terça-feira, 24 de abril de 2012

Notas ao "Quarto de hora Académico" - Origens


 O “¼ de hora Académico”

 
Todos saberão o que é. Todos dele terão tirado proveito ou, então, criticado duramente esta institucionalização do atraso, querendo dar roupas de virtude a algo que não deixa e ser um erro, um mau hábito.

De uma maneira geral, temos ideia que tal costume é intrinsecamente nosso e parte daquilo que nos caracteriza enquanto cultura, naquele cliché rebatido de que o pessoal nos países mediterrânicos não tem pressa nem “stressa” com os ritmos mais frenéticos de outros povos mais a norte.

Por isso é que ao pretender saber da origem dos “15 minutos da praxe”, que se dão de tolerância para quase tudo, também ia com aquela firme certeza de ser este um traço muito nosso, bem português.

Fazia fé, e tal como eu muitos, que o “quarto de hora académico” nascera na UC em tempos remotos, por uma qualquer razão mais ou menos lógica (que nisto de tradições tanto há pertinência e pragmatismo como perfeita patetice).
Após ter pedido ajuda e alguns esclarecimentos a antigos estudantes de Coimbra, percebi pelas respostas que, provavelmente, o mais que se conseguiria seria apresentar algumas teses e possibilidades.

Aliás, aqui faço minhas as palavras do Zé Veloso, do blogue “Penedo d@ Saudade”, ao dizer que:

 "Quando procuramos a razão de ser de uma dada tradição ou de uma dada expressão cuja origem se perde no tempo é raro haver verdades absolutas. Há apenas teorias, mais ou menos plausíveis.”[1]
 
É o que aqui partilho, após ter aprofundado um pouco mais a pesquisa, tanto quanto me foi possível fazer tal, sem sair de casa.

 A 1ª teoria que encontrei foi a seguinte:

 “A dispersão dos Colégios pela cidade, assim como o facto de a maioria dos estudantes viver em alojamentos arrendados aos moradores, deu origem a que o relógio da Universidade estivesse meio quarto de hora atrasado, relativamente aos da cidade, para dar o devido tempo de deslocação do estudante até às faculdades na Alta. Ficticiamente, na Universidade, as aulas começavam a horas.[2]

 
Esta primeira explicação, provém do próprio site da UC, contudo, como pelos dados que mais adiante partilho, me pareça um argumento altamente falível. Os estudantes tinham mais é que acordar a horas. Não creio que a UC fosse assim tão permissiva que até se desse ao luxo de criar um segundo toque de despertador, quando o qu enão faltava em Coimbra erma igrejas a dar as horas (e recordemos que parte da vida das pessoas era regulada pelos sinos, para se levantarem, rezarem, tomarem as refeições……).

 Atentemos, agora, à 2ª tese:

“A velha torre da Cabra, hoje substituída pelos modernos relógios impostos aos estudantes que vivem freneticamente o seu ritmo académico, foi mandada construir em 1537. Mas não foi esta que chegou aos nossos dias. A disponibilidade financeira e, talvez mais importante, a excentricidade do nosso conhecido D. João V fizeram com que ela fosse aumentada para os 33 metros de altura e assim os seus quatro sinos e quatro relógios fossem vistos em toda a alta universitária (1733)
A sua utilização era regalia de toda a cidade ainda assim o seu principal objectivo era atingir os estudantes da Universidade que eram acordados, todas as manhas, pelo toque de um sino de nome "cabrão", vá-se lá saber porque... Ainda assim o sino mais importante e que torna conhecido o monumento é mesmo A Cabra.
É sabido que Coimbra sempre esteve na vanguarda das lutas estudantis. A sua tradição assim o impõe e, à época, era inevitável uma vez que a Universidade de Coimbra era única no país. E também nestas lutas esteve envolvida a torre e os badalos dos sinos que chegaram a ser roubados para que o "cabrão" não tocasse e, por conseguinte não houvesse obrigatoriedade de cumprir os horários académicos também eles diferentes do resto do país e mesmo da própria cidade de Coimbra. Actualmente os relógios da Universidade de Coimbra estão de acordo com o fuso horário nacional, mas, naquele tempo pode dizer-se que Portugal tinha 3 horas diferentes: (1) a do continente e arquipélago da Madeira, (2) a do arquipélago dos Açores e a da (3) Alta Universitária de Coimbra. Assim era, os relógios da velha torre eram atrasados quinze minutos para que o chamar dos estudantes para as aulas não fosse confundido com o chamar dos fiés para as missas.
A História "d'A Cabra", do cabrão e dos restantes sinos sem nome não se aprende numa subida ao topo da cidade, mas vale mesmo apena disfrutar de uma vista panorâmica que engloba toda a cidade do Mondego e essa, só se consegue no topo da velha Torre d'A Cabra, hoje de cara lavada e aberta ao público.”[3]

 
Esta segunda explicação é ainda mais falível que a anterior. Não parece de todo credível que os estudantes de Coimbra se levantassem com o toque do sino e, por erro, fossem à missa, ao invés de irem às aulas. Um segundo toque em nada beneficiava fosse quem fosse. Além disso, trata-se do ¼ de hora dado para o início das aulas e não do toque para despertar os alunos da cama ¼ de hora depois do resto da população acordar.

O que não deixa de ser caricato é o facto de vermos este tipo de tese propalada em reportagens televisivas por quem está a falar  em nome da UC  e que  ao minuto 2:30 diz o seguinte:

  «Rezam as crónicas e os estatutos que este 1/4 de hora (académico) já existe desde 1591 para não confundir o toque dos estudantes com as chamadas para a missa».
 
 

Deve ter a senhora, Chefe do Protocolo da UC ter sido induzida em erro por alguma leitura menos crítica da documentação que estudou. À mistura de factos históricos com ficção damos o nome de lenda.

