexo, é até inteligente recusar-se. Ora quando há abusos quem é anti-Praxe, afinal?
 
Pena que neste código não haja uma palavra quanto à limitação do que é admissível nas praxes ou sobre as sanções de quem abusa em seu nome.
Não é por se recusar a ser praxado que um estudante pode ser impedido de estar na Praxe, trajar, ter insígnias ou participar no resto; ou para queimar o grelo é preciso ter ido à serenata; que para ir ao cortejo é preciso ter queimado o grelo. Para participar nos eventos da Praxe não há precedências, meus caros.
Está na Praxe quem quiser, e quando quiser, desde que, para cada momento, cumpra o que o protocolo e etiqueta determinam para cada situação. Só vou à serenata se quiser, só uso insígnias se quiser, só vou ao cotejo se me apetecer. A escolha é de cada um, mas se for, tenho se saber estar e cumprir o que para esse momento está legislado.
Ser praxado não é obrigatório para estar na Praxe, apenas e só respeitar o preceituado para cada rito ou cerimónia. As praxes não são recruta, meus caros.

Termino dizendo que é pena que seja mais um código em que 90% é sobre caloiros,  tribunais de Praxe e quejandos e não para explicar o porquê das coisas, nem sobre traje, nem sobre as cerimónias, nem sobre as relações hierárquicas; que o código apenas determine na base do “porque sim”. Ora um código não se legitima porque um grupo de pessoas inventa regras ou copia outros códigos sem procurar o que é genuíno e verdadeiramente Tradição.

Desculpem o chá, mas a quantidade de erros que enunciei não podiam passar sem este meu comentário que visa apenas alertar e ajudar, se tiverem a gentileza e boa vontade de aceitar o reparo.  
Abraço