Os dados em causa, como lembra Sónia Filipe (Vd. FB "Penedo d@ Saudade - TERTÚLIA") parecem apontar para o facto do "décalage"  de 15 minutos entre hora civil e hora académica servir para evitar confusões, mas em tempo algum por causa do horário de missas:

“O cargo de relojoeiro é criado estatutariamente em 1653. Para além de indicarem as funções expressas deste funcionário acrescenta-se a dado passo “que andara sempre atraz do relógio da cidade, meio quarto de hora”, de forma a nunca ser confundido com a regulação do tempo do resto da cidade (quarto de hora académico). O segundo, um artigo sobre as Horas da Universidade, publicado numa coletânea de artigos sobre a UC.”


Nota:  citação acima segundo "Universidade(s), História, Memória, Perspectivas. Actas. 5vols. Congresso História da Universidade, 7º Centenário, Coimbra, 1991" O artigo que referia anteriormente é o seguinte: ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu (1991), "As horas e os dias da Universidade", vol.3, pp. 365-382.

 


Como acima dito, esta tese carece de lógica. Não parece existir uma razão plausível para andar o relógio da torre atrasado em relação ao resto da cidade, além de que no séc. XVII e até ao XX, Coimbra não era assim tão grande nem há notícia de se passar o dia a ouvir sinos a toda a hora e minuto.
Existem toques bem definidos para a liturgia (eque eu próprio toquei quando jovem, na minha vila de origem):

a) baptismos, com o toque chamado de "repenicado/repique" que se dá no fim;

b) os "sinais", aquando da morte de alguém, que se repetem nos funerais, e a que se chama "dobrar" (porque o sino gira completamente sobre o eixo) e que implica 2 sinos em simultâneo; 
c) a chamada para a missa, dada uma hora antes da mesma e cujo o toque se chama "badalar" (porque é um toque simples).
 
Ainda existem em muitos lugares os toques das "trindades" (ou também apelidados de "ave-marias"), que se davam 3 vezes ao dia: de manhã, pelas 5 horas; ao meio dia e ao cair da noite (17/18 horas no inverno ou pelas 21/22 horas no verão). Esses toques eram 3, espaçados, seguindo-se, a cada um, uma "Avé, Maria", depois um toque dobrado e mais 3 toques espaçados).

Também não me parece que se possa confundir com "Matinas" (pelas 3h00 da manhã, embora inicialmente à meia noite) ou "Laudes", que ocorriam ao nascer do sol (inicialmente pelas 3 da manhã),  por ser demasiado cedo (os estudantes oriundos do clero levantar-se-iam para rezar, depois comer e só depois irem às aulas) ou com "Vésperas" ao fim do dia (porque o  toque académico era para chamar e não para encerrar as aulas).
As demais "horas canónicas", eram assinaladas de forma discreta e nunca a ponto de causar confusão.
Nem mesmo as denominadas "primas" pelas 6h00, usualmente assinaladas com issa pública me parecem ser confundíveis, pois não estou em crer que a essa hora começassem quaisquer aulas (haveria, até, espaço para os próprios estdantes irem à missa). Muito menos as "terças", pelas 9h00, que podiam ser assinaladas com missa solene, por ser uma hora demasiado tardia (a essa hora os estudantes já estariam em aulas (ou a iniciar as mesmas).
Os toques seriam dados com antecedência, mas a que ponto confundíveis com o toque para as aulas?
E a que horas começavam essa aulas?

Certamente, nisso estou seguro, não seria o toque confundível com o inconfundível toque picado ("picado 3 vezes") usado para situações de incêndio.

Os estudantes conheciam bem o toque do seu sino, e o facto de ter o cognome de "Cabra" (nome do sino mais famoso, colocado no séc. XVIII) diz tudo.
 O "Cabrão" é o outro sino, mais recente datado do séc. XIX, normalmente reservado a actos de doutoramento e eventos festivos). Mas antes deste existia (e existe) um outro, o mais antigo (e maior), designado de "Balão", que é de 1561, posto na antiga torre (sobre a qual surgiu a actual, bem mais alta), porque a torre, essa, foi erigida entre 1728 e 1733.

Que tipo de toque era dado pelo sino que chamava os estudantes e professores para as aulas? E a que horas?
Perguntas que ficam no ar, até uma apuramento mais aprofundado da questão (pois certezas não há em definitivo).

Continuo convicto que esta tese traz demasiados inconvenientes práticos, além de que, como abaixo veremos, o "1/4 de hora académico" não é um fenómeno endémico (só nosso), sendo possível que tenah sido importado e que tenha, por cá, sofrido a respectiva aculturação e corruptela.
 
Mais 2 teses se perfilam, referidas pelo amigo Zé Veloso, de que cito a intervenção que teve, sobre o assunto, no FB da sua Tertúlia:

 “Porém, o meu amigo Ricardo Figueiredo acaba de me informar que encontrou a referência abaixo transcrita, que parece confirmar a primeira versão:
(…)
Despesas, Orçamento de 1568:
10- A António Fernandes, Relogieiro da SEE-$500(1)
17- A Tomé Fernandes, que tange o sino de corer 4$500
 (1) Dava-lhe o Bispo mais $500 e o cabido outro tanto. O relógio da Sé era o relógio oficial da cidade; por ele todos se governavam. O da Universidade estava atrasado um tanto, para permitir que professores e alunos chegassem a tempo, costume que vem a dar o quarto de hora de tolerância.[4]

Finalmente, Gonçalo Reis Torgal, que baseia a sua referência ao toque da cabra durante 1/4 de hora na transcrição de uma frase do livro de Diamantino Calisto - "Costumes Académicos de Antanho" - avança uma terceira teoria. Diz ele que a cabra tocava os seus balidos durante ¼ de hora e, daí, a razão de ser do 1/4 de hora académico. Aqui o ¼ de hora bate certo mas não tem a ver com atraso algum, pelo que me parece uma explicação algo duvidosa, pese embora o muito saber do autor de "Coimbra - Boémia da Saudade" sobre as tradições académicas de Coimbra.” [5]

 

A explicação dada pela referência contida no livro de A. Rocha Brito, parece muito plausível (como adiante veremos), sendo, até agora, a mais antiga referência portuguesa de que dispomos sobre o atraso de ¼ de hora tolerado a alunos e professores.
Já o argumento avançado pelo Reis Torgal merece as minhas fortes reservas, secundando o Zé Veloso nas dele, pois não consta que o toque do sino durasse 15 minutos. Nem nas grandes festas religiosas sucedia tal, nos sinos da Sé ou igrejas, quanto mais neste caso. Além disso, sujeitava-se a UC a ver-se invadida de conimbricenses, de baldes de água na mão, a perguntar onde era o fogo!
O que ocorreu foi um erro de leitura/interpretação, como disso dá nota o Zé Veloso, pois "Diamantino Calisto frequentou a UC no final do séc. XIX e a frase que vem na pág 27 do seu livro de memórias é a seguinte: «Tocava (a cabra), com pequenos intervalos, durante um quarto de hora».

Sobre esse toque, recorda o Zé Veloso que, e citando um amigo comum, que "num post do Guitarra de Coimbra": A. M. Nunes refere os dois toques da cabra, o matutino e o vespertino, da seguinte forma: «É tangido vespertinamente, entre as 18:00 e as 18:30h, anunciando as aulas do dia seguinte, e matutinamente, das 7.30 às 8.00h, a lembrar o começo das aulas».
 
E nada mais encontrei, sobre o nosso “quarto de hora académico” português.

Contudo, alertado pelo João Caramalho Domingues, do blogue “Porto Académico”, para o facto de haver referências estrangeiras, em alguns cliques cliques dei de caras, entre outros, com o seguinte excerto, que me escuso traduzir, pois de fácil compreensão:
 
The quarter system dates back to the days when the ringing of the church bell was the general method of time keeping. When the bell rung full hour, students had 15 minutes to get to the lecture. Thus a lecture with a defined start time of 10:00 would start at 10:15.
Academic quarter exists to a varying extent in many universities, especially where the campus is spread out over a larger area, necessitating the need for fifteen minutes for the students to walk from one building to another between classes.” [6]

 Pelos vistos, lá fora, atribui-se este hábito (que, como vemos, não existe só por cá) à necessidade de contemporizar o facto de os alunos precisarem de mais tempo para transitarem entre aulas, quando estas ocorriam em campus cujos edifícios ficam distantes uns dos outros.
Uma explicação que vem reforçar o que ainda há pouco vimos citado da obra de A. Rocha Brito.

 
Sabemos que o ¼ de hora académico é, usualmente assinalado acrescentando-se a abreviaura "c.t." (cum tempore, que significa, em latim, “com tempo”) que se coloca imediatamente a seguir à hora designada; por exemplo "16:00 c.t.".

Quando, no entanto, se pretende que a aula, reunião ou evento começe a horas certas utiliza-se a expressão "s.t." (sine tempore, que significa, em latim, “sem tempo”, ou seja que não dada tolerância e tempo).
Em países anglófonos, por exemplo, onde também existe o “quarto de hora académico”, utiliza-se também, a expressão "sharp" (que significa que são horas precisas/certas), precisamente para deixar claro que é para começar à hora indicada. Exemplificando: "6:00 pm sharp".
Os franceses, por sua vez, utilizam a expressão “pile” (de pilha, numa alusão à exactidão dos relógios a pilhas[7], em contraposição aos antigos que eram de corda), colocada a seguir à hora indicada, para deixar claro que é “em ponto”.

 
Como o leitor já começa a perceber, isto do ¼ de hora de atraso, não é só por cá. Na Alemanha, esse quarto de hora académico é apelidado de “akademisches Viertel" (existindo, inclusive, uma publicação estudantil com essa designação), e essa tolerância é praticada também na Áustria, Escandinávia e Suíça (onde é apelidado de Le quart d'heure vaudois”),entre outros. Também por lá as aulas nas universidades não se iniciam exactamente à hora indicada, mas 15 minutinhos depois, precisamente para darem tempo aos docentes e discentes de se deslocarem de umas salas para as outras, as quais nem sempre se encontram no mesmo edifício (essa é a desculpa, porque o facto é que o atraso de 15 minutos é já uma instituição).

 Assim, é natural encontrar nos horários afixados o seguinte exemplo:

 Aula de Literatura do séc. XIX
Professor Doktor Schultheiss
Edifício 11, Sala 1
Sexta  das 11h às 13h c.t.

Desengane-se quem pensa, pois, que esse quarto de hora é culturalmente indicativo de preguiça ou próprio de povos menos…… competitivos, pois ficaria o leitor admirado em saber que na Alemanha da Sra. Merkel o quarto de hora estende-se para além do âmbito estudantil e já há décadas se estendeu a todos os domínios da vida quotidiana. No país que manda na economia e finanças da Europa, e que se gaba da sua eficácia e produtividade, é sempre possível argumentar com o ¼ de hora da praxe para justificar uma qualquer atraso.

Em França, por exemplo, chega a fazer parte da “etiqueta”, tomando, pro vezes, a designação não oficial de “quart d’heure de politesse”. Outras designações que toma são “quart d’heure marseillais”, “quart d’heure parisien”, praticado quer pelo comum dos mortais que mesmo por titulares de cargos públicos.
De tal maneira está enraizado, já, esse atraso que um artigo do “New-York-Times” sobre o "savoir-vivre à francesa”, publicado em 2007, dizia que “Em França, quando há um encontro marcado, parte-se do princípio que todos chegarão atrasados”.

O mesmo referia o jornal suíço “Le Temps”[8], em 2010, afirmando que os suíços tinham a  “condenável mania de nunca estarem a horas”.

 
Não deixa de ser, de certa maneira, paradoxal que um país conhecido pela sua relojoaria, nele se pratique, de forma tão generalizada, o atraso; um atraso já tão institucionalizado que já tem honras de dicionário:

 “Quarto de hora (dito) académico = "atraso" (praticamente tolerado) de um quarto de hora antes de qualquer hora de aula universitária.” [9]

 
Em França, também o dicionário da Academia Francesa, a mais prestigiada academia do mundo, contempla o ¼ de hora académico, designando-o como “Quart d’heure de grâce” (ser agraciado, gozar a graça de um quarto de hora):

 "Heure de Grâce, quart d'heure de grâce -  Délais accordé au delá du temps fixé pour faire quelque chose, pour terminer une affaire."[10]

É precisamente em França que encontrámos uma referência que indica que o quarto de hora académico é ainda a mais antigo do que julgávamos (até agora era 1568, em Coimbra). Com efeito, como podemos ler no excerto abaixo, ele proviria do atraso admissível às reuniões das comissões municipais na idade média, tempo esse que seria medido por uma ampulheta regulada para 15 minutos:

"Historiquement, le quart d'heure académique provient de la durée de retard admissible aux réunions des commissions municipales au Moyen Âge, mesurée par un sablier réglé sur quinze minutes [11]

 
Uma coisa sabemos : o ¼ e hora académico é da Praxe. Um costume que, afinal, não é traço exclusivo de países atrasados cultural e socialmente, como tanto gostam de apregoar certos anti-praxe no que concerne a Portugal e às suas tradições académicas (eles que se esquecem, por exemplo, que muitas universidades do norte da Europa também tiveram cadeia para os alunos até inícios da 1ª guerra Mundial).

Os 15 minutos da Praxe, pese embora serem um mau hábito, são um hábito por demais enraizado e que está aí para contrariar a regra da pontualidade britânica ou dos países mais a norte, tidos como exemplo de civismo, etiqueta e cumprimento draconiano de horários.

Certamente que fazer do atraso uma regra de etiqueta (ou a sobrepor-se á etiqueta e boas práticas) é algo sem sentido, mas nem sempre se cristalizam em tradição os bons exemplos e as boas práticas.

De nada vale querer mudar as coisas à força, o testemunho seguinte no lo confirma:

“As universidades não estão, de resto e em matéria de tempo, melhores do que os bancos. Por exemplo, a Universidade de Coimbra (e não está sozinha neste particular) tem um ancestral quarto de hora de atraso académico. Quando se anuncia que uma aula ou um seminário é às 3 horas, quer-se dizer que é às 3 horas e 15 minutos. Cometeu este autor um dia o inaudito atrevimento de tentar uma pequena revolução temporal, anunciando um seminário para as 15 horas 15 minutos, EM PONTO, com maiúsculas e tudo. Mantinha-se o respeito pelos hábitos mais primordiais, mas ensaiava-se obter um mínimo de rigor, procurando a concordância entre o horário no papel e a hora marcada nos relógios quando a função começava. Tarefa votada desde logo ao insucesso! A audiência compareceu, ou melhor começou a aparecer, às 15 horas 30 minutos, porque o quarto de hora académico é uma conquista académica irreversível da qual nenhum académico jamais abdicará por sua livre vontade. [12]

São “pecados velhos” que já o nosso bem conhecido Pe. António Vieira denunciava em 1650:

«Uma das cousas de que se devem acusar e fazer grande escrúpulo os ministros, é dos pecados do tempo. Porque fizeram no mês que vem o que se havia de fazer no passado; porque fizeram amanhã o que se havia de fazer hoje; porque fizeram depois, o que se havia de fazer agora; porque fizeram logo, o que se havia de fazer já. Tão delicadas como isto hão-de ser as consciências dos que governam, em matérias de momento. O ministro que não faz grande escrúpulo de momentos não anda em bom estado: a fazenda pode-se restituir; a fama, ainda que mal, também se restitui, o tempo não tem restituição alguma»[13]

 
Termina o artigo como começou: sem certezas.
Algumas teses que por vaí pululam não apresentam solidez nos seus argumentos e explicações, caindo pela base ao primeiro abanão.
Outra(s) parece(m) mais plausível(is). Ao  leitor cabe tirar as suas próprias conclusões.

P.S. Um agradecimento penhorado aos membros da Tertúlia Penedo d@ Saudade no Facebook.

 


[3] Diogo Pereira in “O Quarto De Hora Académico”, artigo de 19 Julho 2012 [em linha]
[4] BRITO A. da Rocha - Finanças quinhentista do Município Coimbrão-Coimbra 1943, pag.25
[7]Não devemos esquecer que a hora mundial é definida por um relógio alimentado por uma pilha atómica.
[8] Artigo intitulado : "Le quart d'heure vaudois en voie d'extinction".
[9] LEBOUC, Georges - Dictionnaire de Belgicismes. Editions Racines.Bruxelles, 2006, p. 82.
[10] Dictionnaire de L'Académie Française, 6ème Édition, Tome 1er. Imprimerie et Librairies de Firdin Didot Frères (Imprimeurs de l'Institut de France).Paris, 1835, p.889
[11] Régulation temporelle et territoires urbains - habiter l'espace et le temps d'une ville, sob a direcção de de René Kahn, L'Harmattan (2007), p. 57. G. Dohrn-van Rossum, P. Braunstein, O. Mannoni: L'histoire de l'heure, Maison des Sciences de l'Homme (1997), p. 254.
[12] Carlos Fiolhais, O tempo português, 13/10/1999 [em linha] http://nautilus.fis.uc.pt/personal/cfiolhais/extra/artigos/artletras131099.htm
[13] Citado em « Ser estudante é ser pontual » [em linha] http://www.ua.pt/provedordoestudante/PageText.aspx?id=14615

Notas de Luto Académico

 Reza a tradição que, aquando do falecimento de um pessoa cuja importância e relevo seja  digna dessa honra, se decrete luto académicos por 3 dias, devendo usar-se a capa descaída pelos ombros e abotoada com o respectivo colchete.

No caso, por exemplo, da morte de um estudante, sem outro relevo que não o de ser aluno da instituição, de um funcionário ou de um docente não titular de cadeira, decreta-se luto apenas para o dia das exéquias.
Erradamente se afirma que a Praxe é suspensa (muitos decretos cometem esse lapso), quando isso é, de todo, impossível.
A partir do momento em que se participa na cerimónia ou apenas se envergue o traje, trajando secundum praxis em função do acontecimento, está-se, obviamente, em Praxe.
O que usualmente se suspende é quaisquer actividades de gozo ao caloiro. Pode, no entanto, de acordo com o momento e contexto, suspenderem-se outras actividades (por exemplo se sucede algo incomum durante a Queima).

Manda, também, a tradição que, em qualquer cerimónia fúnebre, os estudante se apresente, para além da capa descaída e abotoada, com a respectiva batina (carcela) fechada até ao pescoço (hoje em dia a larga maioria não apresenta o mecanismo próprio para tal, algo que o estudante deve exigir ou colocar por sua conta).
De notar que tal preceito (fechar a batina), é algo que surge depois da década de 20 do séc. XX.

Luto Académico, funeral de Veiga Beirão, lente da UC,
in Ilustração Portuguesa Nº561, de 20de Novembro de 1916
Com efeito, conforme a imagem acima, ainda não estava convencionado o fecho da batina. A esse propósito, diz-nos António M. Nunes que os  "Estudantes de capa e batina desfilam no cortejo fúnebre levando as capas conforme usança nos bandos precatórios (peditórios na via pública) e nas arruadas das tunas estudantis;
 -estudantes com as batinas desabotoadas, sinal óbvio de que a "tradição" que associa a carcela fechada ao luto ainda estava para nascer" (in blogue Virtual Memories, artigo de 16 Fevereiro de 2013)



Como já o referimos, o luto académico e etiqueta a observar em cerimónias fúnebres, faz parte do protocolo, dos ritos próprios, ou seja da Praxis (da Praxe), pelo que paradoxal e incoerente quando se decreta a sua suspensão.

Observa-se o luto académico quer a título pessoal (morte de familiar ou pessoa próxima) quer quando tal é decretado pelo organismo que tutela a Praxe.
Quando o luto é decretado local ou nacionalmente, pelas autoridades competentes, e caso não seja acompanhado de declaração do organismo de Praxe, cabe conscientemente ao próprio estudante observar esse luto e usa o traje em conformidade.
Foto de Francisco José Carvalho Domingues, em 1969,
enquanto aluno de Coimbra, enviada pelo próprio (a quem desde já agradecemos).


Em certos casos, o féretro da pessoa é coberto com as capas dos estudantes, na falta de uma bandeira, por exemplo.
Assisti, há uns largos anos, a um caso em que a urna foi coberta apenas com uma capa (comprada para o efeito), na qual algumas pessoas (em representação dos estudantes e de vários grupos académicos ou instituições) procederam aos rasgões da praxe (amizade), em jeito de homenagem. Nesse caso, por uma questão de ordem prática e respeito, os cortes não foram feitos com os dentes, mas com uma pequena tesoura (abrindo-se o restante rasgão com as mãos, naturalmente).


Deixamos aqui alguns registos fotográficos, já com alguns anos, diga-se, de estudantes trajados em actos fúnebres, embora em nenhum deste clichés (referentes a Faro e Lisboa) os alunos estejam com as batinas fechadas, mas apenas apertadas. Também as capas não estão, em alguns casos, totalmente descaídas (estão-no, mas com dobras) nem abotoadas.


Estudantes do Liceu de Faro no préstito fúnebre aos náufragos do navio "Faro".

 Illustração Portugueza, II Série, Nº 317, de 18 Março 1912, p.364 (Hemeroteca Municipal de Lisboa).




Estudantes de luto, durante as exéquias de Guerra Junqueiro




Ilustração Portuguesa, 2ª série, Nº 909, de 21 Julho de 1923, pp.73-78 (Hemeroteca Municipal de Lisboa)


Notas a um Cortejo sem Tradição

 

Desta feita as imagens são da cidade de Viseu, a 4ª maior academia do país em nº de alunos. Os excessos do costume, a alegria habitual ........... nada de anormal, portanto, não fosse o olhar atento a coisas que envergonham e enojam qualquer praxista que se preze ou qualquer um que tenha respeito pelas tradições. Com que então temos agora cartolados de calções (de ganga, de pano...), de vestido, de leegins e afins? É nesses tristos preparos que uma academia se revê? Quem agora define a tradição é gentalha que a delapida e transforma um cortejo académico numa mera "Carnaval Parade"? Onde estão os organismos de Praxe, as comissões de curso tão activas nas recepções ao caloiro, a pujança e o dito "espírito académico"? Ele é isso? Este é apenas um exemplo, numa cidade que, durante muitos anos, foi tida como paraíso na vivência e preservação das tradições académicas (baseadas em Coimbra). Estas imagens ilustram que até isso por lá se está a perder. Como será no resto do país?

domingo, 24 de abril de 2011

Notas sobre o Traje Académico - do Hábito Talar à Capa e Batina

 <a href="http://photos1.blogger.com/blogger/48/2307/1600/costumes.jpg"><img alt="" border="0" src="http://photos1.blogger.com/blogger/48/2307/200/costumes.jpg" style="float: right; margin: 0px 0px 10px 10px;" /></a><br /><a href="http://photos1.blogger.com/blogger/48/2307/1600/Traje.jpg"></a><br /><span style="color: #6666cc;"><strong>Traje Académico, do Hábito Talar à Capa e Batina</strong></span><br /><br />Comummente conhecido como “Capa e Batina”, o traje académico representa tão somente uma feição contemporânea do “Hábito Talar”, indumentária clerical que existe desde a fundação da Universidade em Coimbra (Bula “STATU REGNI PORTUCALIAE” do Papa Nicolau IV), por D. Dinis “O Lavrador”(1279-1325) em 1290. Com efeito, desde sempre e durante a idade média a maioria dos escolares eram clérigos que trajavam conforme a sua condição e hierarquia.<br />Os Doutores, Mestres e Lentes distinguiam-se pelo uso do vestido talar de inspiração romano-clerical (loba e sotaina) e Becas coloridas segundo a moda reinante na corte, isto, além dos hábitos das ordens religiosas, num todo complementado pelo Capelo ou Murça e Barrete com borlas (semelhante ao usado pelos cónegos), ao qual se juntava o Anel e a Capa.<br />Os Escolares por seu lado vestem consoante a sua condição de civis ou eclesiásticos, sendo elementos mais característicos a Loba, a Sotaina e a Capa, que aliás acabam por prevalecer a partir do séc. XVI.<br />Com D. João III, na sua ordenança para os estudantes datada de 1539, podemos já falar em Traje Académico, onde o mesmo é rigorosamente definido (Loba, Sotaina, Capa com gola, Calções de talho liso, Botas ou borzeguins e Barrete redondo ou tricórnio). São no entanto inequívocas as influências sofridas da vizinha Espanha (Valladolid e Salamanca), nomeadamente nos cerimoniais académicos (de notar por exemplo que os cerimoniais de doutoramento em tudo se assemelham aos da ordenação dos Bispos), até porque as primeiras insígnias académicas eram as trazidas pelos escolares que estudavam em Paris, Bolonha ou Salamanca.<br />O Traje Académico oscilou sempre na sua composição em razão de muitos clérigos trajarem segundo a sua condição, ordem a que pertenciam e hierarquia que ocupavam ,etc.<br />Verificam-se diversas alterações no traje que ocorrem no séc. XVI, XVII e XVIII, sendo que o actual tem origem no séc. XIX com implementação da calça comprida, camisa e gravata e botins pretos (o calção, meia, sapato de fivela e cabeção apenas se mantêm nos cerimoniais de Doutoramento e Actos de Bacharel). <br />O actual traje, vulgo "capa e batina" é um corte com as antigas vestes talares, fruto do contexto republicano e anti-clerical vivido na época, substituindo as antigas paruras por um modelo assimilado, ou em tudo parecido, com as vestes burguesas. A capa, que incialmente estava previsto desaparecer, é mantida pro vontade exclusiva dos estudantes (pelo imaginário romântico masculino&nbsp;dos romances de capa e espada). O seu uso dissemina-se, gradualmente, a partir da década de 80 do séc. XIX, embora conviva com outros trajes equiparados e reconhecidos com trajes académicos (trajes militares ou o usado na Escola Agrária de Coimbra). Será só a partir de 2ª metade do séc. XX que a capa e batina assume o seu actual cariz transversal e nivelador em termos estéticos, até ao surgimento de novos panos (a partirde dos anos 80/90 do séc. XX).<br /><br />Em 1911 o Governo da República decretou a extinção da obrigatoriedade do uso diário do traje, que se continuou a usar por pressão dos estudantes do Orfeão e Tuna de Coimbra e Porto, segundados pelso estudantes de Lisboa.<br /><br /><br />Só na década de 1957 o traje ganha sobriedade passando este a ficar (bem como tudo o relativo à Praxe) sob tutela do Conselho de Veteranos.<br />O Traje feminino surge pela mão das estudantes do T.E.U.C. que avançaram em 1951 com um modelo de Fato Saia-Casaco, pois até aí trajavam um modelo mais perto da tradição anglo-saxónica. A partir de 1953 predominaria o novo traje cuja divulgação em muito se deve ao surgimento do Coral de Letras e do Orfeon Misto. <br /><br />Bibliografia: <em>“Subsídio para o estudo genético-evolutivo do Hábito Talar na Universidade de Coimbra”</em> de António Nunes, [in Revista “Via-Latina” – Ad Libitum, 1988/89.]

Notas sobre o Colete....de forças!

Noticiado recentemente, através, nomeadamente, da TV, parece que, lá pelos lados do Mondego, se vive uma situação assaz insóltia sobre as incidências da revisão do Código da Praxe e o traje feminino.
Em idos de 2001, foi dada a opção das senhoras usarem colete por baixo do casaco. Seja por que razão for, o uso, apenas opcional, disseminou-se por toda a academia, passando colete a entrar com naturalidade, como peça do vestuário feminino do Traje Académico.
Não era obrigatório, mas era permitido, daí que, com mais ou menos pressões comerciais, passou a ser peça presente na venda do traje.


Ora, parece que a opção dada foi AGORA revogada e que a nova revisão do código conimbricense proíbe determinantemente o uso do dito colete pelas senhoras.

Dura praxis sed praxis, diríamos nós. O Conselho de Veteranos legislou, e decidiu, e em matéria de praxe as decisões decretadas, por aquele que é o órgão máximo da praxe, são lei.

Contudo, tal não implica que seja uma decisão correcta. Pessoalmente, julgo que não é, de todo, o caso, muito menos os motivos aludidos que empalidecem que os proferiu.

Antes de mais, deveria ter sido salvaguardado o caso da retroactividade da lei, não penalizando quem já usa o dito colete ou ou adquiriu, até à aprovação das alterações à lei.
As novas disposições deveriam entrar em vigor para todos aqueles (aquelas, neste caso) que, posteriormente à mesma, viessem a trajar.
Neste aspecto, parece que a decisão não foi "coerente".

Quanto às razões evocadas pelo Dux-Veteranorum da academica de Coimbra, parecem-me mal urdidas e amanhadas, e os argumentos apenas provam incompetência e falta de saber.
Justificar o colete como sendo peça de vestuário tipicamente masculina, quando actualmente a calça (que sempre o foi) é de uso comum em ambos os sexos, parece-me ser mais machismo do que tradição (nós, homens, que até já usámos longos vestidos na idade média).


Parece-me que o Dux-Veteranorum de Coimbra precisa de rever os seus apontamentos sobre traje e etnografia, já que o colete é peça do vestuário feminino há muito tempo (apresentando-se, também em alguns casos, sob a forma de corpete) e em muitos locais do país (e estrangeiro). Basta dar o exemplo do trajo de trabalho das mulheres de Espinho, do colete vermelho das senhoras da Póvoa do Varzim, da lavradeira do Minho, só para citar alguns.

É pois, muito pouco consentâneo ouvir afirmações desse tipo em directo para a televisão. Todo e qualquer pessoa minimamente conhecedora de folclore, por exemplo, já para não dizer de história ou etnografia (ou de praxe), certamente que se levanta da cadeira perante tais argumentos.
Para um líder de uma cademia de referência, a nossa Alma Mater, fica uma pálida imagem da qualidade e competências que assitem a quem deve ser um exemplo de excelência no conhecimento das matérias que tem por função promover, preservar e orientar.

O colete não retira a feminilidade das mulheres - quando até é uma peça que usualmente se usa debaixo da batina/casaca, e muito menos em que é que tal possa atentar à tradição, principalmente depois da "abertura", velada de opcional, dada em 2001.
Este tipo de avanço e retrocesso, a jeitos de "experiência piloto" é um tiro no pé e um hino à falta de ideias e bom-senso de quem preside aos destinos da Praxe.

Por outro lado, o uso do colete beneficia, até, o porte e postura, evitando que as batinas pareçam árvores de Natal ou oficiais soviéticos, de tantos p'ins que levam nas lapelas (há quem nem se dê conta do ridículo dessa ostentação desbragada), passando os ditos "coisos" para um local mais discreto: o colete.
Não é o caso em Coimbra, mas a sua utilidade provou-se noutras academias, também para o caso dos pins.

Assim, em momentos ou eventos de maior cerimónia, basta fechar/abotoar a casaca ou batina e fica-se com um aspecto mais condigno, formal e aprumado, secundum praxis.
Na minha academia (de praxis baseada na de Coimbra), aquando da revisão do código (1998/99), foi introduzido o colete no traje feminino, algo que trouxe maior comodidade às senhoras (menos expostas fisicamente, e com local onde porem, para as mais "vaidosas" os p'ins).
Tal não retirou, nem menorizou, a estética do seu traje e do seu porte, e muito menos lhes acrescentou "pêlo na venta".

Já se viveu, em tempos, a guerra das calças, que muitos temas do nosso folclore e música popular ilustram.
Estaremos para assistir a novo reatar bélico entre géneros?

A primeira pedra já foi atirada pelas calças do Conselho de Veteranos. Aguardamos a resposta das saias da Academia Coimbrã.

Notas Burlescas (Burra Praxis Sed Praxis)


Uma pequena sucessão de episódios imaginários, de pequenas sátiras, reproduzindo, apesar de tudo, situações similares que ocorrem na vida real, no dia-a-dia da praxe, e em muitos fóruns dedicados/sobre tradições académicas.

Como o leitor perceberá, ridiculariza-se, aqui, o saber assente no “ouvi dizer”, no “acho que”, a verdadeira ignorância e iliteracia que reina no meio académico acerca da sua própria vivência, história e significado.

"doutores" destes, infelizmente, há muitos (como os “chapéus” do Vasco Santana), assim como demasiado poucos caloiros verdadeiramente interessados em saber e perceber, ao invés de meros reprodutores acéfalos.



Na Recepção ao caloiro

(Caloiro) - Sr. doutor, para que servem estas actividades que mais parecem jogos tradicionais ou os que eu fazia nos escuteiros e grupo de jovens da minha paróquia?
(doutor) - Isto, meu burro, é praxe! Serve para te integrares.
(caloiro) - Então e dizer palavrões, gritar e andar de quatro, andar a rebolar pelo chão e esfregar-me nos colegas também é praxe?
(doutor) - Claro, meu anormal! No final vais ter saudades e ver que conseguiste arranjar muitos amigos!
(caloiro) - Ora isso é um pouco tontice, porque até agora safei-me bem a arranjar amigos e amigas, e nunca fui praxado, e ao mais andei num liceu com perto de 3 mil alunos.
(doutor) - Caloiro é estúpido. Isto não é o liceu. Aqui é assim e não é para meninos da mamã ou gajos que têma mania que sabem tudo! Tu, meu anormal, estás na minha lista negra. No tribunal de praxe vais pagá-las!

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(Caloiro) – Sr. doutor, por que andam com tesouras e colheres?
(doutor) – Porque são insígnias da praxe.
(caloiro) – E porque são da praxe (essas, e não outras)?
(doutor) – Porque é tradição, sempre foi assim. A tesoura para cortar cabelo e a colher para dar nas unhas.
(caloiro) – O meu primo disse-me que também há a moca.
(doutor) – Sim, mas isso já não se usa.
(caloiro) – Ah, mas pode dizer-me a origem desses símbolos?
(doutor) – Não são símbolos, caloiro burro, são insígnias. Se queres saber, lê o código.
(caloiro) – Mas, lá não diz!
(doutor) – Se não diz, é porque não é para saber!
(caloiro) – Então o Senhor doutor não sabe!?
(doutor) – Já de 4 e a encher! Um tribunalzinho é o que vais ter por te armares em chico-esperto e vires com esse nariz empinado.
(caloiro) – Desculpe, não era intenção. Já agora, que é isso de tribunal e de onde vem essa coisa de fazerem tribunais?
(doutor) – Acho que te vais declarar anti-praxe, antes do dia acabar! Está a encher! Olha-me esta ameba: queria saber o que sei. Era o que faltava: ficar a saber tanto como eu.


Na Latada

 (Caloiro) – Sr. doutor, por que vamos todos assim com latas?
(doutor) – Porque é tradição, é a apresentação dos caloiros à cidade.
(caloiro) – Ah, que giro! E desde quando se faz aqui? De onde vem a tradição da latada e do baptismo?
(doutor) – Já se faz há muitos anos, é uma tradição muito antiga que nasceu em Coimbra.
(caloiro) – E pode explicar-me essa origem? É que o código não diz.
(doutor) – Com que então armado em curioso; o espertinho a querer saber mais que os outros? Vê lá se levas com a moca na tola! Toca a andar e a cantar, a abana-me essas latas! Queres saber? Vai à Wikipédia!


Na Serenata da Queima

 (Caloiro) – Sr. doutor, tenho aqui uma dúvida: qual a origem da Serenata Monumental (que abre a Queima)?
(doutor) – Eh pá, isso tem muitos, muitos anos. É uma tradição que veio de Coimbra.
(caloiro) – Pois, mas como assim?
(doutor) – É uma questão de pesquisares.
(caloiro) – Mas acho uma coisa estranha: sempre tive a ideia que serenata era cantar à janela de uma donzela, cantar o amor, tentar conquistar a nossa amada, só que estes tipos cantam fados e baladas que falam do adeus à faculdade e outras coisas do género.
(doutor) – É, mas isso são serenatas diferentes.
(caloiro) – Como assim?
(doutor) – Umas são para conquistar e outras para a despedida.
(caloiro) – Mas chama serenata a ambas. De onde vem essa tradição de serem diferentes?  Procurei no código, mas nada!
(doutor) – Shuuuut, na Serenata não se fala! E não aplaudas, que não se bate palmas na serenata.
(caloiro) – Não se pode bater palmas? Então, porquê? (a malta não pode aplaudir, mas fala alto e fuma, bebe e faz barulho....)
(doutor) – Ira, cala-te e sente este momento, ou ainda te traço a capa de maneira a esganar-te! Olha, vou mas é ali à barraca beber um fininho que isso é que é fado!



Na Queima

 (caloiro) – Ó senhor doutor, diga-me uma coisa: agora que estou todo aperaltado, gostava de saber de onde vem o traje que usamos e que chamam capa e batina, porque este casaco não tem nada de batina, que batina é a que usavam os padres antigamente, não era?
(doutor) – O traje vem de há muitos séculos, de quando eram os padres a mandar na praxe.
(caloiro) – Ah…… (?!?), pois…… mas olhe lá: por que razão é assim?
(doutor) – Simples: o traje é igual para todos porque assim não há ricos e pobres.
(caloiro) – E por que razão é de cor preta? E qual o significado da nossa capa?
(caloiro) – É para não se sujar tanto; e a capa, também preta, era para, noutros tempos, fugir à polícia universitária ou então andar escondidos em trupes, na noite, à caça dos caloiros.
(caloiro) – É que eu fiz como disse e fui pesquisar, mas encontrei também explicações que dizem que não é nada assim, que o traje não foi para tornar todos iguais, que a capa e batina veio substituir o traje clerical (e por isso não é continuação dele) e que o traje foi criado como uniforme; que o preto tem a ver com os votos do clero e que a capa até esteve para ser abolida; e é usada como mera peça de resguardo……
(doutor) – Olha-me este gajo! Mal acabado de trajar já pensa que sabe alguma coisa. Ó meu granda cromo, a praxe não se aprende nos livros, mas no dia-a-dia. O que precisas de aprender ouves da boca dos teus superiores, o resto não interessa.
(Caloiro) – Mas, eu farto-me de colocar perguntas e só me respondem que é assim ou assado, porque sim ou porque sopas, sempre com explicações que não esclarecem(só sabem dizer que é antigo e vem de Coimbra). Além disso, para que serve o código se não explica o porquê das coisas?
(doutor) – Ó meu amigo, estás-te a habilitar a uma sanção de unhas. Aqui não importa perceberes. Deves ver como fazemos e depois fazes o mesmo. O código é para dizer o que podes e não podes fazer, quando, onde e como.
(caloiro) – E quando é que sabemos que fazemos bem ou mal; quando há coisas que não sabemos, sequer, por que as fazemos (e o código não explica)?
(doutor) - É uma questão de bom senso. Com mais um ano em cima e ficas a perceber, que agora estás muito verde nestas andanças.
(caloiro) - Estou a ver: É  o obscurantismo medieval: quanto mais burro e obediente melhor, que saber alguma coisa pode perigar a ignorância revestida de sapiência!
(doutor) - Heim?
(caloiro) - Nada, nada!


Na noite de Tunas

 (caloiro) – Isto das tunas é muito fixe!
(doutor/tuno) – Gostas?
(caloiro) – Adoro.
(doutor/tuno) – É uma das mais antigas tradições da praxe; e tem praí uns 600 anos!
(caloiro) – Hum? Li algures que isso era invenção e que as tunas tinham nascido no séc. XIX.
(doutor/tuno) – Tás enganado, pá. As tunas vêm dos goliardos e dos sopistas; e há quem diga, até, que vieram da Tunísia, inspiradas por um Califa que era um boémio.
(caloiro) – E quem disse, e em que obra, para eu consultar?
(doutor/tuno) – Mas importa, isso, alguma coisa? Estou-te eu a dizer, e foi assim que me disseram; e todos sabem que é assim.
(caloiro) – E nunca procurou saber se era mesmo assim? Não se podem ter enganado?
(doutor/tuno) - Já ando nisto de tunas há uns anos, por isso percebo da coisa, tas a ver?
(caloiro) – Também falo e escrevo português desde que nasci e isso não quer dizer que perceba de linguística ou de gramática (apesar da minha mãe ser prof. de português), que tenha um curso de literatura (eu que até sou de engenharia).
(doutor/tuno) – Ó meu, vê se atinas e te deixas de manias. És algum marrão que encontra todas as respostas nos livros? Achas que é lá que vais encontrar resposta a tudo?
(caloiro) - A tudo não, mas também estou a ver que a mera prática não chega, e que praticar o que não se percebe é algo…….
(doutor/tuno) – Está a encher, bicho d’um raio! Olha-me o puto a desafiar-me e por em causa o meu saber! Era o que mais faltava. Vou chamar o teu padrinho que ele vai-tas cantar!

Na imposição de insígnias

 (Caloiro) - Sr. doutor eu já li o código, sei como se processa, mas tenho uma pergunta: de onde vem esta tradição de queimar o grelo, de por o grelo na pasta, de soltar as fitas, etc.? Além do mais por que se chama queima das fitas se elas não são, afinal queimadas?
(doutor) – Nós fazemos isso, aqui, já há muito tempo, mas a origem é da praxe de Coimbra.
(caloiro) – OK (é sempre a mesma resposta), mas qual o significado desses momentos, qual a sua história para que ainda hoje se repitam?
(doutor) – O que sei é que é para assinalar a passagem de uns anos para outros, basta leres o código e vês que nuns anos impõem-se uns nos demais outros, que simbolizam que vamos avançando na praxe.
(caloiro) – Não era bem isso…
(doutor) – Cala-te e olha; a ver se aprendes! Já te disse que é olhando que aprendes e percebes!



 Termina-se com a seguinte citação:

"Há tantos burros mandando em homens de inteligência,
que ás vezes fico pensando, se a burrice não será uma ciência."

                                                 '' António Aleixo'

ou, adpatando:

"Há tantos burros mandando em caloiros
que às vezes fico pensando, se a burrice não será praxe"